quinta-feira, 28 de julho de 2011

O governo do "agora"

Parece que há uma tendência na busca por agradar as massas e os seus interesses diretamente retratados pela mídia. E isso não é nem só com políticos, como por exemplo Dilma que faz cortes em projetos e pessoas de seus ministérios assim que aparece uma linha de crítica nos jornais, como nos casos do kit anti-homofobia, da Casa Civil e do Dnit - podemos citar o exemplo de Mano Menezes, na seleção brasileira, cuja proposta é claramente baseada nas reivindicações midiáticas quanto a uma necessidade de renovação.
Mas atenhamo-nos aos políticos, cujos atos têm consequências de impacto mais profundo em nosso cotidiano. Já estão pipocando casos de ex-funcionários do governo federal, em especial nos recentes acontecimentos envolvendo os Transportes, que reclamam da falta de tato da presidenta para lidar com situações como esta, afirmando inclusive que os cortes estão sendo feitos sem investigação mais aprofundada. Um exemplo é o agora ex-ministro da referida pasta, Alfredo Nascimento (PR-AM).
Ora, claro que as denúncias de superfaturamento apresentadas pela mídia são preocupantes e algo deve ser feito para lidar com a situação, mas quando temos um governo de medidas imediatistas e definitivas como tem se mostrado a gestão de Dilma, somos forçados a pensar no que podemos estar perdendo neste processo. Há um termo em ciência política que reflete bem este princípio: é o chamado "real interesse"; referimo-nos ao "real interesse" quando queremos dizer que há um princípio (ou fato) subjacente à matéria de um determinado debate que deve ser protegido por caracterizar um "bem maior" que pode passar despercebido pelos olhos do cidadão comum - é, portanto, responsabilidade do representante protegê-lo.
O exemplo mais latente disso na gestão Dilma é o caso do kit anti-homofobia: o desespero para evitar o desgaste político da defesa do projeto e o interesse de manter a bancada religiosa próxima às aspirações governistas frente à aprovação da nova legislação ambiental levaram o governo federal a ser decisivo: cancelou a distribuição do kit. É importante salientar que o kit anti-homofobia não era o que a bancada evangélica "informou", mas antes um esforço real de especialistas nas áreas de saúde e educação que estavam interessados em combater o preconceito em um estágio fundamental de afloramento da sexualidade: a puberdade. Os frutos que poderíamos obter disso, entretanto, nem tiveram chance de dar as caras. Qual o malefício? As longas pesquisas e projeções nas quais o projeto se baseava foram descartadas; o problema do preconceito nas escolas continua sem ser combatido.
Não estou querendo discutir se o kit anti-homofobia interferia na educação dos pais ou não, se fazia apologia a orientação sexual ou não (o que honestamente não faz nenhum sentido) - o fundamental é que era uma forma de combate ao preconceito que foi podada e seus eventuais benefícios foram perdidos, pelo menos até que um novo projeto tome rumo. Isto é uma perda, inevitavelmente. A questão é: será que realmente queremos um governo que corta fora galhos com uma suposta gangrena antes mesmo de podermos vislumbrar seus frutos? Não acho que seja errado ser pragmático - pelo contrário, admiro isso na nossa presidenta -, mas por outro lado talvez excesso de pragmatismo também não seja o antídoto ideal.

quarta-feira, 27 de julho de 2011

Carcará

Fica na minha cabeça feito sombra
Pairando no nada
Restando num medo
A me esperar
Crescendo diminuta
Fazendo segredo
Travada no tempo
Da boca aberta
Garganta vibrando
E vento soprando
Eterno rompante
A divagar
Sobre a minha cabeça
Minando meus dias
Expelindo minhas noites
Caçando meu tempo
Fazendo-me presa
De seu gargalhar.

sexta-feira, 22 de julho de 2011

Problema da fé milagrosa

Escrevo este post sob o pretexto de desenvolver um argumento contra a noção de um Deus que se manifesta por intermédio da fé miraculosa. Não sou, nem de longe, um especialista em raciocínio lógico, nem muito menos um grande entendido dos assuntos referentes à teologia. Por isso, é alta a possibilidade de que meu raciocínio apresente vícios de construção ou erros estruturais, além de partir de noções razoavelmente simplistas de "fé" e "milagre". Respostas e contra-argumentos serão muito bem vindos, até porque tenho interesse em compreender o funcionamento do mecanismo da fé miraculosa.
Vamos, primeiramente, às definições a serem empregadas. Entendo fé como "a crença que intransigentemente não se baseia em provas ou evidências". Talvez seja uma definição conservadora por instituir uma inflexibilidade à razão, mas compreendo que o exercício da fé abrange campos inalcançáveis para a "mera" razão humana e seus mecanismos de dedução. É, portanto, pura: completamente livre de nexos causais racionalizantes.
Um milagre, por sua vez, é um evento atribuído à intervenção divina. Há duas concepções fundamentais de milagres: aqueles de procedência puramente sobrenatural, que representam uma quebra no sincronismo das leis naturais, e ainda os de procedência natural, cuja forma ou probabilidade os faz parecer sobrenaturais. Contudo, ambas presumem uma intervenção divina no processo, e esta é a característica fundamental sobre a qual desenvolverei meu raciocínio.
Segundo os preceitos da fé milagrosa, milagres são alcançáveis através de um exercício de fé: esta cria para o divino um acesso ao plano material, permitindo sua manifestação. O exercício milagroso que não é oriundo da fé não está, portanto, inserido nesta questão: um milagre ocorre se, e somente se, houver fé. O milagre é, segundo o conceito da fé milagrosa, uma consequência da atuação desta fé.
Ora, se os milagres ocorrem enquanto consequência direta da atuação da fé, eles evidenciam ou provam esta. Se há provas ou evidências de uma determinada proposição, esta pode ser racionalizada e, por conseguinte, falseada. A fé, entretanto, requer a inexistência de provas ou evidências para existir; chegamos, então, a uma redução ao absurdo: a fé não é fé.
Podemos estruturar este raciocínio da seguinte forma:
Se temos (1) fé e (2) milagre, podemos propor:
I. (2) existe e é observável;
II. (2) acontece se, e somente se, (1) for contemplado;
III. (2) então é prova ou evidência da possibilidade factível de (1);
IV. (1) requer ausência de evidências ou provas. Se temos como embasá-la racionalmente, a fé pode ser falseada e, portanto, não é fé - reductio ad absurdum.
A forma reduzida propõe que se afirmamos crer em algo sem evidências ou provas (ter fé), a existência de uma evidência ou prova (o milagre) do objeto da crença desvalida a afirmação. A única forma de ter fé é que não exista possibilidade alguma de racionalização, caso contrário a fé perde seu conteúdo existencial: não precisamos crer, pois sabemos.
Lembro, mais uma vez, que não sou um perito neste assunto, então estou apenas construindo uma proposta que, para mim, fez sentido. Quem tiver alguma crítica ou quiser acrescentar alguma coisa, sinta-se livre para comentar.

Adendo, redigido em 31 de Agosto de 2011:
Gostaria de fazer uma correção ao argumento, pois notei um erro de raciocínio após cautelosa observação.
A fé requer independência de provas para funcionar em relação a um determinado objeto - no caso, o Deus dos milagres. Isso significa que quando há milagres, eles não são prova da fé em si - antes, do objeto da fé. Assim, a existência de milagres obtidos por intermédio da fé não desconfiguram a fé em si, mas sim sua ligação com o objeto. De qualquer forma, se rui a conexão com o objeto, a fé fica descaracterizada. Não retiro, portanto, o argumento - apenas proponho uma correção nos moldes do penúltimo parágrafo do texto, onde esta configuração fica mais patente.

quinta-feira, 21 de julho de 2011

O ateu zetético

Este post servirá de expansão, revisão e aprofundamento dos conceitos apresentados no post "O ateu dogmático".

A cerca de seis meses atrás comecei a escrever sobre ateísmo e a essência dogmática por trás de seus fundamentos. Todos desfrutamos de vidas permeadas por dogmas, queiramos ou não, e isso não é necessariamente ruim, como o termo parece implicar. Acontece que o dogmatismo caiu em desgraça por seu constante paralelismo com as "verdades absolutas", o que acabou destituindo este importante ramo das ciências humanas de sua função inicial, de estipular pontos de partida, fundamentando, em especial, o ativismo da vida. Se vislumbrarmos novamente esta perspectiva, podemos entender como a postulação da inexistência de Deus, ou mesmo a provável inexistência de Deus, é tomada como argumento inicial pelo ateísmo na concepção de seu existencialismo, e como o ateu pode viver fundamentalmente sem a necessidade de Deus.
Dogmas não são, ao menos segundo seu conceito empírico, inabaláveis. Pelo contrário, requerem uma construção argumentativa para estruturá-los. Na teoria do direito, apresenta-se o conceito de zetética, responsável por esta atividade intelectual. Zetética é, resumidamente, o ato da absorção de conceitos de outros ramos do conhecimento, como a sociologia, antropologia, filosofia, etc, na construção de uma estrutura jurídica mais próxima da realidade. O direito, então, dogmatiza conceitos de outras áreas para lidar com sua manutenção social, de forma sucinta.
Transpondo o termo para o âmbito da construção de estilos de vida, zetética seria o desenvolvimento racional que permeia a vivência de um indivíduo. Argumentos filosóficos ocorrem aqui, num constante exercício de desconfiança e descrença, que não é exclusividade de ateus. Todos raciocinamos nossos dogmas de uma forma ou de outra, em um momento ou outro.
Existem inúmeros argumentos a favor e contra a existência de Deus, especificamente. Podemos citar os argumento da moralidade e cosmologia, pela proposição teísta, e a problemática do mal e o paradoxo da onipotência, pelos antiteístas*. Na verdade, de forma geral, não há plena concordância em relação à questão na filosofia, e a existência ou inexistência de Deus nunca foi plenamente comprovada, sendo boa parte dos argumentos de ambos os lados plenamente defensáveis, assim como perfeitamente atacáveis.
Acho interessante destacar que a maior parte desses argumentos tenta provar ou desprovar Deus através de características específicas deste. Neste sentido, a validação do argumento dá-se unicamente no âmbito da divindade a que se propõe, e isso é muito importante. A problemática do mal, por exemplo, prega a incompatibilidade de um deus onipotente e perfeitamente bom, o que não significa dizer que Deus não exista sem uma das duas características, ou mesmo sem nenhuma delas, apenas que é logicamente impossível tê-las combinadas. Assim, o deus panteísta poderia existir, pois ou não está interessado na humanidade (logo não influiria em nossa noção de bom e mau), ou, talvez, não seja sequer essencialmente bom. Destaquei o argumento do mal pois é o mais recorrente e o mais reconhecido, mas tal exercício pode ser feito com praticamente qualquer argumento, tanto a favor quanto contra a existência de Deus.
Pessoalmente, creio que a problemática do mal é um argumento fortíssimo. Se fosse teísta, provavelmente passaria toda minha vida tentando desvendar este enigma (coisa que, alega-se, nunca foi alcançada em séculos de tentativas) - sem apelos a "mistérios divinos" e "fé", é claro, que não passam de desistências disfarçadas, no meu ponto de vista.
Ademais, o próprio cotidiano do estilo de vida tende a reforçar zeteticamente o dogma, ao que me parece. A forma que um teísta lida com seu dia a dia é radicalmente diferente daquela do ateu. A forma de observar o universo é extremamente diversa, o que tende a intensificar as diferenças, ao menos até que algum rompante intenso altere tais desenvolvimentos, se é que algum dia isso acontecerá. De certa forma, podemos dizer que o dogma produz resultados que zeteticamente acabam por influenciá-lo novamente, reforçando-o. Se isto é bom ou ruim, não sei dizer. Mas, afinal, parece ser realidade para todos.
Um diferencial fundamental, contudo, diz respeito à procedência zetética extra-filosófica dos dogmas. Há, claro, os argumentos racionais, mas fora isso ateus e teístas tendem a extrair pontos de vista de áreas bastante discrepantes: a ciência, de um lado, e a teologia, de outro. Não tenho a teologia em alto apreço, em especial por acreditar que trata de argumentos viciados (partindo de Deus para propor Deus), mas talvez isso seja um problema pessoal, ou mesmo falta de informação. E, afinal, quem sou eu para afirmar que as crenças de outras pessoas estão erradas?
Acabei não falando tanto de algumas opiniões que embasam meu ateísmo, como imaginei que faria nesse texto, então concluirei com algumas observações mais expressivas e talvez agressivas, embora um pouco vagas: creio que ao observarmos a lógica por trás de um teísmo de onipotência, onipresença, onisciência e perfeita benevolência de um único ente criador, há inúmeras incongruências e discrepâncias que ficam latentes. São tantas, e tão bem expressas em inúmeros argumentos antiteístas, que torna-se difícil aceitar Deus como ele é tradicionalmente formulado, em especial no monoteísmo. Para piorar as coisas, as propostas em geral baseiam-se em defesas circulares e omissões convenientemente posicionadas. Consigo aceitar outras ideias de Deus mais abstratas e complexas - aliás, não duvido tanto assim da existência de alguma divindade: pelo contrário, considero algumas teses bastante plausíveis -, mas até hoje não fui convencido da existência de alguma que mereça, ou sequer queira, minha atenção e devoção. Fico, então, no existencialismo ateu sartriano que já citei num texto passado: resto na terra com meus problemas e os problemas da humanidade, tentando encontrar uma forma de lidar com eles - somente eu e o mundo.

* Não delongar-me-ei na apresentação de cada um dos argumentos exemplificados neste texto. Uma simples pesquisa pela internet lança luz sobre os principais pontos de cada um.

segunda-feira, 18 de julho de 2011

Cecília

Cheiro de madeira, de carvalho,
Que roda na taça de púrpura
E some ao som madeirado
De Edith. Ah! Edith...
Tudo de que preciso
É esse ar de madeira
Perdido entre Edith e merlot,
Cabernet e Piaf,
Ficando la musique à vitrola
Como o vinho que transcorre
Os contornos do coupe.
Le toujours, mon cher,
C'est de chêne.

segunda-feira, 4 de julho de 2011

Afogado

Água de tantas coisas
Mar, céu, lágrima,
Suor, beber, lavar...
Tanta água que transborda
De qualquer lugar
Tanta água que falta
Em todo lugar.
Água rasa, água profunda,
Quente, morna, fria...

Tanta metáfora de água
E eu ainda não sei
O que é água.

domingo, 3 de julho de 2011

Contar louros

Louros cachos por sobre a cabeça
Despencam e rolam no chão
No passar dos poucos segundos
Que cobrem os dias,
E, no entanto, todos esses dias
São como louros
Que pouso em minha vida
Feito coroa a restar sobre o tempo.