quarta-feira, 26 de outubro de 2011

Leviana

O tempo é mudo
Como o som em sua essência.
Nele tudo passa
A crescer, soar e dissipar
Sem sequer rememorar
Os passos que já ficaram;
Desço o rito da caminhada
Na colina ensolarada
Aconchegado no sono,
Na sonata de uma vida
Que vai leve acordando
Ao silêncio sob o sol
Espairecida.

terça-feira, 25 de outubro de 2011

Vida paralela

Ah, minha vida,
Você foge de mim
Assim, paralela,
Sem nunca remediar.
Você me convém
Num distúrbio
De agouro da posse
Mas não vem comigo quedar.
Toda cheia de 'não-me-toque's
Perambulando na sala de estar
Vagueia vazia no quarto
Onde meu tempo
Não ousa encontrar.
Você se esvai no espaço
Perdida em rimas pobres
Buscando um poema íntimo
Sem nunca me formular
E cai num destino sem foco
No caminho do envelhecimento
Até de mim o amor
Por inteiro escoar,
Mas ele vai tão fundo
Que eu já não sei
Se só de rima pobre
Consegue se esvaziar.

terça-feira, 18 de outubro de 2011

Mundo, por menor que sejas

Estou muito longe de conhecer o mundo.
O mundo não me conhece.
Ele e eu vamos tagarelando
Numa pormenorice vadia,
Captando uns trechos cada qual
De cada outro, cada um,
Que restam, afinal, esquecidos
Na sobra de conversa.
O mundo e eu
Rachamos apê,
Damos um rolê
E voltamos aos seus quartos.
Dia tal vamos juntos,
Caímos em nossos corpos,
Varamos a noite em cigarros e nudez.
De manhã acordo à tarde,
E sozinho embrulhado nos lençóis
Sumo no mundo que me chama outra vez
A pormenorizar
Nas muitas almas
Entre ele e eu
Que formam o meu breu.

O poema cai da janela

O poema cai da janela
Como um
Poema cai
Da janela como
Um poema cai da
Janela como um poema
Cai da janela como um poema
Como um poema cai da janela como
Um vaso marrom com flor
Que é a vida
A repetir a cor
De cor
Até a dor.

sábado, 15 de outubro de 2011

Fisiocaos

O caos já cai de meu corpo
Como gordura morta.
Perdido no espaço
Entre escamas e pele velha
Estrebucho em frenesi
Enquanto parece-me sumir
Uma parte.
Desejo contê-la,
Mantê-la aqui,
Como um lábaro
Disposto sobre o caixão
Tão mais morto que o resto.
Mas a vida ainda não quer se esconder.
Ela deseja das escamas antigas fazer
Um casulo de onde renascer
Num escorregão a vazar
Novamente ao mundo.
Ela pensa que a cova de sebo
Serve só de estadia
Num contínuo escoar.
Pensa ser tão viva
Que esquece seu próprio sacrilégio -
Vai sendo sarcófago
Trajando ambulante
A gordura a cair de si.

sexta-feira, 14 de outubro de 2011

Garrafa de vidro

Vou escrever um poema
E postá-lo numa garrafa vazia.
Enquanto estiver a navegar
Entre as mazelas do mar
Protegido na pequenez do vidro
Fará sentido;
Meu maior desejo
É um poema perdido
Para que eu possa
Tentar encontrá-lo
Eternamente
Num sonho rapsódico lindo
Que em meu coração
Repedidas vezes se consumará.

Meta fora

Eu não sou tão somente um traço
Sobre tela.
Sou, nas minhas cores,
O pulso a transcorrer sangue
Nas lágrimas do teu andor
Quando fitas o laço
Nascendo no rastro
Da flor (que descola do quadro)
Cujo caule embola teu corpo
Em metamorfose.

Transfigura-se-me

Quero saber aonde vais,
Dragão negro,
Fluindo por entre a razão
Como um rio de emoção
Pulsando quente e mudo.
Fala das tuas malícias,
Teu sonho do mundo
Por onde revogas sentidos
E caças um jeito puro
De se me encontrar.
Não sei se devo pedir-te
Que pare aqui ao meu lado
Ou leve-me junto
Ao rumo das estrelas.
Sempre quando te alcanço
E mergulho por entre tuas escamas
Pareço perder-me suave
E nem desejar dali me achar.
Teu voo faz minha vida
Planar como borboleta
Numa viagem inusitadamente
Prolixa e reversa -
Enquanto esperava um rasante,
Um alumiar dragonesco fulminante,
Contigo passo leve
Num errôneo conjugar de inseto
A estar no universo
E sequer me dar conta.

terça-feira, 11 de outubro de 2011

Memorial

A memória
É chama que
Pousa os pés
Sobre a mente
Para poder recordar.
De lá do topo dos céus
Ela vem num arremate
Altivo
Queimando o fio,
Molhando a cera,
Abrindo caminho
No tempo, no ar.
E a mente, pobrezinha...
A ela nada mais resta
Se não derreter no rastro
Que segue a labaredear.
Mas fica pelo caminho
O topo do mundo
Enquanto o fogo
Caminha à terra,
À cera e ao prato.
Não há mais um plano conforme,
Uma mente lisa pela qual envelhecer -
Sobraram arranhões, cicatrizes,
Varizes amorfas da vela a queimar.
E a memória, agora cá embaixo,
Plana quase vazia no fim do rolar
Onde só restando o pavio tão curto e vazio nada mais arde se não o apagar.

Santana - 14h57min

Enfim resolvi publicar um poema que há muito desejava apresentar aqui no blog. Minha dificuldade teve a ver com seu formato de especifidade trabalhosa. Decidi, portanto, postá-lo na forma de imagem. Ele foi escrito no dia 12 de Março de 2008.


Naufrágio

A noite e sua lua rotunda
Naufragam no profundo
Do oceano da vida.
Lá suas festas e vinho,
Ou só o conforto de uma cabine particular,
Repousam suaves
Num transe eterno
De fluxo do mar.
Lá vivem os pequenos monstros
Do cotidiano -
Porém em sono intenso
Não podem me perturbar;
Lá as tristezas do dia
Passam a descansar
E o tempo rola
Nas correntes de água
A massagear o casco
Da minha madeira
Que vai envelhecendo suave
Em seu passar.

segunda-feira, 10 de outubro de 2011

Teu, meu, tem

Tem tudo aqui,
Não?
Tem um lapso de mim
A vaguear rareado
Seguindo o rastro de ti
Rumo ao centro da terra.
Tem um impudor de relento
Que traça meus passos
E ainda um tom tão profundo
De instinto puro
A guiar-me ao ponto final.
Tem uma trilha eterna
Que enquanto durar
Entender-se-á como um fim,
E ainda um epílogo prometido
Ansiando por chegar.
Tenho em ti
Caminho, caminhada, caminhar
Amontoando-se dentro de mim
Num arrebate eufórico.
Tenho tudo que é meu
Por ser teu;
Assim se tem.

domingo, 9 de outubro de 2011

Banho de mar

Vou coletar poemas
Num mar envolto
Por terras de poeta.
Dentre o marasmo
Posso encontrar
Um trecho d'água
Em que vale a pena nadar
Para banhar a alma
Num mergulho salgado
A grudar na pele.
Dali vou guardar conchinhas
Que soam como as ondas
A recordar o ponto
Onde queria ficar.

quarta-feira, 5 de outubro de 2011

Sentimento num rasgo

Você me dói mais que qualquer farpa ou espinho -
Esse jeito de explicar já está passado.
Dói como um dia feio
Que de súbito fica bonito;
Dói como vidro lascado
E, por mais que completo,
Inútil.
Você me machuca tal qual um viaduto
Que cruza entre pontos de terra
Sem tocar o fundo.
Você arde num tom de destino
Intocável como o céu
Que se esfrega em mim;
Mas eu, por mais que flamule,
Jamais correrei por entre você
Além desta haste
Com que me força a terra,
Além do engodo de mel
Que na boca derrete em fel.

terça-feira, 4 de outubro de 2011

Rumo enredo

Night walking dreams (Salvador Dali)

A noite cai passo a passo
Permeada em neblina
Que condensa no adubo
E transcorre água adentro.
Vai encapuzada ao fundo
Espelhada debaixo dos panos
Afundando na escuridão.
As nuvens por sobre suas mãos
Transformam-se em penas
Num feitiço de Rothbart;
Submergem no lago,
Ascendem aos céus,
Tortuosas qual árvores mortas
Cuja ramagem restou fosca
Na metamorfose.
Eu sou o desvairo
Da negridão afogada
Que em cisne renasceu
Para apagar como brasa queimada
No tonteio do céu.

segunda-feira, 3 de outubro de 2011

Poemas fracos

Caem como folhas velhas sem esperança
Andorinhas desengonçadas
Varrendo o céu
Numa lambança morta
Tentando, com esforço vão,
Pairar sobre a terra
E guardar um pouco de ar
Sob si.
Morrem em câmera lenta
Cactos na seca
Torcendo que venha
Uma noite de chuva ao menos
Para resguardá-los
Pela estação.