quinta-feira, 26 de maio de 2011

Rococó com Pollock

Ouço, às vezes, a mente dizer
Com clarividência sua linha:
Esbelta, conforme, sinuosa,
Contando vantagem dos seus silêncios.
Mas, de repente, esfria
E passa do barro ao nanquim
Que encrava em sua ponta
Dizendo de tudo um grande porão
D'onde vêm as entranhas rasgar.

segunda-feira, 23 de maio de 2011

My Beautiful Dark Twisted Fantasy

O álbum mais louvado pela crítica em 2010 foi, inegavelmente, o mais recente lançamento de Kanye West, intitulado My Beautiful Dark Twisted Fantasy. Realmente, é um trabalho incomparável. Em minha opinião, West e Janelle Monáe, com seu The ArchAndroid, estabeleceram o parâmetro para a música do século XXI. O nome da obra já diz tudo: trata-se de um longo devaneio introspectivo, buscando a beleza e o horror do artista, ao mesmo tempo em que trilha o universo urbano da contemporaneidade americana.
Este é um álbum de decadência: extravia a podridão da alma imersa num mundo de riqueza material e hedonismo puro ao mesmo tempo em que busca apoiar-se num resquício de esperança - o que resta de glória. A liricidade das faixas passa por inúmeras referências culturais, desde os primórdios do hip hop até o racismo e a violência doméstica.
O álbum é fruto de um exílio a que West levou-se após uma série de controvérsias e problemas com a mídia. Abalado pela reação a casos como o dos Video Music Awards de 2009, em que subiu no palco para reivindicar para Beyoncé um prêmio vencido por Taylor Swift (o de video feminino do ano), o rapper entrou num processo de severa auto-reflexão e auto-crítica, resultando numa nova abordagem musical latente na estética de My Beautiful Dark Twisted Fantasy. Ao mesmo tempo, nota-se a constante compreensão do mundo sob a ótica de um ser urbano. Há uma clara sensação noturnal de cidade grande; referências a bacanais, prisões e riqueza material indicam neste sentido.
O resultado é poderoso: revela os anseios e agonias de um indivíduo imerso numa realidade liquefeita, cosmopolita e amoral por excelência. Músicas como Lost in the world e Runaway tornam esta sensação explícita, misturando perdição e amor enquanto o artista fala com o coração dolorido e confuso. Egocentrismo, narcisismo e auto-exaltação misturam-se, como resultados psicológicos de toda a tensão, a esta fórmula para tornar um trabalho já complexo ainda mais requintado através da contradição.
Musicalmente, o álbum é denso: piano e sintetizadores eletrônicos destacam-se numa atmosfera dançando entre o fúnebre e a balada. Claro que cada música enfatiza um ou outro, mas há uma mistura razoavelmente equilibrada (o que, podemos induzir, reforça a contraditoriedade da obra). Devemos ressaltar, neste ponto, a faixa All of the lights, cuja textura foi produzida com os vocais de doze grandes artistas, entre eles Elton John, Fergie, Alicia Keys e John Legend. O propósito era justamente criar uma sensação musical única, com várias camadas compostas por grandes vozes da história da música.
As faixas são unanimemente grandiosas, o que torna destaques especialmente difíceis. Sugiro, para abordar as faixas mais acessíveis, num primeiro momento, os singles até agora lançados pelo álbum: Power, Runaway, Monster e All of the lights, mas Hell of a life, Dark fantasy e Lost in the world também merecem destaque.
Estou ciente que, por ser um álbum de hip hop com raps pesados e carregados de palavrões, talvez não apeteça todos os ouvintes, mas peço, neste caso específico, àqueles que se disporem, que tentem abrir uma exceção, ao menos para conhecer o lado profundo e mais analítico deste estilo musical, tão bem desenhado por Kanye West.

Título: My Beautiful Dark Twisted Fantasy
Artista: Kanye West
Lançamento: 22/11/2010
Gravadora: Roc-A-Fella, Def Jam
Produtores: Kanye West, Jeff Bhasker, DJ Frank E, Emile, Lex Luger, Mike Caren, Mike Dean, No I.D., The RZA e S1
Gênero: Hip hop
Faixas - Duração:

1. Dark fantasy - 4:40
2. Gorgeous - 5:57
3. Power - 4:52
4. All of the lights (Interlude) - 1:02
5. All of the lights - 4:59
6. Monster - 6:18
7. So appalled - 6:38
8. Devil in a new dress - 5:52
9. Runaway - 9:08
10. Hell of a life - 5:27
11. Blame game - 7:49
12. Lost in the world - 4:16
13. Who will survive in America - 1:38

Avaliação: Ótimo

domingo, 22 de maio de 2011

Ramo de outono

Você, minha flor de lótus,
Virou louva-a-deus
Que num trago, num susto,
Num pouso tão suave
Entornou-me a cabeça.
Eu vou girando, então,
Despetalado
Como asas de mariposa
Que lentas recaem no ar;
Girando num trago
Que bem-me-quer
Mal-me-quer;
Girando escaldado
No resto de vida
Em que passo a planar
Numa longa puxada de sopro
A lentamente matar.
Resto lento e pesaroso
Em duas finas asas
Que chegando ao solo
Perder-se-ão entre folhas secas
E mais duas no tapete
Tornar-se-ão.

segunda-feira, 16 de maio de 2011

A educação como processo

Venho de algumas leituras sobre a questão do livro "Por Uma Vida Melhor", de autoria de Heloísa Ramos, e sua distribuição pelo Ministério da Educação como material didático em escolas públicas. Destaco, antes de qualquer coisa, as opiniões de dois autores com mais competência para discorrer sobre o assunto: contra a utilização da obra na rede de ensino, recomendo o texto de Carlos Alberto Sardenberg, pelo jornal "O Estado de São Paulo" (www.estadao.com.br), sob o título "Se pelo menos ensinassem Português"; para uma outra visão, ha um artigo de Hélio Schwartsman, colunista da "Folha de São Paulo" (www.folha.uol.com.br), entitulado "Uma defesa do 'erro' de português".
A polêmica gira em torno da seguinte questão: o livro defende frases coloquiais consideradas erradas pela norma culta, como "nós pega o peixe", para citar o exemplo mais famoso da obra. A ideia é que, seguindo a abordagem da teoria linguística, não existe certo e errado na hora de falar; a língua culta seria, afinal de contas, uma padronização de preceitos que não representam nada além de escolhas relativas feitas por determinadas pessoas.
Devo esclarecer logo de início que sou contra a utilização deste material para o ensino de crianças, mas não por representar uma "condenação à pobreza", como disse Sardenberg, ou mesmo por discordar da teoria defendida por Heloísa Ramos - pelo contrário: acho corretíssima. Acho, sim, equivocado ensinar um conceito filosófico extremamente abstrato da compreensão da língua a crianças, ainda mais num ambiente que propõe-se a outros méritos.
Não acho que infantes são incapazes de compreender a diferença entre língua culta e coloquial, mas misturá-las no ambiente daquela não é uma abordagem apropriada. A coloquialidade, afinal de contas, é apreendida no meio social: não precisamos aprender na escola termos e frases intrínsecas ao nosso cotidiano familiar e regional para reproduzí-las. É interessante, inclusive, indicar às crianças as diferenças entre as duas, e talvez até as circunstâncias em que a estrutura normativa formal da fala deve ser aplicada (como em entrevistas para empregos, discursos públicos, redações, etc), mas dizer que não existe certo e errado na língua pode gerar uma grande confusão na hora de utilizar esta língua culta. Afinal, é necessário demarcar os espaços de cada uma: o formalismo no universo institucional e o coloquialismo no cotidiano.
Quanto ao mérito de ser a compreensão filosófica "mais correta" da linguagem nos dias atuais, devemos ressaltar que a teoria linguística é um tema de profunda complexidade, tal qual o é, cada um em sua área, o relativismo matemático e a física quântica. O fato de serem as melhores formas de abordar o real funcionamento das ciências exatas não implicam na sua mais fácil compreensão. Não queremos ensinar, por exemplo, E=m.c² no primeiro ano do ensino fundamental.
O processo de aprendizado, por fim, parece-me construir-se numa cadeia lógica: primeiro aprendemos a regra dada como verdade absoluta (a gramática e a tabuada) e, conforme avançamos do ensino fundamental, ao médio, ao superior, aprofundamo-nos na relatividade destas regras. Não há uma falha mecânica do sistema filosófico da educação que seja grave o suficiente, a meu ver, para quebrarmos esta estrutura.

Update: Segundo uma reportagem da Carta Capital escrita por Lívia Perozim, sob o título "Falsa Questão", o livro tem por alvo os alunos do EJA - Educação de Jovens e Adultos. Sendo este o caso, creio que a utilização da obra pelo MEC faz perfeito sentido por tratar de questões pertinentes para um grupo de estudantes compatível com as discussões propostas.

domingo, 15 de maio de 2011

Poema ocioso

- Você vem?
- Não, vou ficar aqui mesmo.
- Ah... Fumando de novo?
- Deixa disso, mulher!
- Só acho que seria melhor...
- Eu sei o que faço.
- Então tá bem. Se precisar, tem um tupperware com os restos do almoço lá na geladeira, segunda prateleira.
- Certo.
- Um beijo.
- Beijo.
Saem os saltos pelo hall, bate a porta e a casa fica vazia. Estupendamente vazia.
E eu, que faço?

...

Acho que vou acender um cigarrinho.

sábado, 14 de maio de 2011

O PL 122 e suas questões

Resolvi fazer este post para esclarecer alguns pontos referentes ao Projeto de Lei 122, que pretende a criminalização da homofobia, equiparando o preconceito de orientação sexual e identidade de gênero aos de gênero, raça, cor, etnia, religião e procedência nacional. Os esclarecimentos referem-se, em especial, a alguns equívocos quanto ao propósito e as decorrências deste PL.
Em termos de constitucionalidade, a criminalização da homofobia não afeta, nem reprime, nem impede o acesso a direitos de outros segmentos da população que não os homossexuais. Este é um equívoco comum, baseado na concepção do universo jurídico numa abordagem linear: "os direitos de um acabam onde começam os direitos de outro"; esta afirmação é equivocada.
A compreensão jurídica das relações entre as diversas pessoas e seus respectivos direitos e deveres na sociedade é a de que, na verdade, temos um emaranhado de ligações no que poderia ser melhor descrito, apesar de não ser ainda a metáfora ideal, como uma teia de relações. Assim, os direitos interagem, coexistem e apenas em situações específicas colidem. Nestas situações de colisão, ocorre uma valoração dos direitos em questão, e os juristas tendem a defender um ou outro que considerem mais importante, ou que tenha sido "mais ferido" num determinado momento.
A verdade é que a colisão de direitos tais quais a liberdade de expressão e a dignidade da pessoa humana é rara; não obstante, normalmente alcança a instância máxima do sistema jurídico brasileiro (o Supremo Tribunal Federal) por ser considerada um embate entre direitos fundamentais sacramentados na Constituição Federal.
Esta colisão não ocorre na criminalização da homofobia. Ao contrário do que alguns acreditam, a liberdade de expressão religiosa não é afetada pelo PL 122. Na verdade, este projeto pretende a inclusão do preconceito de orientação sexual e identidade de gênero no mesmo rol que protege a própria liberdade religiosa. Assim, afirmações como "homossexualidade é pecado" não são consideradas homofóbicas. Crime, neste caso, seria fazer uma afirmação falsa que pretende-se científica mas não é, ou ainda visando fortalecer o estigma contra determinados segmentos da população, no caso, os homossexuais.
Os pontos que importam, enfim, são estes: o PL 122 (1) não restringe ou tira direitos de qualquer parcela da população em nome da defesa dos homossexuais; (2) é constitucional, com a intenção de proteger minorias, um dos fundamentos da doutrina jurídica e política do Estado laico; e (3) é necessário para coibir o preconceito. Não podemos nos esquecer que o Brasil é um dos líderes em crimes de natureza homofóbica, e é este o âmbito que a Lei pretende ajuizar.

sexta-feira, 13 de maio de 2011

Smother

Este, definitivamente, é um grande ano para a indústria musical. A produção está a mil, e os trabalhos superando-se um a um. O gênero mais próspero no momento é o pop alternativo; não é difícil imaginar esta situação, considerando que a expressão abarca a mais variada gama artística, indo desde Kanye West a Mika. A mais recente obra refinada de 2011 foi lançada pela banda de "dream pop" (uma das vertentes do alternativismo) britânica Wild Beasts, e intitula-se Smother. Dream pop significa exatamente o que se pretende: é um pop viajado, alucinógeno, mergulhado em seu próprio universo paralelo, e é precisamente isto que o Wild Beasts faz com seu novo álbum: imersa na simplicidade sonora da banda encontra-se uma profundidade de espírito incrível.
A verdade é que num primeiro momento o álbum é um pouco apático, e talvez até forçado: a combinação de instrumentos e vocais produz uma atmosfera melancólica bizarra, beirando o exagero. Mas, superadas as estranhezas, este clima encaixa-se perfeitamente no conceito do trabalho. Afinal, esta é a proposta da música contemporânea: ou resgata suas raízes, ou busca extremos inexplorados.
Smother é um álbum essencialmente uniforme: suas músicas quase encaixam-se umas nas outras conforme as faixas vão passando, apesar de ser notável um "clareamento" ou "enlevamento" no meio do caminho. Minha faixa preferida à priori foi Lion's share, mas todas são de ótima qualidade; destaco também Bed of nails, Deeper, Invisible e Reach a bit further.
Vale a pena ouvir, em especial para compreender melhor a estética musical que vem fazendo críticos declararem este um ótimo ano para a música.

Título: Smother
Artista: Wild Beasts
Lançamento: 09/05/2011
Gravadora: Domino
Produtor: Richard Formby, Wild Beasts
Gênero: Dream pop
Faixas - Duração:

1. Lion's share - 4:14
2. Bed of nails - 4:18
3. Deepr - 3:01
4. Loop the loop - 4:06
5. Plaything - 4:21
6. Invisible - 2:58
7. Albatross - 3:12
8. Reach a bit further - 3:36
9. Burning - 4:44
10. End come too soon - 7:32

Avaliação: Bom

A velha nova moda política americana

Saiu hoje um anúncio nos jornais de que o republicano Ron Paul já lançou-se como candidato prévio às eleições presidenciais de 2012 nos Estados Unidos. Ron é uma popular e pitoresca figura dentre os conservadores norte-americanos: ao mesmo tempo que é reconhecido como um dos mentores do Tea Party, o movimento da direita ultraconservadora norte-americana, é também lembrado por suas críticas ao governo Reagan, um republicano, durante a corrida presidencial americana de 1988. Verdade seja dita, na ocasião Paul concorria à presidência pelo desconhecido Partido Libertário, então é provável que suas acusações tivessem mais fundamento político que ideológico propriamente. Mas vamos ao que interessa.
O agora pré-candidato, em seu anúncio, revelou que sua pretensão ao cargo da presidência vem num momento em que acredita haver entre os americanos uma maior afinidade com suas visões políticas, especialmente no âmbito econômico, o que claramente deve ser recebido com alerta. Ron é um ávido defensor dos cortes tributários e redução do controle estatal sobre a economia, a velha fórmula neoliberal.
O problema é que estes moldes extremamente conservadores dos republicanos já deram suas caras num governo muito recente, ainda quente nas memórias, se não dos americanos, do restante do mundo. Sim, estou falando de George W. Bush. É importante lembrar que todas estas ideologias econômicas defendidas por Ron Paul e que, ao menos segundo o mesmo, estão na moda nos Estados Unidos, acabaram de causar, a meros três anos atrás, uma das maiores crises econômicas da história americana.
Não que o governo Obama esteja sendo lá muito bem sucedido em sua empreitada para "recuperar" a economia do país. Diga-se de passagem, seu pesado investimento estatal parece ter ficado emperrado no sistema. Mas é nítido, ou ao menos parece, que num momento ainda frágil para o sistema econômico americano, medidas neoliberais como as defendidas pelo partido Republicano e figuras como Ron Paul são extremamente periculosas, se não potencialmente desastrosas.
Só espero que os americanos lembrem-se disso em 2012.

terça-feira, 10 de maio de 2011

Bonjour, madame monde!

Da videira o vinho tinto
A embriagar-me os passos
De pés descalços na terra
Faz-me mais que nunca
Sentir o adubo
E deixar-lhe minhas pegadas
De vida quente
A ferver no solo macio
Que chama como mãe
De volta ao ventre
Para novamente germinar.

segunda-feira, 9 de maio de 2011

This Is Happening

Considerada uma das bandas mais importantes dos anos 2000, o LCD Soundsystem lançou ano passado seu mais recente, e possivelmente último, álbum, entitulado This Is Happening, que segue a linha tradicional de "electro-pop-rock" do grupo, num estilo musical melhor conhecido por "dance-punk". Como de praxe, suas músicas são extremamente cativantes, com batidas viciantes e letras diferenciadas por sua textura crítica.
É surpreendente notar que o álbum de apenas 9 faixas dura mais de uma hora, e mais notável ainda é o fato de que apesar da longanimidade de quase todas as músicas (a única com menos de cinco minutos é Drunk girls), o disco flui com naturalidade, e chega até mesmo a parecer que acabou cedo demais. Faixas como You wanted a hit com seus nove minutos de duração são tão incríveis que o ouvinte simplesmente não se sente obrigado a escutar uma música interminável, e sim preso em cada pequeno detalhe sonoro deste fascinante trabalho. É interessante notar que o conceito de estender faixas, ou, digamos, criá-las em extensão plena, contraria a noção de música comercial, na qual as rádios tomam composições já relativamente curtas, com cerca de 3 ou 4 minutos, e desmembram-nas para encaixar mais faixas em suas playlists. O propósito, ao que parece, do LCD Soundsystem com estas composições enormes é justamente ir contra o fluxo de comercialidade da música, forçando o ouvinte a atentar às peculiaridades dos instrumentos, vocais e sintetizadores.
Ademais, a estética geral do álbum, apesar de não fugir ao padrão dance-punk, é fluida e mutante, abarcando uma série de sonoridades diferentes a cada faixa. É claro que para os ouvidos menos "eletronizados" o álbum pode soar um pouco enjoativo por seus muitos sonzinhos metálicos, mas se este é o caso nem recomendo LCD Soundsystem, que tem um claro viés eletrônico. Destacam-se do conjunto Dance yrself clean, a faixa introdutória, I can change, cuja estética lembra o álbum Black Cherry, da banda Goldfrapp, You wanted a hit, que provavelmente é a melhor faixa do disco - uma longa epopeia musical que critica subliminarmente a cultura comercial do pop -, e Pow pow, com sua contemporaneidade dissertativa.
O LCD Soundsystem soa, afinal, como uma droga poderosa: quando você menos espera, está batendo o pé no ritmo de cada música, mergulhado em sua estética computadorizada de Século XXI. Talvez por isso mesmo a banda seja considerada por muitos a mais influente da atualidade: ela abarca em seu trabalho tudo que há de mais contemporâneo, e o faz com maestria.

Título: This Is Happening
Artista: LCD Soundsystem
Lançamento: 17/05/2010
Gravadora: DFA, Virgin
Produtor: DFA
Gênero: Dance-punk
Faixas - Duração:
1. Dance yrself clean - 8:56
2. Drunk girls - 3:42
3. One touch - 7:45
4. All I want - 6:41
5. I can change - 5:55
6. You wanted a hit - 9:06
7. Pow pow - 8:23
8. Sombody's calling me - 6:53
9. Home - 7:53

Avaliação: Bom

O Brasil e a união homoafetiva

Num dia histórico para a sociedade brasileira, o Supremo Tribunal Federal julgou procedentes as ações ajuizadas pela Procuradoria Geral da República e pelo governador do Rio de Janeiro, Sérgio Cabral, referentes à equiparação da união homoafetiva à união estável, numa decisão unânime embasada na defesa dos direitos fundamentais tanto expressos quanto implíticos na Constituição Federal de 1988, no que pode ser considerado uma grande vitória na luta pelos direitos humanos no Brasil.
Verdade seja dita, a decisão não vem como surpresa, nem novidade, como o ministro Celso de Mello ressaltou ao dar seu voto na sessão, e nem deveria: assegurar aos casais homossexuais direitos tão básicos quanto a pensão e o direito de visitação são algo que está intrínseco a qualquer Estado de direito, que tem como premissa a defesa de seus cidadãos, independente de raça, sexo ou credo. Julgo importante explicitar, neste sentido, pontos sustentados nas arguições dos ministros, indicativos de que, na verdade, não houve valoração de visões políticas discrepantes na sessão, e sim uma mera confirmação da constitucionalidade das ações.
O Estado tem por função primordial garantir a manutenção dos direitos fundamentais a seus cidadãos: dignidade da pessoa humana, liberdade, igualdade, entre tantos outros. Paralelamente há a valoração da família enquanto entidade básica da nação, e sua compreensão é fundamental para a assimilação dos tipos familiares protegidos pela Lei. Tradicionalmente no Brasil entende-se por família o organismo social baseado no casamento, entre um homem e uma mulher, e seus descendentes, porém a CF de 88 abarcou neste conceito as famílias na condição de união estável, onde não há vínculo civil formalmente expresso, mas há convivência matrimonial e, portanto, os direitos e deveres aplicam-se, e as famílias monoparentais, nas quais apenas um dos progenitores e seus respectivos descendentes são enquadrados. Para compreensão do tema, ateremo-nos às famílias na condição de união estável, às quais referem-se as ações propostas.
A compreensão da união estável vale-se do preceito de que a família tem geração espontânea, e que a instituição do casamento é incapaz de abarcar esta situação de facto. Neste sentido, os direitos e deveres impostos aos cônjuges matrimoniais estendem-se a todas as entidades familiares compostas por um casal com ou sem descendentes, independente do vínculo matrimonial. O objetivo desta instituição é justamenet assegurar a manutenção dos direitos de todos os cidadãos membros de um núcleo familiar.
Neste sentido, seria inconstitucional ignorar uma nova entidade familiar, como defendeu o ministro Ricardo Lewandowski, de geração espontânea e factível, e, pior ainda, impedir-lhe o acesso a direitos básicos assegurados no Estado de direito.
É imperativo ressaltar exatamente este ponto: a família gera-se espontaneamente na sociedade, e não cabe ao Estado impor a seus cidadãos uma estrutura familiar que lhe pareça "mais apropriada" através de um mero juízo moral da questão.
Para esclarecer ainda um ponto que possa parecer obscuro na discussão, a Lei versa também sobre o concubinato (o caso da amante), numa disposição jurídica diferente, que não vem ao caso debater. Também temos uma estrutura familiar que não é reconhecida no direito brasileiro, nem na maioria dos sistemas normativos ocidentais: a poligamia. Esta entidade específica tem decorrências jurídicas que a tornam desinteressante, digamos, para os Estados ocidentais. É claro, contudo, que este é um debate totalemente diferente, e ressalvei-o neste parágrafo somente para função de diferenciação.
Além disso, o Estado presta-se à defesa das minorias frente à maioria nacional, o que significa defender os interesses dos segmentos mais marginalizados da sociedade em nome da manutenção de uma sociedade plural mais igualitária e justa.
A união homoafetiva, por fim, é claramente uma entidade familiar espontânea e que de fato já existe na sociedade brasileira. Assim, como ressaltou a ministra Carmen Lucia, "o direito existe para a vida, não é a vida que existe para o direito. Contra todas as formas de preconceito, há a Constituição Federal", e portanto o STF viu-se obrigado a, na condição de Corte Suprema do Brasil, proteger os direitos daqueles indivíduos que enquadram-se numa estrutura familiar como outra qualquer. A equiparação da união entre homossexuais à união estável enquadrada na lei é, em essência, uma mera manutenção da legalidade e dos princípios fundamentais dos direitos humanos.
Claro que, como ávido defensor dos direitos da comunidade LGBTT (Lésbicas, Gays, Bissexuais, Transexuais e Travestis, no mais recente formato da sigla), creio não estar encerrada a luta pela igualdade de direitos deste segmento social. O reconhecimento do casamento gay é imperativo neste sentido, por uma simples questão: a união estável garante aos casais, tanto homossexuais quanto heterossexuais, um rol de direitos praticamente tão extensos quanto aqueles do casamento, mas não confere, e o seguinte no caso específico dos homossexuais, o direito a uma declaração taxativa de desejo de contrair uma relação familiar tal qual o casamento é. Os pareceres do STF referentes à união estável entre um homem e uma mulher deixam claro que esta instituição serve para corrigir e favorecer o desenvolvimento de uma relação de afeto em casamento. Porém, o casamento gay ainda é proibido (ou melhor, não é expressamente permitido), o que impede que o direito a liberdade e publicidade das uniões homoafetivas seja plenamente firmado, sem contar que ainda gera uma relativa turbulência jurídica.
Ora, desde o Século XIX no Brasil, e desde os pensadores Iluministas numa abordagem global, o casamento é uma instituição pura e plenamente civil, isto é, Estatal. Assim, não há motivo para a vedação do casamento gay. Mas isto já são outros quinhentos, e, por enquanto, podemos apenas comemorar esta grande vitória que não só reafirmou a proteção das minorias, mas enquadrou o Brasil num grupo seleto de países que com a manutenção dos direitos dos casais homoafetivos pode de fato ser considerado de vanguarda jurídica e política.