terça-feira, 28 de junho de 2011

Este portarretrato

Vamos combinar umas simples regras:
Eu sentirei tudo aquilo que o espaço entre o céu e a terra permitir
E vós sereis os retratos de óleo que pingarão em minha parede.
E desta parede farei um mundaréu de tintas
Escorrendo por entre as fissuras da borda,
Por cima da borda, tanto faz,
Que inundarão meu pequeno quarto
Misturando-se imprecisas no chão
Tornando-o uma piscina de cores gordurosas
A confundirem e desentenderem-se
Até que enfim cheguem à negridão de um profundo quarto repleto
E cessem seu movimento.

segunda-feira, 27 de junho de 2011

Questões de ateísmo

Ok, vamos lá, mais um texto sobre ateísmo. Eu sei que a grande maioria das pessoas que lê qualquer coisa postada aqui é teísta, e discorda dos meus pontos de vista, ou ao menos tira conclusões diferentes à partir de argumentos similares, mas justamente por isso acho que devo alguns esclarecimentos sobre minhas crenças e descrenças, em especial acerca de questões que foram levantadas quando debatia com conhecidos.
O que vou abordar neste post são pontos que nascem da minha perspectiva ateia da vida: não estou dizendo que minhas análises estão corretas, nem muito menos que elas são a mais absoluta verdade. Aliás, creio que convicções religiosas (ou "arreligiosas") são virtualmente inabaláveis, portanto já digo de antemão que não pretendo "converter" ninguém, e sei que com quase toda certeza não teria sucesso se este fosse meu objetivo; para um vislumbre sobre temas relacionados a isto, visite o post "O ateu dogmático". Pretendo aqui tratar exclusivamente de algumas dúvidas expressas por teístas sobre ateus.

1. O bem e o mal
Para o ateísmo, não há entidades sobrenaturais capazes de direcionar o desenvolvimento (apesar de eu não gostar da palavra) da humanidade nem, afinal, de todo o Universo. Isto significa que ateus não acreditam em Deus, mas, e isto deveria estar implícito, também não acreditam no Diabo. Há uma enorme confusão quanto à diferença entre ateus e satanistas; estes últimos poderiam aproximar-se da definição de "adoradores" do Diabo frequentemente empregada aos ateus. Não quero com isso repassar o ódio aos ateus para os satanistas; aliás, entendo pouco de satanismo, e não recomendo que se façam conclusões sobre esta religião sem pesquisa e estudo acerca do tema. Enfim, a ideia é que não existiria a concepção maniqueísta do Bem e do Mal expressamente separados, representados por figuras deísticas distintas. Não acreditar nesta caracterização, contudo, não significa afirmar a inexistência do certo e o errado - esta distinção, na verdade, independe da religião, e adentra a questão da moralidade. Ateus seguem, sim, uma determinada moral, cujas propriedades transcendem as divindades, ao contrário do que muitos acreditam. Aliás, a moral correlaciona-se a uma série de fatores, como cultura, filosofia, família, dentre os quais está inserida a religião. Isso significa que a noção de certo e errado, ou melhor, uma noção de certo e errado, existe em todo indivíduo. A acusação de que um mundo sem Deus seria um mundo de anarquia moral não só é totalmente falsa como também absurda.

2. O invisível
Partimos, então, para outra dúvida: ateus não acreditam em algo que não possam ver? Ou ainda, ateus não acreditam no invisível? Bem, aí temos que fazer uma clara distinção entre invisível sobrenatural e invisível natural. Deus(es), Diabo, anjos, demônios, espíritos, fantasmas e afins, ou seja, as figuras espirituais que de acordo com deístas influenciam o universo de formas sobrenaturais, não existem para o ateísmo. Por outro lado a consciência, os pensamentos, os sentimentos, a psique e outras abstrações da humanidade, sim. Por exemplo, um ateu não teria problemas, exceto de corrente filosófica, em acreditar no Mundo das Ideias de Platão. Pode discordar da visão platônica da existência humana, e preferir, por exemplo, a filosofia aristotélica mais pragmática, mas não tem dificuldade em aceitar a existência de coisas que não vemos.

3. Evolucionismo e ateísmo
Agora uma questão que diz respeito, de certa forma, ao universo científico: a relação entre evolucionismo e ateísmo. Na verdade, este ponto suscita inúmeros questionamentos, mas tentarei ater-me apenas aos assuntos que geram confusão quanto à absorção ética e argumentativa da evolução pelo ateísmo. Peço perdão pela rispidez com que tratarei este tópico em alguns momentos, mas isso se faz necessário, considerando que há inúmeros mitos e inobservâncias científicas feitas em relação à evolução. A análise mais aprofundada delas, contudo, ficará para outro post. Vamos então aos fatos:
a. O ateísmo não é responsável pelo nascimento da teoria evolutiva, e em nada se relaciona a ela. Na verdade, há evolucionistas monoteístas, politeístas, panteístas e ateístas.
b. O evolucionismo é fato. Não há evidências de sua inveracidade; pelo contrário, há infinitas provas de sua corretude científica. Não há, em termos de evolucionismo, espaço para crer ou não crer.
Esclarecidos esses pontos (e eu sei que o ponto 'b' é polêmico, mas como eu disse essa discussão fica para um outro post), vamos aos equívocos. Não há, da parte de nenhum ateu, nem de nenhum cientista, a menor intenção de doutrinar a humanidade acerca da existência ou não de Deus com base na evolução - estas são questões totalmente independentes. A ciência não é feita de crenças e achismos, ela trabalha com fatos, evidências e teorias. Se você prefere "acreditar" numa "teoria" sem evidências, é problema seu (sim, estou referindo-me ao criacionismo), mas a verdade é que ciência e religião não se confundem. Além disso, evolucionismo e neodarwinismo não são exatamente a mesma coisa: o neodarwinismo é uma teoria, que até agora não foi contestada com propriedade, que trata da evolução - esta, por sua vez, um fato.
Outro ponto importante neste tópico é a diferenciação entre evolucionismo, origem da vida e origem do universo. As pessoas costumam confundir estas três coisas, achando que tratam-se da mesma coisa, o que não é verdade. O evolucionismo trata de características da vida, e como ela se transforma em seu próprio decorrer, nada mais. A origem da vida é um tópico concernente, em especial, à bioquímica, e apenas apodera-se de alguns atributos do evolucionismo para suas teorizações. Já a origem do universo diz respeito à física quântica e a astronomia. Nestas duas últimas áreas temos uma multiplicidade de teorias, apesar de algumas dominantes, com fortes argumentos favoráveis e outros contrários. Aqui há espaço para contestação, desde que ela seja, e isto deve ficar frisado, científica.

4. Ódio a Deus
Por fim, e esta não exatamente uma dúvida, e sim uma convicção ilógica: a impressão que ateus odeiam Deus. Esta é, com o perdão do ar ridicularizante, uma afirmação irrisória. Podemos, neste sentido, citar o filósofo francês Jean-Paul Sartre, que fala de um "existencialismo ateu". Para ele, a questão da existência ou não de Deus é despresível; o fundamental seria entender-se e compreender os limites e problemas impostos pelo ser humano a si mesmo. Para aprofundarmo-nos ainda mais nesta questão, podemos lembrar que a filosofia ateísta cita duas formas distintas de ateísmo: aquele nascido sem ciência de um deus, e portanto desconhecedor de sua existência (o que eu tendo a considerar uma espécie de ateísmo ideal, já que num mundo profundamente dominado por religiões a chance de não entrar em contato com divindades é praticamente nula; entretanto, ele é sim possível, por isso não faço uma distinção objetiva entre ateísmo ideal e real), e aquele necessitado do que religiões chamariam "leap of faith", "salto de fé", em tradução livre, algo como uma declaração de descrença de um determinado indivíduo. Ao contrário do que pensam alguns, contudo, este processo não está, nem de longe, obrigatoriamente atrelado a uma decepção religiosa. Daqui, então, surgem argumentos ofensivos como "não existe ateu na morte iminente" e "ateus são só pessoas decepcionadas com Deus". Honestamente, creio serem estas declarações absurdas de pessoas que não compreendem o ateísmo e, aparentemente, nem fazem questão de compreendê-lo.

Estes quatro pontos foram os que mais saltaram-me aos ouvidos em debates recentes com teístas, ou que mais observei em declarações aleatórias feitas principalmente na internet. Espero ter esclarecido tais pontos para evitar confusões posteriores. Em caso de mais dúvidas sobre o assunto, comentários aqui mesmo, no blog, são sempre bem-vindos.

sábado, 25 de junho de 2011

10 músicas "underground" obrigatórias de Madonna

Ok, pra falar a verdade, esta seleção não é tão "underground"; na verdade, todas as músicas listadas aqui fizeram bastante sucesso, cada qual em seu tempo, e eu, como fã, tenho dificuldade em descrevê-las assim. Mas é só pra ficar claro que não estou incluindo nesta lista as Vogues, Like a prayers, Hung ups, e tantos outros sucessos gigantescos de que todo mundo lembra até hoje. Agora, se você, meu caro leitor, nem sabe quais são esses hits, não devia nem estar lendo este post; vá aprender "madonnês" antes de qualquer outra coisa.
Se você já conhece estas músicas que eu estou apresentando aqui, parabéns: você já está um passo mais próximo de ser um entendido em Madonna. O degrau seguinte é, se você se interessar por isso, baixar os álbums completos, um a um. Se não quiser também, tudo bem: não é todo mundo que tem paciência pra conhecer toda a discografia de um artista, ainda mais de um com quase 30 anos de carreira.
Outro detalhe: excluí dessa lista faixas do século XXI, como What it feels like for a girl e Hollywood, porque presumo que por serem recentes as pessoas ao menos já ouviram falar delas. Ademais, eu sei que provavelmente deixei de fora uma ou outra música que seriam dignas de entrar na lista, mas ficaria difícil incluir tantos clássicos numa lista com 10 faixas.
Ah, e desculpem por não postar o link do video de cada música no Youtube, é que eu sou péssimo para lidar com esse universo da internet! Mas eu garanto que se você jogar na busca do Youtube o nome da música + Madonna, achará todos os videoclipes. Sem mais, vamos lá!

10. I'll remember (1994)
Lançada como parte da trilha sonora do filme "Com Mérito" (With Honors, 1994), fez muito sucesso nas paradas do mundo inteiro, e foi aclamada como a ressurreição de Madonna após os fracassos de venda e crítica de seus trabalhos anteriores, o álbum Erotica e o livro Sex. A música fala de um relacionamento que morreu, tratando-o com carinho e compreensão apesar do término. Passa um clima doce e suave, transbordando uma sensação de calma imersa em superação. No clipe, Madonna aparece com os cabelos pretos e bem curtos, gravando a música num estúdio diante de um telão que exibe cenas do filme "Com Mérito".

9. Everybody (1982)
A primeira música gravada e lançada pela popstar, o que a faz um must-hear da cronologia madônnica. Tem uma pegada bem club-punk do início dos anos 1980, universo musical no qual Madonna se inspirou para criar seu visual, e do qual emergiu como estrela. Dizem as más línguas que ela não passava de uma plagiadora que absorveu as influências das boates do universo punk que frequentava. No vídeo, vemos a cantora usando roupas características desse estilo, dançando no que parece ser uma discoteca underground. A música foi um grande sucesso nas boates americanas, apesar de não ter tido o apelo comercial que tiveram os singles posteriores deste álbum de estreia (o autointitulado Madonna), como Holliday, Borderline e Lucky Star.

8. Secret (1994)
Primeiro single do álbum Bedtime Stories, de 1994. Como sempre, Madonna estava explorando mundos musicais diferentes dos que ela estava acostumada. Aqui, ela mergulhou no universo do R&B, trabalhando com produtores de estrelas em ascensão (como Mariah Carey) para renovar sua imagem e aproximar-se novamente do grande público. Por isso, Madonna foi um pouco criticada: ela sempre fora conhecida pela renovação e vanguardismo. Por outro lado, recebeu elogios por produzir um trabalho mais consistente e "menos explícito" que Erotica. O que também chama atenção em Secret é o fato de ter sido a primeira música lançada pela cantora para download na internet.

7. Rain (1993)
Uma música de libertação, mas não como uma I will survive, de Gloria Gaynor, ou mesmo uma Sorry, da própria Madonna. Ao invés disso, fala de uma libertação através do amor, e de forma sutil e suave. Considerada por alguns uma das melhores faixas do álbum Erotica, foge da estética sexual do álbum, o que justamente a torna tão especial. O clipe foi inspirado no diretor japonês Ryuichi Sakamoto, absorvendo seu estilo ao recriar uma sensação de fundo de palco. Seu lançamento como single foi recebido por muitos fãs como um brinde amoroso de Madonna, já que não se esperava o lançamento de mais nenhum single deste álbum (depois de Rain, veio ainda Bye bye baby).

6. True blue (1986)
Faixa-título do álbum True Blue, lançado no mesmo ano, acabou ficando esquecida na história, depois de concorrer por atenção com grandes clássicos do mesmo disco, como Open your heart, La isla bonita e Papa don't preach. É uma bela canção ao estilo anos 80 que retrata um amor jovial e inocente, com metáforas e comparações infantis (como por exemplo no refrão, "true blue, baby, I love you"). No clipe, a coreografia simples e o fundo quase constantemente azul (quando não um pôr-do-sol) reforçam esta sensação. Não obstante, é uma música extremamente marcante e muito pegajosa: cuidado, pois ela muito provavelmente irá grudar na cabeça!

5. Cherish (1989)
Do álbum Like A Prayer, uma das músicas mais românticas do álbum. Aliás, "a" música romântica do álbum. Fala do amor através dos fatos apreciáveis de um relacionamento. Assim como True blue, possui um clima alegre e jovial. Seu lançamento reflete bem o dinamismo lírico de Madonna neste período: de religião e sexo (com o single Like a prayer) ela foi a feminismo (Express yourself) e depois amor, com Cherish. O video foi gravado em Malibu, e traz Madonna na praia, brincando no mar com sereias e "sereios".

4. The power of goodbye (1998)
Uma das mais belas músicas já produzidas por Madonna, na minha humilde opinião. Trata-se do terceiro single do álbum Ray Of Light, considerado uma das obras-primas da cantora, ao lado de Like A Prayer, de 1989. A música mistura instrumentos de corda com um fundo eletrônico, e busca uma sensação de melancolia, enquanto mergulha numa profunda auto-reflexão após o fim de um relacionamento (há quem diga que a música foi escrita para o ator Sean Penn, com quem Madonna foi casada nos anos 1980). O clipe é uma verdadeira obra de arte: remete a inúmeros clássicos do cinema, buscando inspiração em nomes como Steve McQueen, Faye Dunaway e Joan Crawford; no video, o relacionamento é tratado como um jogo de xadrez, ao mesmo tempo em que há uma tentativa de fugir do tabuleiro. O elemento da água é muito forte no trabalho, que termina com Madonna na praia.

3. Live to tell (1986)
Esta é um grande clássico, na verdade; uma das músicas de maior sucesso de Madonna, e o primeiro single do álbum True Blue. Uma reflexão sobre traição e desconfiança, que ao mesmo tempo remete a medos de infância. O lançamento desta música representou um dos momentos cruciais da carreira da cantora, pois este foi o primeiro álbum em que Madonna envolveu-se na produção e composição das faixas, o que viria a se tornar marca registrada em todas suas obras posteriores. É uma pena que as pessoas se lembrem tão pouco desta canção.

2. Deeper and deeper (1992)
Definir a primeira e segunda colocadas foi bem difícil, já que, de certa forma eu acho que elas deviam compartilhar essas posições, mas vamos lá. Em segundo lugar, ponho a faixa mais dançante do álbum Erotica. Foi muito comparada com Vogue por ter uma pegada extremamente disco e dance-pop. Dentro do disco de 1992, realmente é a faixa que melhor remete aos "velhos tempos" de Madonna, e por isso foi muito elogiada. A música é realmente ótima, mas o que provavelmente mais se destaca é seu vídeo, uma absoluta ode ao artista Andy Warhol, incorporando inúmeros elementos de seus filmes na produção. É a expressão máxima do "underground madônnico", em minha opinião, por aliar referências artísticas fortes, decadência comercial e sucesso nas boates alternativas.

1. Take a bow (1994)
Segundo single do álbum Bedtime Stories, e maior sucesso deste. Take a bow, na verdade, é muito bem conhecida. Assim que ouvi-la, você provavelmente lembrará de alguma coisa dela, desenterrando-a nas profundezas da sua memória. Acho que ela é digna do primeiro lugar justamente por isso: é uma música do rol de gigantescos sucessos de Madonna, mas, por mais que as pessoas lembrem-se dela, não pensam imediatamente nela quando ouvem o nome "Madonna".
A música em si funde estilos orientais e latinos, e, mais uma vez, trata de um fim de relacionamento. Sua composição tem um ar quase místico, intangível, que atrai para si um estado de beleza inebriante, tornando-a um verdadeiro clássico. O clipe gira em torno da relação de Madonna com um toureiro, e compara a tourada, entre o duelo e o fim dramático para o touro, com seu amor desenganado. Além disso, ele me lembra, e talvez isso seja só comigo, o filme "Fale Com Ela" (Habla con ella, 2002) de Pedro Almodóvar, apesar de ter sido gravado muito antes que o longa-metragem. Enfim, esta música é um clássico digno de ser rememorado.

sexta-feira, 24 de junho de 2011

Angústia

O mundo cabe
Num tubo de luneta
Onde vou profundo voar
Na distância de um tudo
A nunca pousar.
O mundo gira confuso
Como se um ofegante luar
Cuja luz recai sobre a terra
Mas como astro nada mais faz
Se não pairar.
O mundo sou eu,
Esse telescópio lunar,
Que fala do amor pela terra
Mas não sabe como nela ficar.

quarta-feira, 22 de junho de 2011

Orgulhos e orgulhos

Se você observar os Trending Topics (os assuntos mais recorrentes) do twitter brasileiro nesta quarta-feira, 22 de Junho de 2011, verá que está em pauta o "Orgulho Hetero". Se resolver ir mais fundo e ler o que as pessoas estão falando a respeito, verá pessoas revoltadas pela falta de uma "Parada Hetero", pessoas fazendo piada e outras criticando o "politicamente correto" que as proíbe de manifestar este orgulho.
Veja bem, não há nada de errado em ter orgulho de ser hetero. Pelo contrário, é legal que as pessoas tomem a iniciativa da discussão da orientação sexual, independente de como esta discussão se dá. O que parece faltar é uma compreensão melhor do que significa "orgulho gay", ou pelo menos o que a expressão representa.
A introdução do assunto será com uma comparação para a qual muita gente torce o nariz: o antissemitismo. A conscientização acerca deste tipo de preconceito deu-se diante de uma situação fática: o extermínio de judeus nos campos de concentração nazista. Estes entre tantos outros - ciganos, eslavos, comunistas e, pasmem, homossexuais - de uma extensa lista de "raças inferiores" e "seres degenerados". Os judeus, no entanto, foram o povo que ficou mais profundamente marcado na história ao final deste triste episódio. A humanidade então começou a tomar providências para lidar com o preconceito, tanto no âmbito político-jurídico quanto no espaço da ética e da moral: falar mau de judeus passou a ser sinônimo de algo errado para a comunidade, algo que deve ser reprimido e rejeitado.
Mas não é de se negar que, mesmo com toda essa lógica anti-intolerante da sociedade, ainda hoje há preconceito, inclusive contra os judeus. Este se dá, de uma forma geral, contra as minorias: qualquer grupo de pessoas que não se encaixe na maioria (no caso do ocidente, os cristãos brancos, em geral) por causa de sua religião, procedência nacional, aparência física, gênero sexual, orientação sexual ou qualquer outro critério que você queira encaixar na amostragem para diferenciar indivíduos dos demais.
Uma das formas mais tradicionais de combater este preconceito é fortalecendo a imagem do respectivo grupo minoritário, afirmando a identidade dos indivíduos através de estereótipos (sim, estereótipos nem sempre significam coisa ruim). Ressaltam-se, então, os valores da comunidade judaica, a beleza e força da "raça" negra e o orgulho dos homossexuais de serem o que são; e aqui chegamos no ponto que queríamos alcançar.
O orgulho gay é, antes de tudo, uma maneira que a comunidade LGBTT encontrou de identificar-se, de declarar sua existência para o mundo diferenciando-se estereotipadamente da maioria. Por isso há Paradas de Orgulho Gay espalhadas por todo o mundo! Esse tipo de valoração é exclusivo de minorias, por mais que a maioria reclame. Não que isso seja ruim para a maioria: uma nação é composta por pessoas dos mais variados tipos; o povo, como um todo, é diversificado. Somente quando focamos num grupo conseguimos concluir características específicas para diferenciá-lo.
Por isso, não há nada de errado num orgulho hetero: ele inclusive ajuda a realçar as diferenças entre os homossexuais e os heterossexuais. Contudo, ele não possui a carga ideológica, vital para a proteção das minorias, que o orgulho gay tem. Querem fazer uma parada do orgulho hetero? Que façam! A questão é que um movimento desses seria carente de sentido, de propósito: não há uma identidade heterossexual uníssona que precise ser protegida.

segunda-feira, 20 de junho de 2011

Um Pará dividido

Foi aprovado pelo Congresso Nacional o plebiscito que definirá o futuro do estado do Pará: se permanecerá unido ou será desmembrado para a criação de Tapajós e Carajás. Os argumentos dos favoráveis a esta cisão são em geral bem fracos: dizem respeito à falta de identidade cultural e econômica das três regiões do atual Pará e alegam ser mais fácil administrar entidades federadas menores, afirmando, por exemplo, que há municípios no estado nortista maiores que países europeus inteiros.
Segundo especialistas, contudo, não há outro propósito nisto senão acomodar classes políticas, gerando novos cargos públicos tanto em secretarias quanto no próprio Congresso Nacional (os representantes do atual Pará iriam de 17 a pelo menos 24 na Câmara dos deputados e de 3 a 9 no Senado). Em se tratando de administração, é claro que a simples divisão de um estado em três não gerará mais arrecadação de tributos. Aliás, muito pelo contrário: Tapajós e Carajás nascerão endividados, e assim permanecerão por um bom tempo até conseguirem quitar a criação de toda uma estrutura estatal nova. Ou melhor, duas estruturas estatais novas! Pior - isso tudo se dará com recursos federais, indo na contramão da política de contenção de gastos pregada no governo Dilma.
E quanto aos argumentos dos "separatistas" (para usar um termo radical)? Bem, como disse o cientista político Marco Antonio Teixeira, da PUC, “se Estado pequeno funcionasse melhor, Alagoas ou Sergipe estariam por certo em ótima situação”. Os problemas do Pará pouco têm a ver com o tamanho do estado - o que soa como uma estranha análise imperialista baseada no "espaço vital" às avessas - ou suas disparidades culturais e econômicas. As dificuldades giram em torno da infraestrutura precária, o que não se resolve com a construção de novas secretarias e sedes de governo, como ressaltou o professor de estudos sócio políticos econômicos brasileiros da ESPM, Leonardo Trevisan. A grande distância da capital, um dos fatores dos quais os prefeitos das regiões longínquas do estado mais reclamam, não é tanto um problema por causa da grandeza do estado em si, mas pela falta de sistemas rodoviário e hidroviário que correspondam às necessidades da população.
Aliás, este é um outro ponto delicado: em que a divisão do Pará favorecerá seu próprio povo? Segundo boa parte dos especialistas, os benefícios são nulos. E este é, afinal de contas, o ponto fundamental. Parece que a mudança procura favorecer apenas elites econômicas e políticas locais que lucrariam, quer em dinheiro, quer em poder, com a partilha. O preço da madeira em Tapajós, por exemplo, sofreria flutuações, segundo Trevisan. Além disso, num estado já intensamente dominado pela violência rural, não parece sensato diluir o poder entre caciques políticos ruralistas. Segundo apurou a Folha de São Paulo, 98% dos homicídios no Pará acabam em investigações inconclusivas, e este é só um dos estudos que trata da criminalidade neste estado, sempre atrelada a questões como fronteira agrícola e conflito entre indígenas e fazendeiros.
O resumo da ópera é que não há motivo minimamente positivo na criação de Carajás e Tapajós. Entre enormes gastos, pouco resultado e falta de benefícios para a população, fica a sensação de um espetáculo de politicagem que espera sua consumação. Não há nada que prometa alegrias para o contribuinte brasileiro, que terá de arcar com este elefante branco, ou o cidadão paraense, cujas necessidades não serão atendidas.

terça-feira, 14 de junho de 2011

Vamos, então, falar (mal) de políticos

Outro dia envolvi-me, acidentalmente, numa discussão sobre a política no Brasil. O assunto era geologia e os recentes desastres naturais registrados no planeta relacionados ao tectonismo. Comentei que me sentia feliz por morar num país majoritariamente livre desse tipo de problema específico, e imaginem minha surpresa ao ser reprovado por estar "contente" com a realidade brasileira. A condenação, por mais logicamente amorfa que pareça, referia-se ao momentum político nacional: é triste viver numa terra de "pessoas inativas e políticos que são piores que terremotos", para citar literalmente a resposta.
Imagino que compreendam o quão acidental foi meu tropeço sobre esta questão, já que falávamos geologicamente e, de súbito, revertemos a discussão para a "roubalheira nacional". Honestamente quase não sei explicar como chegamos a este assunto. Quase. Na verdade, esta visão sob a qual fenômenos tão díspares quanto placas tectônicas e partidos políticos podem ser tão intimamente tratados não me surpreende; parece que nós, brasileiros, adoramos falar de política, puxando-a por intermédio de qualquer subterfúgio encontrado no caminho.
Bem, sejamos honestos: preferimos falar de políticos - esses coronéis latifundiários engravatados de Brasília, que desviam verbas da construção de escolas e hospitais para administrar seus canaviais na fronteira do desmate amazônico. Não entendam mal a ironia, sei que há figuras do tipo no país (não necessariamente com todas estas características num só "caudilho mau", mas dá para entender a ideia), e também os desprezo; mas entre criticar os corruptos e descrever a classe política como um covil de ladrões há muitos passos.
Acredito ser mais empírico dizer que atacamos aquilo que os franceses chamam La Politique. Há, na França, uma clara diferenciação entre essa, que significa as interações entre partidos e o jogo de poder entre indivíduos e instituições, e Le Politique, cujo significado, embora vago e ainda sem acordo entre os principais teóricos políticos, remete a uma ação nacional ou Estatal em prol da comunidade, ou seja, políticas públicas referentes ao dia a dia da administração de um Estado. É fato que criticamos também Le Politique, e isso está relacionado a La Politique, como veremos adiante.
Precisamos ser claros: criticar as autoridades não é errado, muito pelo contrário - acarreta várias vezes na transformação do ambiente político e é um saudável exercício de cidadania, vital para a democracia moderna. O problema surge quando criticamos todo o universo político simplesmente por criticar e, pior, sem necessariamente saber a natureza ou o motivo da crítica. Aparecem, então, generalizações obtusas, que vão desde "político é ladrão" até absurdos "temos de matar os políticos", como se exterminar os representantes da sociedade (bem ou mal, o povo votou neles) fosse produzir algum bem milagroso para a nação.
Boa parte deste raciocínio está baseado no equívoco do "outro": quem faz a besteira de eleger um deputado ladrão nunca sou eu, é sempre "o brasileiro". É meu irmão? Não. Meu primo? Não. Meu vizinho? Também não. É simples e genericamente o indivíduo nacional incompetente que não sabe votar e não se interessa pela vida política ativa. Criamos uma categoria abstrata de cidadão: aquele que não se vê (que provavelmente vive na favela, afinal, é um ignorante), mas está constantemente estragando nossas vidas com seu voto deficiente.
Este tipo de alegoria a um "brasileiro" obscuro é constantemente conclamada, mesmo já tendo sido rejeitada pela ciência política, que indica numa clara racionalidade por parte do eleitorado na hora de escolher seus representantes. E isto não se refere exclusivamente às classes alta ou média, mas também às mais baixas.
Ademais, este ódio à classe política não é exclusividade brasileira. Na verdade, a ciência política estuda um fenômeno global chamado "crise da representatividade", que indica uma insatisfação generalizada com as classes políticas. Este descontentamento tem como causa primordial a desconfiança social em relação aos atores políticos, produzida pela não-eficácia executiva e legislativa destes. É importante realçar neste ponto que não-eficácia não significa necessariamente roubalheira - dirige-se, antes disso, ao enroscamento no sistema político, que acaba não conseguindo tomar medidas efetivas.
Simultaneamente, temos a perda da identidade partidária: partidos que não mais representam ideologias expressas, o que os faz parecer "farinha do mesmo saco". Um exemplo disso são os Partidos Liberal e Trabalhista do Reino Unido, acusados por especialistas de terem aproximado-se a tal ponto que se tornaram, na prática, a mesma coisa, e que acabaram perdendo espaço no Parlamento para o Partido Conservador após décadas de hegemonia política.
Todos estes fenômenos políticos acabaram por gerar aversão a políticos que, não nego, até é fundamentada em alguns casos. O problema é que daí partimos para um ódio generalizado à classe política, o que não só é absurdo, mas também extremamente injusto: há, sim, pessoas tentando fazer o bem para a sociedade na política. Aliás, nem são tão minoritários quanto se pensa. Temos de pensar muito bem antes de julgar todo um complexo emaranhado composto por pessoas das mais diversas convicções pelas ações de uma pequena parcela prosaica.
Mas falar mal de políticos é tão fácil! A sensação de corretude política ou complexidade de raciocínio é tão sedutora que frequentemente nos permitimos viajar por estes mares de intelectualidade simplificada com a maior soberba possível. É bonito, ao que parece, ser antipolítico.

segunda-feira, 6 de junho de 2011

De laicos a intolerantes

Noto cada vez com mais frequência a intolerância radical entre ateus: alegações como 'religiosos são burros', 'a religião corrompe o mundo' e derivados dessa linha são recorrentes. A revolta e a raiva são, em certa medida, compreensíveis: afinal, o ateísmo tem por fundamento a negação da religião, e faz sentido que bata de frente com cristianismos, islamismos, taoísmos, etc. O debate sadio é sempre bem-vindo e não deve ser coibido. Contudo, entre inconformismo, intolerância e preconceito há linhas que deveriam estar bem demarcadas.
Precisamos, antes de tudo, entender os motivos das reações intolerante e preconceituosa dos ateus. O ateísmo, como qualquer minoria, sofre com a "repressão da maioria" (esta foi a melhor expressão que encontrei para a ideia): é reprovado, ridicularizado e odiado por muitos. Sofre sim, muitas vezes, com preconceito. Uma das respostas humanas mais tradicionais a isso é tomar a ofensiva, ou seja, no caso do ateu, negar a veracidade e utilidade da religião enquanto objeto - por exemplo, argumentando a falta de embasamento empírico de determinadas religiões*.
O exercício desse tipo de declaração pode, contudo, ser desmedido. O resultado disso são frases como a citada no primeiro parágrafo: 'a religião corrompe o mundo'. Alocar todas as religiões sob um mesmo contexto tende a produzir análises míopes e intolerantes, geradas por uma aversão interna, sem nenhuma fundamentação racional, a universos filosóficos bastante diferentes.
A defesa de seus preceitos através do ataque pode também ser desfocada e provocar agressões ao sujeito do debate: o religioso. Este tipo de argumentação, como 'religiosos são burros', está fadado ao vício da generalização preconceituosa que usa a instituição religiosa para dogmatizar características em indivíduos. Características que podem ser, e muitas vezes são, falsas. O ato de voltar-se contra outros seres humanos através destas universalizações ignóbeis, pelo simples fato de serem pessoas diferentes, é uma atitude claramente preconceituosa.
Não pretendo com este texto defender os religiosos que se envolvem nesse tipo de debate com os ateus: pelo contrário, são tão intolerantes e preconceituosos quanto seus nêmesis antiteístas (se não mais, na maioria dos casos). Aliás, este texto pode facilmente aplicar-se a eles também. A questão que estou tentando apresentar é a contradição dos ateus que utilizam este tipo de argumento específico: dizem combater a intolerância religiosa, mas fazem isso com os mesmos artifícios que criticam.
O mundo fica estranho quando os "pregadores do amor" (para citar os cristãos, com quem esse tipo de embate mais se dá no Brasil) e os "defensores da laicidade moderna" (como declaram-se muitos ateus) odeiam e humilham-se simultaneamente. Mas se chegamos a este ponto, talvez esteja na hora de revisarmos alguns de nossos valores.

*Este argumento é um exemplo, e portanto não é necessariamente verdade nem corrobora a argumentação do autor.

sábado, 4 de junho de 2011

Caldeira

Hoje em dia as ruas parecem vermelhas
Como um motor sobreaquecido.
Não mais sangue - metal
Ventilando e molhando-se
Feito caldeira de bruxa
Sob o céu amarelo e marrom
Da cidade de olhos imensos
Rifados de tanta droga,
Aquela de farmácia,
Pra você dirigir no molho de pimenta
Que sobrecarga, mas não explode.
Vamos, então, a seguir os cilindros
Girando como colherão
Numa sopa turva.

quarta-feira, 1 de junho de 2011

Helplessness Blues

Para aqueles que desejam um som bucólico e, não obstante, secular, a recomendação do momento é Fleet Foxes. A banda de Seattle já fizera proeza em 2008 com seu auto-intitulado álbum de estreia, aclamado por alguns críticos como o melhor álbum daquele ano. Realmente, o trabalho é fantástico; músicas como White winter hymnal, Ragged wood e Your protector são verdadeiramente sublimes.
Neste sentido, Helplessness Blues definitivamente não deixa a desejar, mas apresenta um clima ligeiramente diferente - podemos dizer que o álbum tem uma atmosfera arcadiana. As letras das músicas, por outro lado, mergulhadas em profunda poesia, tratam de questões contemporâneas, às vezes bastante urbanas (a faixa título é um forte exemplo disto). Referências mitológicas são frequentes, remetendo a esta fusão entre bucólico e moderno.
Verdade seja dita, algumas das mais belas faixas e segmentos musicais do trabalho são meramente instrumentais. The cascades dá uma sensação de contemplação de uma cascata cujo fluxo intensifica-se à medida que sobe o rio a alimentá-la. Esta música, como tantas outras no álbum, é capaz de criar metáforas para sentimentos profundos sem ao menos dizer uma única palavra; coisa que, convenhamos, o universo da música secular chegou perto de assassinar.
A diferença deste novo álbum para o anterior talvez seja a maior homogeneidade de Helplessness Blues. Esta mudança, no entanto, se dá de forma muito discreta, o que gera uma sensação de simulânea reinvenção e continuação quase perfeita. Ademais, o Fleet Foxes parece cada vez mais pender para a estética arcadiana, em contraposição a seus primeiros lançamentos que aproximavam-se do rock (vide o LP Fleet Foxes).
Dou destaque especial para a faixa título, Helplessness blues, que consegue compreender de forma magnânime todo o conceito do disco. De resto, o álbum é repleto de belíssimas músicas capazes de, quando prestamos atenção, falar aos nossos sentimentos mais íntimos. Pura poesia e excelente música fazem sempre uma ótima combinação, e é exatamente isso que o Fleet Foxes fornece.

Título: Helplessness Blues
Artista: Fleet Foxes
Lançamento: 03/05/2011
Gravadora: Sub Pop, Bella Union
Produtores: Fleet Foxes
Gênero: Folk, pop barroco
Faixas - duração:

1. Montezuma - 3:37
2. Bedouin dress - 4:30
3. Sim sala bim - 3:14
4. Battery kinzie - 2:49
5. The plains/Bitter dancer - 5:54
6. Helplessness blues - 5:03
7. The cascades - 2:08
8. Lorelai - 4:25
9. Someone you'd admire - 2:29
10. The shrine/An argument - 8:07
11. Blue-spotted tail - 3:05
12. Grown ocean - 4:36

Avaliação: Ótimo