terça-feira, 31 de dezembro de 2013

A-t-eu

Hoje nasce um novo "eu";
Um que não é teu.
E para consagrá-lo, uma nova palavra,
O reverso de teu:
"Ateu".
Daqui em diante, portanto, sou ateu.
Posso estar contigo;
Posso andar ao teu lado;
Posso tocar a quatro mãos;
Mas serei para sempre ateu,
Liberto das manias diversas
De quem preza um santo
Sem saber do diabo
Que nele há.

Faço aqui minha proclamação definitiva,
Pelo tempo que o tempo me permitir:
Sou ateu
E nada mais disso se falará.

domingo, 29 de dezembro de 2013

Enxofre

Todo dia é um fim,
Um andar sem prumo,
Um senhor do bonfim que apodrece,
Um chão que não amortece,
Um pão comido sozinho,
Um mal...

Todo dia é normal,
Todo dia é feio,
É pão de centeio,
É mofo no pão,
É coceira na mão,
É no prato um vão
Que mergulha certeiro
Nas horas quadradas
Da escuridão
Do dia...

Todo dia é mais um dia em que não sou são.
Todo dia é um dia de enxofridão.
Todo dia eu não quero.
Todo eu quero.
Será que sobra um ponto no próximo verso para alcançar mais um dia
?

Donzela

Por que é que não pode?
Onde é que te vais?
É sempre mais
E mais
E mais...
Mais de menos,
Menos demais,
E as horas se passam
E lá vem as onze
E lá vai Donzela,
A dona da mazela das onze,
Guardar os brincos,
Soltar o coque
E pigarrear
Pra engolir o choro,
Pois a maquiagem não pode borrar;
Não pode até de manhã.

sábado, 28 de dezembro de 2013

Reticente

Poesia suga
E nada sobra
Pra falar
.
.
.

Bicho preto

É madrugada e eu enxergo nada direito.
Os gatos sumiram,
Os ratos não se vê,
As mariposas sabe lá,
As borboletas muito menos,
As razões não se conhece,
Emoções ao deus-dará.
O bicho preto dos
Meus versos é o
Único que vai
Lá, passando
Pelo escuro
Camuflado
Achado
Em meio ao que não tem direito e o que é nada.

quinta-feira, 26 de dezembro de 2013

Amolador

"O amolador está aqui",
Apitou a flauta
No alto do segundo andar.
"O arrolador está aqui",
Apontou a falta
No recanto do meu parar.
"O amor e a dor estão aqui",
Afiou a faca
Na nota que toca o meu rolar.

sexta-feira, 20 de dezembro de 2013

Fumo de samba triste

Parte do que partiu é porta cerrada,
Serrado do que sorriu na serra pelada,
Pele pelando a fio pela forma afora,
Afoito fiando o rio que não ri nem chora
Quer chova, quer chagas, quer chamuscado,
Quer charuto cubano alagado no alarme
De arder arrendado no alambrado.

Dito mínimo

Contemplado com destruição,
O humano busca sobreviver.

Dada a sobrevivência,
Procura se destruir.

Isso tudo, em geral, sem querer morrer.

Todo o qual, por sinal, sem saber viver.

E como saber?

quinta-feira, 19 de dezembro de 2013

Tornado em doses de Whisky e saltos embriagados

Nicho falso
Da metade
Do inteiro
Do vazio
Do herdeiro.

É tão crasso
Meu espaço,
O meu berço,
Ninho calço
E ando espesso
Coçam os pés
Infantipasso
Rastevoo
Resto tolo
Vara-pau
Engordurado
Alado
Requebrado
Contorcido
Contornado.

sexta-feira, 13 de dezembro de 2013

A vida é uma
Sucessão de mortes
Abraçadas;

Nascimentos acumulados
Que assistem meu sobrado
Sem girar a maçaneta.

terça-feira, 10 de dezembro de 2013

segunda-feira, 9 de dezembro de 2013

Receita para sentir na pele o contemporâneo

Loção de cimento
Esfoliante de asfalto
Perfume de fumaça
E banho de praça.

Viscerossistemático

Guardado debaixo da guarda,
Armado atrás da flora
Intestinal,
Escondido nas vielas
Da favela
Do canavial
Do sexo "normal"
Do apartamento
Da polícia federal
Do sentimento surreal
Que liga minhas tripas à rua,
Tuas tropas à foda,
Meu vício de coca
Ao dele na cola;
Coloca tudo em questão
E tenta achar que não.

sexta-feira, 6 de dezembro de 2013

Anti-poema

Estou com preguiça de procurar um sentido para o poema.
Cansado demais para criar metáforas,
Curtir a metalinguagem,
Caçar palavras.
Tenho hoje um asco pela poesia
Que versa nos meus escritos
De algo bonito, ou doente,
Seja decente ou subversivo,
Cativante ou esguio.
Tenho poucos motivos para escrever;
Menos ainda para pensar
E quase nada para simplesmente estar.
Portanto, aí está.

quarta-feira, 4 de dezembro de 2013

Reverbera a questão

Como vou fazer
Pra ajuntar o poder
De ousar, de fruir,
De galopar num novo circuito
Se o velódromo assisti queimar?
Como viver depois de um incêndio
Se a fumaça insiste em intoxicar,
Lembrando que no passado
Ficou a inocência de acreditar
Que era possível arder e estar?
Como saber que de fogo e de vento
Eu soube tão pouco
E ainda pensar que posso saber
Sem me consumir?
Vai saber...
Vai cair...
Vai sumir.

terça-feira, 3 de dezembro de 2013

Imaterial

Bem que me dera
A bel-prazer
Poder bater as pernas,
O berimbau,
O beleléu,
O vai-mal.
Vá lá que o be-a-bá
Do meu balbuciar
Fosse um botão
De flor que abre
E fecha quando bem quiser.
Oxalá que o que há
No que há de tudo
Que me fruto do ar
Fosse tão simples de transformar
No vento de onde ele quis
Me materializar.

sábado, 30 de novembro de 2013

Um problema

Temos um pequeno problema.

Coisa simples,
Banal,
Praticamente cabal.
Bacabal.
Abacaxi na videira.
Esteira.
Ratoeira.
Somos ratos no inferno,
Somos gente do século XXI.

Estamos num grande problema.

domingo, 24 de novembro de 2013

Fachos da desaceleração

Nega-me o direito de falar;
Tira-me a insipiência
E arranca meus lábios.
Sem permissão, cognição ou capacidade
Logo serei recoberto
Pelas areias da sanidade
E a tumba dos caminhos vãos.
Logo serei essa assombração
Que desejas ver se arrastando nas ruas,
Metade gado, metade cão,
Metade deus extirpado de sua condição.
Tira-me a consciência,
Pois sou ela quem se recusa,
Rebelde e quente,
À tua monotonia,
Ao teu monoteísmo,
Teu monocromatismo,
Teu capitalismo
E tua estúpida definição de vida.

domingo, 17 de novembro de 2013

Uma lembrança perdida

No chuveiro
Bateu um vento gelado da janela aberta
Debaixo da água
Que me lembrou o cheiro de uma tarde de verão chuvosa
Ao sair da piscina quando o tempo fechava.

quinta-feira, 14 de novembro de 2013

Poema em cacos

Goles
E goles
Glutões
Engasgados
Gaguejo
Cacofônico
Tecos de som
Rasgando a carne
Garrafa quebrada
Que desce junto
No álcool
Nos cortes na mão
No pano em que seco
E engoelo
Travado no safo
No falo que me entupiu
Não falo, não falo...
Nem cirurgia descala
Esse descalabro.

sábado, 9 de novembro de 2013

Recanto

Pode ser que não tenha sido feliz no tempo em que estive aqui...

Mas aqui fui feliz.

sábado, 2 de novembro de 2013

Em caixa

Um poema sobre amor
Que seja realista
É impossível.
Ou fala de amor
Ou é realista.
Maldito amor
Que não cabe na realidade;
Maldita realidade
Que não cabe no que quero
Que seja amor.
Gaguejo
Quequejo
E sai mais um poema de amor;
Espero que realista o suficiente
Ou já nem tenho esperanças...
Mas ainda tento o encaixe.

Bastión de la libertad

No habrá nada en el mundo...
E isso basta.

Noemsí

Sentar para ver umas velhas melancolias
Em família
Entre amigos
Ou sozinho mesmo.
Tristezas em preto e branco,
Amareladas
E até digitais.
A saudade de tempos remotos não é feliz.
Traz em sua essência o escapismo
E, num fim relutante e escondido,
O medo da morte.
Para dizer em bom tom popular,
Há dois tipos de pessoa:
Os que temem a morte e os que mentem.
Mas nenhum escapa à melancolia,
Seja em fotografias
Ou na vida toda;
No "em si".

sexta-feira, 25 de outubro de 2013

Mas o que?

Mas nunca mais
Mesmerizar
Memorizar
Manter...
Mas o que?
Que raios que partam
Dos céus cinzas
De cada dia
Qualquer
E a inefável sensação
De que já se esvai a mente
Indo atrás da juventude
E ficando uma infância tão fútil
Que nem chocalhos entretêm
E até trovões assustam.
A relutância...
O luto.

segunda-feira, 21 de outubro de 2013

Formiga

Formidável formigamento;
Famigerado filho
Devorando-me o ventre
Rente ao rim
Deixando todo o lado esquerdo
Dormente.
Torta e carcomida
Caio à beira da avenida
Que me pariu e engravidou
Quando o sinal abriu
E o cruzamento fechou.

sexta-feira, 18 de outubro de 2013

Guarapiranga

Guarapiranga

Afunda
A perna
Bamba

Guarita
Que é
Muamba

Se anda
Mais
Afunda

Se guarda
Afrouxa
E cai.

quinta-feira, 12 de setembro de 2013

Declaração

Essa poça lamacenta
É o que queria;
Esse rito de indiferença.
Passar acordado os dias
Com o mínimo de existência possível
Até o torpor
E depois a gangrena.
Eu não - você!
Se algo ouso acusar
Bradando do cume de minha auto-consciência declarada
É que isso é obra sua.
Aquela que lhe é tão querida,
Indo pelo nome de 'maturidade',
É um ledo engano, meu caro;
Uma sereia que canta de uma vida branda,
Mas quando engolido o engodo
Vem a aquiescência.
Aí te devora as tripas sem nem perceberes;
A magia da aquietação.
Tu divagas os olhos sujos,
Sem reflexo, cínicos,
Tão distantes de você
E ficas a esperar um caminho,
Como se a vida fosse jornada.

Já eu recaio na letargia,
E nem de ódio posso mais sofrer.
A indiferença que contagia já me apossou;
Agora passo o tempo a esquecer.

domingo, 1 de setembro de 2013

Estrela no chão

Maristela, querida,
Caiu no mar
E sumiu aos olhos do homem.
Com trejeitos de deusa
E linguagem popular
Pousou na superfície plana
Da plataforma brasileira.
Lá encontrou vulcões marítimos
E monstros que não havia no céu.
O mar, afinal,
É terra repleta de água
Que potencializa tudo
E explode em ondas
Nas costas do Brasil.

quarta-feira, 28 de agosto de 2013

Meira

String Quartet Nº 13 in A minor, D. 804 - Franz Schubert

Mira, Meireles -
Mira lá!
Do alto da vista,
Entre os largos olivais
De árvores esparsas no amarelo esverdeado do chão,
Vem chegando a Medusa moura.
Já diziam que vinha
Desde Mérida
De uns anos pra cá,
Mas até então era mitologia...
E agora lá está.
O vulto pequeno em meio aos galhos tortos
Como azeite escorrendo na superfície da terra;
Já se notam as serpentes
Formigando ao longe a cabeça
Enquanto aqui já dói a consciência,
Não é mesmo?
A hora é chegada;
Não dá para adiar.
Hoje se não és ceifado
Eivará sua vida,
Brocharão os teus ramos
E apodrecida petrificará.

terça-feira, 27 de agosto de 2013

Ceci na secção

A mosca rasgou a noite
Em duas tiras estridentes
Assoviando de Ceci
No ouvido direito.
O esquerdo, pousado no travesseiro,
Sonhava ainda o silêncio
Das onze da noite,
Meia-noite,
Meio-dia,
Ou qualquer outro horário quente
Do verão.
Mas a direita, acordada, remissa,
Contava os minutos
Para a hora do lobo
Ouvindo o batente gelado
Que vinha do vento
Pela fresta.
Um olho era cego de fronha,
Embrenhado nas penas de ganso;
O outro era cego de escuro,
Mergulhado na noite espessa.
Sonhar acordado de Cecília
No inseto que me passou
Pousou na consciência nociva
O conhecimento
De passado, presente e futuro,
Do bem e do mal
E do que de nós dois eu sou.

domingo, 25 de agosto de 2013

Que

Um poema que precisa
Tanto ser poema
Que mal dá pra sê-lo
Sem selada a ponta
Desembargar.
Um que tão preciso
Ao ponto de, falado,
Soar embriagado
E perder o ponto
Com voz embargada
E derivações de uma mesma forma;
Recitações das mesmas... Coisas, ou sabe lá.
Repetições aglutinadas.
Um poema que tanto preciso
E não sai.

segunda-feira, 12 de agosto de 2013

Alienado

Li que lá não havia passado
E cá também não tem mais fim
E olhei desde aqui ao outro lado
E nada pude mais sentir.
E não é que não tenha bom grado
Mas de ser fadista já estou enfadado
E nado então na gruta do nada
Que é a mente perversa,
Também um desfim.
Meus olhos estão engraxados,
Os pés engravatados
E a coleira posta assim
Num bicho que desavisado
Cruza a rua sem ver
O que tem e o que não tem
O que vem ou que não
O que são
Essas coisas erradas,
Essa contramão,
Que na confusão
Deixei sumir em mim,
Desavisado por engano,
Isolado ao bel-prazer
E carcomido pelas traças
De tudo que passa
E não enxergo, enfim.

Libertamen, Dei insanis

Libertamen,
Dei insanis.
Paguei teu preço,
Rompi teu laço
E ainda me entreveras.
Ver-me-ás bicho morto
Antes que o montante
De abutres perversos
Deixe-me a carne?
Preferes tentar-me
Quarenta dias e noites
Num deserto de ventos ululantes
E pedregulhos cortantes?
Faz como com teu filho
E me abandona,
Liberta-me da insanidade
Dos loucos da perdição
Antes que tarde.

sexta-feira, 9 de agosto de 2013

Policificação

Polícia pacificadora
Com peixeira na mão
Pra entregar embrulhado no jornal
O sangue preto que não escorre
Nem sob o olhar do Redentor -
Ele que estende os braços,
Mas despregado
Despedrado
Apartamentado,
Jamais favelado
Requebrado
Ou pacificado.

quinta-feira, 8 de agosto de 2013

Molto stanco pra estancar

Quengo molengo
Dengo
E
Sono
Muito
Sono
Que aguentar;
Canga lenga
Tonta prenda
Entendendo
Minha lenha
Queimando
Estalando
Na quenga
O manjar
Que não
Vai dar tempo
De saborear
Antes que m...

sexta-feira, 2 de agosto de 2013

/Z/amente

Sou obcecado
Obscenado
Naquilo que me perfaz
E faz mal
Ao meu estado de espírito -
Vide: estado de "espírito".
Eis o meu mal:
Fugir daquilo que agarra meus pés
E, estando tão livre, revés -
Aprisiona as palavras
E me engasga tosco
Como se o falar
Fosse rabiscar num tronco
De madeira pré-preparada.

quarta-feira, 31 de julho de 2013

Qualquer coisa que vier e passar

Os cães latindo
E Cannes letargindo
Só podem significar uma coisa:
O trem está partindo
E logo não mais essa terra;
Esse credo também passará.
E ai de quem não seguir
O latido dos cães
E ficar letargia -
A orgia das mentes não espera;
Ficam só os ganidos
Nos trilhos canídeos
De ossos quebrados.

quarta-feira, 24 de julho de 2013

Inristo

Iesu Christo
Xisto
Cisto
Quisto
E eu sumiço
Insisto
Visto
A capa negra
Da dessagração,
Minha salvação.

segunda-feira, 15 de julho de 2013

Desabafo sem ser (nem frequentar) culto

Mandar à merda,
À mãe,
Ao Papa
E aos seios
Quem carrega sua cruz
E me quer botar uma nas costas.

Ventríloquo

A culpa é tua, querida,
Não vês?
De onde vem a matéria prima
Do meu corpo
E até da mente, quiçá?
Tua e dele.
Antes não tivesse havido
E a vida não me incomodaria
Com seus ciclopes míopes
E vinhos estragados.
Culpa minha,
Mas cem vezes tua.

domingo, 14 de julho de 2013

Trocadilha - Armadilha - Pesadilla

Así, así...
Cansado da vida
Cruzada na esquina
Trocadilha do movimento
Atracada no produzir
Arrancada do "me perdi".
Así, así...
Trocados de metal
Pedaços de papel
Caixas de concreto
E mentes consagradas
Ao trabalho,
Ay, trabajo,
Burguesia fedida
E medida
Em gestos, em excessos,
Em vazios e gente excluída.
Así, así...

Credo

Leigos
Leitos
Leis
Lembrete de esquecer.

sábado, 6 de julho de 2013

Pas de deux

O tempo todo são metades retorcendo até rasgarem
De um conjunto que num só nunca nos foi;
A vida arrastando e letargindo
Os nervos a perder conexões
E tudo é mais vivido num sozinho
De sol que emana luz como se dois
Quando em retrospecto vê fingindo
As sombras de um minguar que se supôs
Nas entrelinhas do fim, do megido,
Dos seres, eternamente,
Como um ciclo,
Que em nasceres e morreres se impôs.

sexta-feira, 5 de julho de 2013

Quantitativo qualitativo

Quanto do que quanto do que quanto do que quanto do que
Quanto é
Do que sou do que sou do que sou do que sou
O que sou
O que é
Do que soul?

Amor, beleza e os afins

Ah, meu amor
Eu te vejo desfilando tua beleza
Mas ela não é mais pra mim.
Bonita, meu amor, é a paixão
Que é pra gente, sim,
Que é pro mundo, sim.
Amor não cabe na beleza
E vice-versa, é tudo sempre assim.
Ai, se eu pudesse ter só um pedaço dela,
Um pedaço de ti,
Seria amor enfim...
Daqueles que não têm frieza,
Que são mais amor,
O verdadeiro em mim
Que de verdade com certeza
Não tem muito além de ser afim;
De tudo um pouco,
É a beleza,
É o amor
E não é nada, enfim.

sexta-feira, 28 de junho de 2013

Enterroplantiodesovapoçaficar

Quando se é muito auto-consumo
Ou, no reverso, euforia,
Resta pouco tempo para consumir
O que me propõe a vida.
Vida, aqui, não metafísica
Nem muito menos humana;
Vida concreta
Pichada em cimento
Puxada em tragadas.
Todo poema que tende à idolatria,
Conquanto nas letras jaz a expressão do ser,
Não deixa espaço para a lataria
Em que se encaixotam
Sardinhas e cachalotes
Sob os holofotes do rei,
Que hoje tem outro nome, pelo que sei,
Parando e deixando levar.
Brota um protótipo de poesia,
Um protopoema girino,
E logo desanda.
Essa vida, tampouco metafísica
Quanto humana,
É a encubadora
Que quis a vida,
Essa sim a louca,
Me soterrar.

domingo, 23 de junho de 2013

Labirinto surreal das monções de uma mente

Captura de um pensamento;
Caça de uma ideologia;
Cápsula intragável
Da contradição contemporânea.

Quero catar-lhe os feitos,
Acatar sua forma,
Mas me escapa um leito fixo
Em que feitar.
Trajo qual brinco de borboleta gigante
Nos lóbulos escorridos
Até voarem e levarem consigo
Minha cabeça.
O elefante da razão,
Encorpado nas minhas longas orelhas
E trombas das panapanás,
É pesado no andar,
Mas voa com facilidade
Nesses tempos de não pensar.

segunda-feira, 17 de junho de 2013

Chamas; Chagas; Saga de um homem

Eis o homem cujo embalo é as correntes.
Arrastam-no à rua para gritar,
Prendem-no à casa para estar
Mal-estar.
O homem que descobriu o fluxo da vida
E a apatia dos dias por contar.
Homem que não cresceu e precisa de embalo
Apenas para conter o choro infantil
De quem não desmama;
De quem nunca ama;
De quem no fundo acredita ter descoberto
Que não existe amor;
De quem à mãe poesia chama
E nada mais ouve;
De quem houve e não sabe dizer se haverá;
De quem não chamará.

domingo, 9 de junho de 2013

Militância poética

Boca roxa de vinho.
Roxa de tapa.
De sexo.
Boca roxa de coisas mais...
O roxo deve ser a cor mais expressiva do corpo.
Da dor à dormência,
Do gozo à embriaguez,
Quero ser cara-pintada assim.
Bater no sistema que me tripudia
Beber revolta e poesia
E transar sagração.

sexta-feira, 7 de junho de 2013

Gregos, astecas, bárbaros e outros remorsos

A noite cai
Paulatinamente.
No seu grito, o açoite.
No seu seio, afoita.
A boemia está tomada
E Nix retorna ao desaparecimento.
Hoje reina Tezcatlipoca
E mais sacrifícios
Banharão a metrópole tropical.
A Paulisteia finda em guerra,
Os campos de cevada queimados
E a lavanda pragueja o chão.
Hoje não haverá revolução.

quinta-feira, 6 de junho de 2013

O velho cancioneiro
Já está velho demais para cantar.
A voz não sai afinada,
As mãos não dedilham com a mesma sensatez
E o violão tem cupins.
Ele arranha, então,
Um pigarro na garganta
Deixando escapar um longo murmuro
Num tom baixo e inconstante,

E eis aí uma canção.

quarta-feira, 5 de junho de 2013

Amor de guerra

O taxímetro apitou:
Era Taksim.

O carro balançava,
As chamas abafavam
Pelo vidro fechado
De um porto seguro
Pouco a salvo.
O sangue espirrava
No para-brisa borrado
E a gente lutava
Contra a infantaria
Desarmada.

Era Taksim
E o taxista não cobrou.
Desceu do carro e fez amor;
Amor de guerra,
Amor burguês feito ao contrário,
Que de amor burguês estamos fartos
Mesmo se somos.
Aquele velho espectro ainda ronda,
Oculto na copa das árvores
Rasgando-lhes a relva.
Mas de espectros a selva está repleta
E o sonho de ver esse monstro morto
Continua de olhos abertos
Ao menos por enquanto
Por aqui.

segunda-feira, 27 de maio de 2013

The unlockable madhouse of joy

Have you ever cried over happiness?
'Tis a strange feeling.
To mourn joy in abstinence,
Shed tears over images of the foreseen
As if they were present,
Though one which just passed by
In the absence of time.
Have you ever been abstinent?
Felt the shell of a cold diziness
Embrace your sight
Like a tight silk jacket
Around the remains of life?
This is how one feels
When death presents itself to gladness;
The poisoning mixture allows space for grief only.
And saileth winds of madness
Inside the swirling mind of the lonely -
For lonesome, and lonesome alone,
Cometh riding for those who know
How to mourn that which is unmournable,
To cry for that which demands laughter
And end up locked from the inside.

sábado, 25 de maio de 2013

Pietá

"Gaspard de la nuit", movimento Nº 2 - "Le Gibet" (de Maurice Ravel)


Espia meu tempo
Pia um chiado do meu som
Expia meu vento.
Tempo, som e vento
São as diretrizes de um corpo
E mesmo que amorfo
Nessas raízes estará.
Escuta meu tempo passar.
Assopra meu som.
Sente meu vento.
Pensa por um instante
Que sua vida
Paira tão fria
Chia
E cria os momentos
Tão insensatos
Que mais vale a pena
Deixá-los ao passo
Sem querer montar.
Aqui não se monta.
Aqui não se cria.
Aqui só há.

domingo, 19 de maio de 2013

Pele

Não tenho cicatrizes na pele.
Se uma coisa posso chamar de cicatriz
É a própria pele,
Que nela residem tantos detalhes,
Tantas fissuras,
Ao ponto de somente pele poder lhes chamar.
Perdoem-me os construtivistas
De um louco remodelar pensado nas dores,
Mas de marcas do tempo bastam aquelas que a própria pele provoca.

sábado, 11 de maio de 2013

Desconstrução das metáforas

Respeitável público,
Se a vós escrevo
Por desejo, destino ou infortúnio,
Cabem esclarecimentos.
Na minha terra só terra há.
Humana é a mente
E minto se falo em alma.
Real é o presente
Ensejado pelo capital.
Fuga não é escapismo -
É delírio inconstante e impreciso,
É revolução,
É dar-se o direito a enxergar o mundo
Mesmo à sua realidade estando preso.
Amor, ora pois, é fuga
E "eu" não é mais que uma conspiração,
Seja poeta, poesia ou imaginação.
De resto é a res publica
E as confabulações
Que desejeis criar.

Delir ando

Hoje a mente que sou
É num delírio
Brilho maravilhoso
De uma fogueira na noite
Das Arábias,
Da Romênia,
Da Índia
Ou da Penha
Nas cores incessantes
Da saia girando a cintura da dançarina
E nas labaredas parejas
Coladas no equívoco de amar
Sem medo de onde o samba
Vai nos levar.
Leve brisa armênia
Sussurra nas mantas
O frio das estrelas.
Leve, brisa amena,
Meu desejo
E faça o delírio
Por mais uma noite brilhar.

Escuchá mi lengua

Candela - Buena Vista Social Club

Mira essa poesia de cuerpo
Que numa só língua não pode calar
Swinging nos quadris da dançarina do ventre,
Que vuela nas mechas da drag
E soa nos seios das mademoiselles do cabaré.
Ay, poesia loca
Que não se enquadra
Nem quer esquadrar!
Ay, poesia libre
Que não se escalpa na violência
Do teu escutar!

Realidade corrompe

Realidade corrompe o mundo.
Ela e suas virtudes.
Virtudes de alguém,
De alguns,
De algo.
Abra os olhos e fuja!
Escape dessa realidade.
Vá para outra
E repita o ciclo.
O real nada mais é que a moeda corrente.

quinta-feira, 9 de maio de 2013

Perfil traçado

Perfilado numa cena profícua
Ao pérfido estar:
Na sala, o ar pútrido
Petrifica para sempre
Parecendo terrível...
Mas não.
É só normal.
Ar parado solidifica;
Pedra escrita rarefaz.
A perda de qualquer coisa
É pura cria da velha do tempo,
Quieta no canto do quarto,
Esperando passar.

quarta-feira, 8 de maio de 2013

Ponte entre sonhos de acordado e algum lugar

Estou muito cansado.
Estou num canto.
Canto do enfado
E faço das fadas
Meu sono.
Estou fadado;
Entregue às estrelas,
Aos sonhos;
Desenvergado.
Envergonhado de sono.
Acanhado no rosto corado
De desassossego
Acordado.
Estou quase lá
Aonde quer vá
Inchado a levitar
Sobre a cama da cabeça
Na cabeceira
Do travesseiro
E da travessia
Que podia não acabar;
Mas acaba.
Acaba lá
Aonde quer fadas
Aonde vá.

domingo, 5 de maio de 2013

Maduro

Maduro
Mais duro
Mais perdido no escuro
Menos perduro
E mais furo.

A mente é somente

Há uma infinidade de seres vivos
Tal quais não enxergamos.
Onde chamamos "natureza morta", por exemplo.
"Vida" transpõe o nosso conceito,
Transborda dos feitos humanos
E escorre nos planos que não reconhecemos.
Se ser ou não ser perguntamos
Jamais significa nos outros seres
Serem menos,
Serem profanos.
Ser pode ser pergunta que façamos
Mas jamais encontraremos
Se não presunções do que ensejamos.
Sejamos, pois, como os seres
Fora da nossa espécie
E esqueçamos.
Perguntas demais enlouquecem.
Com certeza em excesso dessomos.
E mesmo que nos cromossomos
Sintamos que o anseio cresce,
Somente paramos
Quando alcançamos o estado de prece
Implorando pelo que somos
Sem consentir que somente.

terça-feira, 30 de abril de 2013

Viés

Trai-me todo dia,
Traz-me flores arredias
Tração bolera arrastando os pés na enxurrada
Põe minhas mãos entre enxada e espada
E me obriga a um ritual constante de suicídio
Por qualquer via que resolva
E nada resolvido.
Ritos de complexa amargura,
De ternura e ansiedade
De idade que não chega mas não passa
E as ruas secas como passas
Quando passas novamente no semáforo
E o diácono proíbe arremeter
Contra a orla do destino -
Vem em ondas e arremessa novamente rente à praia
E lá vai corpo balançando na enseada
E lá vai dia
E lá vão flores
E lá vai vida.

sábado, 27 de abril de 2013

Berra que vai pra lá

Eu não sou daqui, dessa terra.
E quem é, meu bem?
Não sou de viver em estado de guerra.
E quem quer, meu bem?
Não sou de moer cana velha.
E quem é, meu bem?
Não sou de fazer como abelha.
E quem quer, meu bem?
Não quero ficar nessa terra
Em nome da guerra velha
De viver como abelha.
E quem é que não quer, meu bem,
Sacudir a poeira,
Largar a peneira
E viver em Camberra?

sexta-feira, 26 de abril de 2013

Vrainaus

Livrai-nos do mal, amém.
Livrai-nos do mal, homem.
Livrai-nos mal, homem.
Livrai nós maus.
Livrai naus.
Navegai
Nos ais
Eternos
Amém.

quinta-feira, 25 de abril de 2013

Derivações sobre a forma

Quem ama precisa externar?
E como se externa?
E como é preciso?
A imprecisão parece reinar;
A incompreensão e os mal entendidos.
E não há um ponto
Em que se rescinda o amor
Por excessivo desencontrar?
Alguma forma de interrupção sem dúvida há,
Mas é de amor
Ou é só de vagar?
É tudo muito vago nesse complexo de amar.
Amor escondido,
Amor distorcido,
Amor que fere,
Amor ferido...
E quem há de dizer que nesses amores amor não há?
Quem ama precisa amar?
E se quisesse um desamor
Desfaria?
Não há, por dentro ou por fora,
Resposta que interne ou externe
O que por esse nome desejo chamar.
Amor não é chama.
Amor não é paz.
Amor é nada
E ainda assim jaz.
Amor não é flor,
Mas jasmineia um algo ardiloso
Que eu prefiro não elucidar.

Lexicalidades

Devo a você as congratulações
Pelo ato de vida que não te consome;
Devo as bajulações da balburdia cansada
Que desafinada não sai do tom;
Mas não darei.
Devo e não pago.
Eu não sei distribuir carícias
Nem confabular trivialidades;
Sei nada do que não seja ensejado
Sem plano de fundo
Ou razão de ser.
Não quero envolver minha tralha
De mente atrapalhada
Com sua vocação de tecer.
Prefiro deixar meu deslexo confuso
Bem longe das suas palavras puras;
Prefiro morrer engasgado a ceder.

sexta-feira, 19 de abril de 2013

Macaque

Sotaque forte no meu charque
Carregado de conhaque
Nas barbas de macaque
Glutão que sou.
A vida são menos afazeres
E mais prazeres de primata.

quinta-feira, 18 de abril de 2013

Onde fica a Consolação?

Ontem no metrô havia
Um musicista meio desafinado.
Batia no pé um pandeiro
Ecoando no corredor,
Reverberando no chão,
Rachando no coração...
Levava na boca uma gaita
Que desfiava no ar
Um ruído estridente;
Suponho chamar-se canção.
Supus muita coisa
A caminho da Consolação,
Mas de fundo ficou o incômodo
De alguma coisa naquele misto
De gaita esfolada no vão
E os passos tortos
Que desenhei na estação.

segunda-feira, 15 de abril de 2013

Atear

Vamos atear
Antes que o tear
Decepe no fio solto
Que eu tente consertar;
Antes que mais tear,
Antes que mais teia,
Antes que mais malha social
E mão sangrenta
Atear.

Transgressora

Cada dia eu mais ando nu
Que os Deuses da minha vontade despertam
E alertam de um usurpador pairando urubu
Nas tetas do desejar que me alimentam.
Cada vez mais pelada
Para trazer meu Divino transgressor
Sobre as bocarras abertas
Gemendo de dor;
Para salvá-los do pudor
E da salvação esteta
Que mais cada dia veta
O estilo transado da vida
Que trança na pele aspergida
O signo suado da Deusa ungida
Do andar em falso,
Trilhar foragida um desnudo percalço
E "ah, quem me dera molhada
Sair na natureza e gozar sobrevida".

sexta-feira, 12 de abril de 2013

Deus dará?

Quanto do que vi será?
Será mesmo que vi?
Quanto do que senti,
Quanto do que vivi...
Quanto oásis no deserto
Foi bebido?
Quanto fruto, mordido?
Quanto Éden encontrado?
Eu, maravilhado
Com as plumas do sol
Ou são elas o feitiço
De olhá-lo?
Quanto não fui encantado
Pela mente ansiosa
Procurando a medida certa
De lampejo onde não há?
Quanto do que é deus
Em vida não está?
Quanto do que é vida
Não restou em mente?
E quanto do que mente
Não está ao deus-dará?

quarta-feira, 10 de abril de 2013

Injúria de amor dolorido

Amor.
s.m.
Amido para o grilo; livro molhado; a mordida seca e seu grito. Habita as plantações de milho e os sebos, onde cabe uma praga, um mofado, um doído. Um levante, uma inconfidência, que já pode ter morrido. Pouco se sabe de quem o tenha lido ou comido e não se envenenou.

Tormenta

Locus maldito de mim
Esse amor erudito;
Eros aflito dos loucos,
Erótico lunar
Servindo só para girar
E pairar;
Deformar o teu mar
E lento passar para a escuridão,
Escusidão dos teus pés no chão
Que prosseguem pensando quedar
Por conta própria no rumo do sol.
Atol crescente nas ilhas de areia
Que arreia do centro
Chorando um lençol de migalhas
Para brotarem corais nos entornos,
Sensíveis protetores e declamadores
Cantando da rocha que ebule
E atola no mar
Pensando ser lar de sua vida
E endurecendo no seu migrar.
Só mesmo aos loucos
Cabe amar assim;
Somente uns poucos conseguem atolunar
A tormenta da pequenez.

terça-feira, 9 de abril de 2013

Mosaico dos versos antigos caídos nas graças do meu relembrar

Montei meu mosaico
Com cores arcaicas
De vidros que não sei criar
E quando fui dependurá-lo
À parede disforme, à varanda,
Escorreguei a moldura
Nos dedos caducos
De tanto me cortar.
Os cacos escoaram maduros
Rasurando no chão um desfarelar
Caindo e cantando em conjunto
'Triliruli, trilirulá,
Verde, amarelo, vermelho e azul,
Pousou no assoalho um velho sabiá'.

Prosaico

Espera o embuste
Que é dado haver revelia.
A vida não passa de prosa
Repleta de enganação
Contada ao som do alaúde
Pra dar poesia à monção.

Transversal

Ao verso em trejeitos desfeitos
Resta ser paradoxal
Reverso trajando defeitos
Cisversal.

Transaeunte

Topou no meu calo
No nervo latente
Da minha carência
Um transeunte
Um cálice envenenado
Soltou-me um latido
Preso no corpo
Dormente
Quente
E enveredado
E mordeu minha boca
Na altura dos dentes
Agarrou-se aos batentes
À janela, ao manto,
E enrolou nas minhas pernas
Encarnou minhas fendas
E o canto, e o canto,
Das vozes amenas
Levando as gangrenas
Na seiva escorrendo
Dos braços, das mechas,
E as brechas soltando
Mostrando as veias
Do ente encravado
Em virtudes obscenas
Nos corpos lacrados
Desalgemados
Abraçados à noite plena...

E sou novamente passante,
Tratante apenas,
Um corpo errante
Entre novenas.

segunda-feira, 8 de abril de 2013

O que zarpou, o que sobrou

Um dia você chegou
E não me vendo
Tendo eu partido
Do seu achego
Encontrou sobre a mesa
Um prato frio
Sem sinal de amor
E soube sobre o sobrado
Lacrado
As sobras de lã
Lacrimejada
A gemada do meu amanhã
Gelada no congelador
Largada
O núcleo da dor
Batido e selado
Num pote de Arpoador
E restos de felicidade
Aromando em cidade
Amorando
Pelas ruas
Peles nuas
E os cabelos acalantos
Deixados num canto
No liquidificador.

Esteta

Esteta,
Esteta,
Esteta...
Abordagem incompleta
Leva a Creta
E lá dentre as imagens
Inconcretas
Fica um labirinto -
E o fim já sabes.

Hiato II

O grupo de pessoas que sou
Soou nos frutos que dou,
Mas a gruta em que atiro
A colheita de mim
Recusa-se a ser feita
De pessoas.
Ressoa na caverna
Uma taverna;
Entretanto, gelatinoso
O seio rochoso
Entre tantas vozes
Absorve e recolhe
Silenciando enquanto caem folhas -
Amontoando nas escolhas
Da lagoa de letras desmanchadas
Num (br)eu ocioso -
Em falso.

Hiato I

Artista maculado
Desarticulado
Desarte calado
Descartilhado
Ilhado
Hiato.

sexta-feira, 5 de abril de 2013

Para falar de pedras

Para falar de pedras
Pleiteio aos padres; às florestas; até às águas.
Busco neles imagens, berços e metamorfose.
Nas matas as vejo aos montes
Aninhadas entre os sebos de folhas mortas
Pincelando agudas uma constelação no tapete,
Escondidas da transformação.
Nas catedrais polidas à mão
Desenham a santidade do humano
Esculpindo rostos em suas linhas deformadas
Para caberem na nossa razão.
E aos mares as encontro indispostas
Retorquidas à força das ondas
Esfarelando nelas uma essência salgada
De areia que aglutina no chão.
Contudo só nas plêiades se mostra
O motivo de haver pedras.
E esse moto é tão vão
Que nem vale comentar
Afora a observação.

quinta-feira, 4 de abril de 2013

Indesejoso de mudar

Se não fosse a fissura na lisura
Seria a lisura da fissura.
Seria fixado e mal-amado
Se não leviano e mal-quisto.
O amargo é o meu prazer,
O aspargo meu doce
E fosse que não,
Outrossim.
O desejo não se corrige
O relevo não se infringe -
É tempo demais para domá-lo,
Tempo que em vida não há.
E mesmo se houvesse não se sabe
Se os rochedos que escorrem ficam lá
Ou saltitam no vento polenformes
Tentando voltar a cumear.

Cena de essência crescente (ou Cena de amor)

Você tem cheiro de mar
E chuveiro
E shampoo
E suor
E saliva
E coxas
E sexo
E jantar.

quarta-feira, 3 de abril de 2013

Perambulação à contra-mão

Perambulando pela vida cotidiana
Vi-me atordoado de tédio.
Não desses que alagoam
Atolados na lama sintética do indesejo;
Pelo contrário, castiga-me
Um vime chibatando o cérebro
Dia a dia nas imitações
Do dia-a-dia.
Assim descobri-me escravo.
Encontrei no seio a parada cardíaca do trabalho
Com falta de sexo.
Nexo.
Chame como quiser.
As cicatrizes na mente
Que condizente levou o cancro ao coração
Da cidade em que me anexo.
Desbravei no subconsciente
Uma pandemia estética,
Uma pneumonia hermética,
Pairando em todo passado.
Os pulmões daqui estão deveras passados.
A ética do asfalto encarece a cura
De quem deseja ser curado.
É tanto tédio rolando solto
Que só um bem-aventurado passo em falso
Pode nos desprender -
A nós, os loucos transviados
Preambulando a desintoxicação
Num caldo de caos poetizado.

terça-feira, 2 de abril de 2013

A nossa medida

Quantos carros parei,
Quanto trabalho atrasei,
Quanta cidade enrosquei?
Quanto tráfego vali
Quando na vala, no vão,
Na vida, ou não,
Caí?

domingo, 31 de março de 2013

Eu-mirim

Cálice inverso de mim
Entorna ao invés de guardar
Colide no espaço da sabedoria
Com a versão eu-reverso
Que é fonte e ajunta
Em vez de jorrar.
Corpo infiel mirim
Pequeno para a reserva
Do íntimo fervilhar
Prefere espalhar no universo
Traindo meu dimensionar.
Palavra de curumim
A serviço de um restelo
De eterno despalavrar
Arando sem o consentimento
Do eu-reverso a minguar.
Alma de Shirin
Trocando o amor
Por constante debulhar.

sexta-feira, 29 de março de 2013

Algo que desejo


Sonata for Violin and Piano in G minor, de Claude Debussy

Pleiteio
Pareço um corpo cheio
Passeio no meio de algo
O sangue correndo
Os olhos vibrando.
Algo me recorda,
Acerta a veia,
Mas não acorda;
Algo que pleiteio
E me olha
Com vazio animal
De caça quando busco ensandecido
Um ritual -
Algo que me veja
Como mais que uma lembrança distante.
Tanto peço,
Tanto esmoreço,
Tanto esqueço
E perco sem perceber.

O inferno são os outros

Medo.
Medo de viver em degredo.
Passivo. Segredo.
Passar os dias
Remisso das bolhas
Num omisso ver.
Saber
E ainda arremeter
Contra o lago de fogo
De são permanecer.

Tempestar


Afável vilipêndio
Pende instável
Hora vil, hora ameno,
Um pêndulo de incêndio
Não passa sem adendo
Estendendo o passo
Fora do compasso
Trêmulo contar de tempo
Correndo assaz
Socando o vento
No rastro aberto
E recluso que perfaz.

quinta-feira, 28 de março de 2013

Rodamundo

Tudo em que resido ruma ao leste.
O leste é inevitável.
Tudo me traveste
E roda a saia.

quarta-feira, 27 de março de 2013

Quem pensas que és para tirar-me até o sono?

Insônia louca afoita
Sonâmbula pernoita
Nos olhos açoita,
Rasga abertos
Descobertos
Incertos
E a dor que em dia exime de seguir
À luz da lua obriga a existir.

segunda-feira, 25 de março de 2013

Alegria

Salve a alegoria que vem lá
Dobrando a esquina da quinquilharia
Atravessando a rua reta
Tocando escondida
No horizonte atrás das casas!
Olha ela chegando
Toda em cima, agitando,
Com sua galeria dançarina
Corando a vizinhança
Extasiada a sambar!
Salve as plumas,
Salve as rosas,
A fantasia e o sabe lá!
É bom saber nada de enredo
E na festança se enredar
Barulhando passaredo
Nos ouvidos apitando
E nos pés degringolar!
Salve, salve alegoria!
Quem pudera todo dia
Ver passar a alegria
Atropelando o mal-estar!
Mas é lei que findaria
A bonança em romaria.
Conquanto vai-se embora
A melodia do agora,
O silêncio e a tristeza
Fazem parte de sambar.

domingo, 24 de março de 2013

Quais quais

Quais querelas
Qual velas
Queremos sem saber
Quaisquer delas
Queimadelas
Que fazemos sem querer
Quebram nelas
Caravelas
Ventos de mazelas
Que não podem se escolher
Empurrando às portelas
Quebradelas
Que caímos para ser.

sábado, 23 de março de 2013

Invernal


Gute Nacht, de Franz Schubert

A casa que tanto abrigou minhas melancolias
Hoje parece-me estranha.
Saiu do lugar e partiu à nevasca.
Vejo pela janela as placas de rua artesanais,
Os pinheiros esguios e flocos de neve
Dependurados em galhos secos
Assumindo uma cor rosada, fingindo ser botões.
Há ainda umas samambaias espiando escondidas na ilusão,
Uns coqueiros migrados tentando entender
A alvura do chão.
Mas sobremaneira me arrematou a jornada de inverno
E de resto aqui estou.
Um chalé repentino nos Alpes
Cercado pela escuridão de florestas
Num misto desnudo e pinhal.
Nada me é natural.
Onde, samambaia, foi parar minha terra cabal?
Não posso com esse Natal medieval,
Essa cruz exposta em risco sobre o vidro.
Sou anti-cristo... Anti-cristo demais para isto.
Volta-me, Mefistófeles, à rua da minha vida;
Faz sumir a agonia desses ares arredios,
Condena-me novamente à sofreguidão do sol.
Põe, ao menos, a imagem da Virgem
Embaçada na vidraria;
Que eu toque seus lábios até apagarem
No sopro de meus ansiosos pulmões.
Volta, bananeira, do teu funeral.
Sai da brancura sepulcral,
Estende suas folhas e deixe que as toque.
Mas como? Como aqui vim parar
Junto aos restos apagados do meu tropical
Embalado na neve e no gelo externos?
E assim, como súbita, vem a gangrena
E o sono vadio,
Tão perfumoso em seu chegar.
Com eles, a samambaia
E um alívio -
Mesmo sabendo delírio dentro do delírio,
A jornada chega a seu final.

sexta-feira, 22 de março de 2013

Hambriento

Estou hambriento,
De ambiente lento,
Alambrado alento,
Desatento ao movimento,
Desafeto.
Tento, tento, tento
E só me alimento de vento.
Tivera um fragmento do teu sopro
E eu sem mais momento
Devorava o ar
Sedento que estou.
Sedento...
Sedento...
Hambriento por dentro.

Lôra


Lôra, lôra
E lorota boa
Fora assim a broa
Petiscava sempre
À proa da vida.

Amo

Amo,
Meu amo,
Não deixe que vá
A sombra do açoite
Ao berço do leite,
Não deixe que deite
Sangue na noite,
Não faz essa noite má.
Amo,
Meu amo,
Sou tua, deleite,
Sou ama do leite
Mas leite me dá.
Não mata o enfeite
De minha Iemanjá;
Não me defeite
Com amor de amo,
Eu não reclamo
Eu juro que amo
Escondida na noite
E depois saravá.
Amo,
Meu amo,
Sou ama do leite
Como derramo
Se em cicatriz
O meu seio inflamo?
Amo,
Meu amo,
Pensa no amor
Que aos teus pequeninos
Dedico em meu leite
E deixe-me estar
Depois da varanda,
Depois do escuro
Quando o sol vem lá.
Amo,
Meu amo,
Deixe no escuro
O nosso segredo
Mas não obscuro
O ar que se me dá.

quinta-feira, 21 de março de 2013

Qual a arte que quero ser.

Qual o ser me quer a arte.

Qual querer a arte me ser.

Qual a arte quero mente penso morte.

Cognição que não permite enlouquecer.

Claraboia

Cabe no quadrado sol pintado
Atravessado no meu quarto
Uma boiada prateada;
No feixe, na espada,
Na poeira esvoaçada
Rodando cascos de luz.
Há quem veja na manada
A corredeira amansada
De si boiando iluminada,
Ceifada num coice de sol.

terça-feira, 19 de março de 2013

Fugaz, salpicado e veloso

Meu tão veloso dizer
Salpica fugaz
Um numinoso prazer
Sem ser mas ter
Numa parte do corpo
Um doer luminoso
Que...
Não. Não posso dizer.
Ter no pescoço um poço,
Na língua um osso
E o fosso escuro
Repleto de meias palavras,
Metáforas santas
Que o esqueleto tão humano
Não ousa querer.
Tenro sofrer
Quasidivino
E terreno demais para crer.
Prefiro estender a dura língua,
Pingá-la na tinta
E ver no papel escorrer
Uma forma profana de versos.
Aí, então, posso saber
Que falei de amor.

Dama da noite

"Um espectro ronda o mundo: o espectro do Capitalismo."
Cena de Cosmópolis (2012), de David Cronenberg

Não aguento mais
O fantasma escondido
Atrás da dama da noite;
Não me peçam que suporte
Sua carne carcomida
E seiva estragada
Escondida num tronco formoso
De flores perfumadas.
Eu vejo suas folhas e sei.
Sei bem de onde vem esse verde,
Esse higienismo de ar
Cheirando a pecado
Que me quer limpar.
Sei bem da caveira maldita
Escondida na noite
Com seu vestido de noiva
E odor de jasmim.
Sei que é você quem está aí,
Espectro.
Sei quem você é.
Sei do seu passado.
Só não sei te exorcizar.

segunda-feira, 18 de março de 2013

Carta de amor frio

Faz frio aqui, amor,
Na pele desnuda e praieira;
Um frio tropical
Entrando nas frestas
Do meu calção, da camiseta,
Esgueirando os pensamentos
Que quanto mais frios
Mais efervescem,
Como queimar em gelo,
Mas em fino ar.
Eis aqui um corpo frio
Que, como diz o poeta,
Perdeu o ridículo de amar
Em cartas ou sei lá.
Voltou à insipiência
Da adolescência
Mas sem paixão.
E pode ser, então,
Que seja ridículo,
Mas de maneira
Tão corriqueira
Que se contradiz.
Esta era para ser
Uma carta de amor
Ou saudades
E no entanto fria como está
Só pode ser de maldades
Mandando tristeza embalada
Ao som de cartas de outrem
Que talvez possam lhe sustentar.
Ou ao menos sustar a incerteza
Do que lês numa tentativa
De te assegurar algo mais que frieza,
Queimar-te com o amor
Mesmo gelado e roubado
Que quis enviar.

quinta-feira, 14 de março de 2013

Fins inconsequentes

Ele estava ali cadente,
Encoberto, a cabeça
Levemente recostada.
O peito aberto, como
Raramente costumava se
Deitar, olhando o teto
Quasilonge contornado
Pelas luzes da janela
Cortinada, e quase
Nada. Um relento
Respirar. As mãos,
Então, já levemente
Começaram a formigar.
A escuridão passou
A se intensificar,
Misturando um fim
Do teto com a vista
Sonolenta e um dormente
Apagar da mente
Que foi, sabe-se lá
Se à luz de um
Pós-poente, se a um
Estado consciente liberado
Ou um discreto sussurar.
Não importa. Importa
Que ficou um corpo
Ausente, diferente de
Nós outros, muito
Pouco para sequer
Confabular sobre os
Fins que se fazem de
Repente, inconsequentes
E inconscientes parecem
Descomeçar.

quarta-feira, 13 de março de 2013

Prosopopeia

Prosopopeia
s.f.
1. A epopeia da prosa; o caminho por onde a ideia entrosa.
2. A centopeia charmosa que serpenteia ardorosa.
3. A teia ardilosa; a ceia conflituosa das aranhas nervosas*.

*Aranhas nervosas: conexões neurais, ou só palavras em poesia polvorosa.

Redescoberta

Malditos são os papéis
Desenhados em mim
Do mundo - as pessoas.
Maldito o mundo
Desenhado em papéis-pessoas
No palco de mim.
O feitiço inevitável de mim
Entornando poções nos corpos
Da mentalização e dando-lhes vida,
Uma vida amorfa,
Minha neles.
Mas benditas são as pessoas
Que estilhaçam a minha hipnose
E enxertam na mente uma dose
Do mundo que são.
Mesmo que seja um instante,
Uma descarga de realidade
Queimando os arquivos
Da minha construção
Somente para das cinzas
Erguer-se de novo,
Nova a encenação;
Mesmo assim benditas.
E benditos os momentos
Da emoção de redescobrir.

terça-feira, 12 de março de 2013

Desamor

(Nocturne No. 1 in B-flat minor, Op. 9 - Frédéric Chopin)

Nunca nevei desamado,
Um novelo de lã desatado
Rolando e deixando de ser
Num rastro vermelho e macio.
Nunca fiquei desalmado
Num papel amarelado
Deixando de lado o olhado
No preto e branco vazio.
Nunca quis ser encontrado
Só ser perseguido
Por um sentimento
Passando nos dias a fio.

O conto despetalado do jardineiro



Chega desses amores-perfeitos,
Disse-me Rosa.
Aqui está um copo de leite.
Beba e vá plantá-los,
Ordenou derradeira.
Se parar para pensar,
Na verdade foi bem sorrateira.
Veio olhando torto as flores que eu escolhera
Há tempos, cada vez mais.
Desdenhou-as pacientemente
Até murchar seu jardineiro.
Quero pensar esse jardim
Tão meu quanto dela,
Mas ela desfaz os floreios de revolução
Que brotam proletários na minha mente.
Por fim, é dela. Ela sempre venceu.
E os meus amores-perfeitos
Foram dando lugar aos copos-de-leite.
Agora depois de todo orvalho
Pingam gotículas pelas pétalas leiteiras
E molham o adubo sem cerimônia
Onde antes brilhava o chuvisco
Sobre as minhas perfeitas.
Virou todo dia do jardineiro
Um amargo gosto de leiteiro
Deixando escapar uma lágrima
Por cada amor verdadeiro.

sábado, 9 de março de 2013

Marília

Marília, minha filha,
Escute bem.
Deixo aqui uns versos
Pois de resto não se aprumam as palavras
E o gesto que desejo não lhes vem.
Espraia a maresia,
Ora às matas, ora às ondas,
Rolando nela a dor e a alegria.
Na vida uns escolhem ser das águas
E afogar suas mágoas
Navegando numa longa romaria.
Outros preferem ser das terras
E enterrar seus males
No acampado chão da pradaria.
Teu velho também pensou
Ser uma decisão a vida
Entre a costa e a enseada,
Mas não soube a qual pertenceria.
Agora, como espectro de poeta
Levitando à deriva na brisa,
Pensa ter descoberto em sobrevida
O segredo de sua sabedoria.
Se servem, Marília, estas palavras
De conselho que decidas pro teu bem,
Faz delas um bote e uma choupana
Sazonal, como o tempo te convém.
Medita, Marília, o pensamento mais insano
Aquilo que te faz um ser humano
Decano das tuas horas,
Sacerdote do teu plano.
Medita o sacrifício em teu altar
O feno que forma o teu subterrâneo,
Descobre o teu segredo mais profano
E o pano que te oculta como véu.
Então, com vista limpa como o céu,
Verás que és um mar mediterrâneo
E uma ilha pequenina no oceano.
Sinta agora o som do teu tambor
Titubeando a linha do horizonte
No deserto chamuscado dos teus sonhos;
Mergulha nessa areia líquida,
Enterra-te em seu caldo obscuro
E saiba, Marília, que isso tudo
É uma só coisa sob a brisa movediça.

sexta-feira, 8 de março de 2013

Revolução da ótica escutada

O periódico alegórico
Da minha mocidade está passado.
Alegre sub-ótico manchado
Desfoca na cidade,
Aloca um mêlée no meu Estado -
A sabinada dos meus olhos errados.
O meu refluxo auricular
Jorrando revertério na calçada
Pintando musicado no despótico
Prazer de fazer nada.
E cai minha visão desenganada
Suspira a audição sua última tragada
A cada rouquidão asfaltada
Na cidade deformada
Ao som do meu carnaval.
Eu sou esse canteiro colorido
De cores escapadas do contorno.
Eu sou o cinza claro do florido
Periférico fazer da minha mirada.

quinta-feira, 7 de março de 2013

Caiaque

Sou de caiaque e remo
O rio caiado
Sou cacique do meu fado
Sou de caiaque e remo
Um cajado,
Meu cacife bem forjado
Sou de caiaque e remo
No calado
Pau-a-pique estiado
Sou de caiaque e remo
No recife...
Deus! Recife! Meu cacife é forjado!
Sou de caiaque e remo
Onde está o meu cacique?
Meu supremo? Está calado!
Sou de caiaque e remo!
Se sou caiado
Como resto em mar quebrado?!

Era caiaque e remo
E cai aqui nesse recife
Nesse estado.

quarta-feira, 6 de março de 2013

Memórias que talvez não são

Quero escrever sobre o passado,
Mas o presente não perdoa.
Não doa telas limpas
Onde eu possa pintar.
É um poderoso patrono
Esse presente;
Sabe sempre dar um puxãozinho,
Um retoque prático,
E consegue o que quer.
Mas não me acanha esse tacanho.
Vou alto no imagético,
Expandirei o tempo
E talvez arranhe no trajeto
Um Panteão secreto
Um Pavilhão Dourado
Onde o agora faz-se abjeto
E resta andar por outro chão.
Um de tábuas mornas,
Ladrilhos de madeira
Cujo nome foge
Na pequenez do meu saber.
Seu encaixe é um mágico
Tapete em ziguezague
Onde às vezes se destaca
Uma peça meio solta.
Se puxar com o dedo ela escapa
Revelando suas faces menos lisas,
Que não foram brilhadas.
Eis aí uma relíquia
Que o tempo não me rouba:
Os dedos acanhados
Na imensidão da sala
Surrupiando uma esmola,
Um pequeno grão de espaço,
Onde possa me agarrar.
Devemos tomá-las sem receio.
Aprendi isso na casa dos avós,
Aquela primeira,
Onde agarrávamos a cerca do quintal
(As grades onde hoje nem me passa a cabeça)
E rodávamos feito cipó.
Aquele espaço cinzento
Onde, acho, ralei o joelho,
Era miúdo, mas dava para brincar.
E ali na frente uma velha árvore.
Não lembro quais seus frutos,
Mas era trepadeira dos outros
Onde nunca vi coragem para escalar.
Subir nunca foi meu forte.
Já morei em casas altas rumo ao céu
Com varandas cujas bordas bamboleiam.
Nessas agarrei-me mais que nunca
Temendo o "lá embaixo"
Espreitando tubarão.
Assim como gelei frente aos mares
E sentei ali na areia
Agarrado ao mole chão.
Ali peguei um punhado de amarronzadas
E as deixei meio escapando
Nas ondinhas que chegavam
Ousando terra adentro.
E assim mesmo atravessei
Pelo templo desgarrado
Das lembranças que agarrei
E novamente se escoaram
No presente me chamando
Esquecendo onde findam
As memórias que talvez nem são.

sábado, 2 de março de 2013

A fábula do poeta

O que sou para ti, poesia?
Um pedaço? Um frasco?
Um resquício amorfo do teu percalço
Aglutinado na sombra do tempo
Bebendo da tua fonte
Somente quando me esbarra
Um beduíno transeunte
A procura de um oásis?

És minha casa.
Pousada. Descanso.
És o destino das minhas eternas viagens,
O desejo das minhas miragens.
O vinho do qual causo embriaguez,
O ritual de invocação em que me comprazo.
És a sorte que me alcança,
Fortuna domadora da minha paixão;
És meu amante e meu atraso,
Enquanto paro nas horas do dia
E me aconchego no teu abraço.

E tu, poema, que pensas de mim?
Sou-te uma deusa misteriosa?
Uma ninfa fugaz, descompromissada,
Andarilha perniciosa?
Sou mais que um botão de rosa
Que desabrocha, falseia e desgarra?
Passo de chuva que te umedece
E apaga ao sol, perdida no espaço,
Esquecida até a sede provocar teu anseio?

Tu, poesia, és meu encalço.
És minha crença, minha prometida.
Se és divina, és por mim conhecida.
Sei das tuas trilhas e dos teus passos.
És meu abraço,
O mesmo calor com que me faço
Servinte, fiel e amasso.
És a paz que me chama,
Mesmo à distância e no mormaço.
És as estrelas que pairam longínquas
Mas cujo brilho é certo e constante
Até nas noites mais solitárias.
És o vício máximo
Naquele momento em que chegas
E eu, caído aos teus pés descalços,
Sei que, mesmo oposto conjunto
Contraditório ao mundo,
Somos.

sexta-feira, 1 de março de 2013

Assombrosa magnificência de mais um ser a respirar

Lá vem aquela velha brisa passar.
Lava minhas penas ao som das hélices
Metralhando meu flutuar,
Mas mergulha nas minhas entranhas
E como lava ardente,
Sarça que não quer queimar,
Varre minhas vias lisas
Até delas algo plumejar.
Nas nuvens, pois, amansado
Floreio por dentro um grosseiro espinhal
De penas avessas, com suas pontas agudas
De folhas a esverdear.
Ai, como dói essa beleza alada
Planando num fogo espesso,
Mas leve o suficiente para semear
As rasuras de caule que arranham,
Aranham meu esôfago
E labirinteiam o meu respirar.
Não sei quanto do belo e quanto do horror
Aqueles que por perto passam
Olhando esse bicho de asas, de brasas
E folhas noviças entrelaçadas
Conseguem enxergar.
O que pensam do semi-astro
Pairando no céu, soltando chumaços
De penas, galhos e fogo
Que vão caindo, caiando os ares
E se consumindo até sumirem
Como se fossem uma simples miragem.
Talvez nem me percebam lá
Ou me confundam com um resquício de poluição.
É possível, aliás, que estejam certos.
E aí o que creio assombro magnífico
Não passa de vaidade
E as duras penas que a todos impõe essa vida
Nessa cidade.

quinta-feira, 28 de fevereiro de 2013

Imaterial avesso das minhas andanças

De trás
Meu rastro perfaz
Um desejo de voltar atrás
As memórias da mente sagaz
Escolhidas em momentos mais
Importantes; ideais.
Mas não importa;
O retorno é o que me compraz.
Colher os segundos deixados
Enquanto o tempo se desfaz,
Desviver os dias partidos,
Fazer emoções avessas
E deixar a memória seca
Desmaterializando lembranças fugaz.
Assim ela não me escolhe;
Assim ela não me faz.
Assim é quase nada,
Um atônito despasso de paz
Do qual, quiçá, nem a morte é capaz.

quarta-feira, 27 de fevereiro de 2013

Torpe e despudorado andor poético



Peça o que for.
Pôr a cor numa peça
Da mente somente enquanto
Pedaço ela for.
Depois ela espalha contente
Nas veias - sente! -
E despede em torpor.

Peça o que for.
Pôr na boca da gente
A fala de peça
Que derrete em ardor
Antes que o lirismo do palco
E do lábio quente
Dissipe em pudor.

Peça o que for.
Prega uma peça em meu ente
Interno e ausente
Com palavras de amor
E deixa que entenda somente
Quando elas partirem
Como procissão carregando o andor.

terça-feira, 26 de fevereiro de 2013

Mito da criação

Na estrelaria urbana
Das choupanas cimentadas
Elevadas tropicais
Sobre o asfalto e a folia
Dos julinos carnavais
Uma jovem rainha
Encontra um mouro.
E do ouro que faziam
Sob as luas, tantas tais,
Abril abriu perdido
Minha vida, meus anais,
De festas, tropicália,
Monarquia e serviçais.
Canto, então, chorinho
De chuvisco e sol
Nas pracinhas estreladas
De poesia e alegria,
Nessa terra que me quis
Tal qual a quero,
E nada mais.

domingo, 24 de fevereiro de 2013

Pirofagia

Piro
Na junta de boca
Beiços secos, grudados,
Encarnados, rasgados.
Piro
Na facimetria
Sangrenta, visionária,
Sacrifício a Quetzalcoatl
Cheirando ao rumo do sol
E seu fogo.
Antropofagia,
Cabeças decapitadas
Serpenteando-se
A devorar.

Juncos do amor

Eu não sei bem, amor,
A cor dos teus olhos.
Perdoe que desconheça
O tecido dos teus pensamentos.
Sou de uma malha
Que não enxerga seres humanos;
Beira em caleidoscópios
Criando projeções prolixas,
Mas muito poucas.
Enxergas-me bem com teus olhos desconhecidos?
Vês a minha visão?
Notas dentre o sobretudo
O ciclo completo de mim?
Veja, sou difícil de notar -
Este mais um atributo maldito
Da tecelagem que me entornou.
Sou de não ver e sou invisível,
Uma sombra que por ti passou.
Talvez nem tenha tocado,
Somente assombrado teus ombros
E afastado nefasta
Numa nuvem de desencontro,
Tão humana e contudo fantasma,
Escorrendo na minha memória
- Ou seria na tua? -
Abundantemente velosa,
Coisa de elementos que souberam amar
Mas engolidos em si esqueceram;
Ou deixaram para lá.

Amor, eu não sei o que dizer.
Sei que são castanhos,
Mas isso não basta.
Os juncos de tua íris
Escapam-me
Num egoísmo penoso,
Mas também numa dolorosa consciência
Do que escapa de ti.

sábado, 23 de fevereiro de 2013

Validade

Vale a pena?
Vale, apenas?
Penso que não.
A luta por retidão
Do corpo à mente
Sobe às copas da razão,
Sobe o reto anseio
De ansiar não mais.
A gruta do consciente são
Crua no ente
Que não entende a tropa,
A fantasia usurpando seu posto,
Sua prerrogativa de encosto.
Ao que responde o novo inquilino
"Quem és, se não eu?
Que vale lutar contra ti?
Que vale tentar não sumir,
Se não somes, somente retomas?"
O ente, inconformado,
Devaneia lentamente.
Vagueia ao acaso
E enquanto vai se tornando invisível
Questiona quanto vale
Sua autenticidade.
Vale mil dias de sanidade?
Vale cem dias de paz?
Vale dez?
Valium?

quarta-feira, 20 de fevereiro de 2013

Pax cerritulus

Hoje durmo;
Amanhã sabe lá.
Os anseios tão cheios
Os nervos maduros
Os seios escuros
Os ventos acolá.
Hoje sumo;
Amanhã quem será?
Se no peito o insumo
Não souber ficar
Eu rumo do mundo
No sono profundo
E amanhã Samsara.

terça-feira, 19 de fevereiro de 2013

Sacro teatro da perdição

Ecce hominídeo,
Salvo as faces,
Mira o fundo
E é mirado em retorno.
Salvo as faces,
Pertence a Tezcatlipoca
E o negro norte
Que lhe aguarda.
Vaga nas pontes caiadas,
Kabuki abastado de pó -
O branco por sobre o rosto
Que gira a fronte
E desvia o olhar.
Espreita à espera,
Em fuga constante,
Salvo as faces
Tão tolas e vãs -
Elas, que não sei o que são.
Sei só que fugiram do controle
Das leis da morte.

quinta-feira, 14 de fevereiro de 2013

Issí

(O poema que descrevia o rio Issí, que me apareceu num sonho.)

O maior rio de águas vermelhas
Quando delas se encher.
Engole sobre as pontes de madeira
Aquilo que por elas se mover
Sem saber das cheias de Issí
E à madeira não pensar em se prender.

sábado, 26 de janeiro de 2013

A Era dos jardins suspensos

Eu sou do tempo, da terra e do povo
Dos jardins suspensos.
Curtos: podados e pequenos.
Arestas aparadas no trecho de grama
Recluso entre casas e calçada.
O aperto dos terrenos privados
Que não cabem em si,
Vazando nas bordas
Através dos troncos tortos
De árvores esmeradas
Em estender o verde por mais um mísero metro
Sobre a via pública.
Dos jardins que pairam na mente,
Suspensos na imaginação
Daquilo que seriam, se ao menos...
Dos jardins alaranjados de Whisky
Fluindo na seiva supersticiosa
De gente que não sabe mais ser contramão.
We, the people.
We, the indigenous.
We, Iaras de metrópole,
Mitos de jardim na civilização.
Das lendas de tribos selvagens
Perversas em canibalismo
Serpenteando os jardins
Dos sonhos pequenos,
Imersos em autocomiseração.
We, que nos devoramos;
Que desaprendemos a dança,
O passo, o pulo,
De um trecho de chão
Para outro além das nossas mãos.
Vivo na Era dos jardins suspensos,
Proibidos na terra
E na emoção.

terça-feira, 22 de janeiro de 2013

Marechal de cidade

Marcha, marechal, na aurora;
Manda na tua hora;
Mancha a camisa e desflora
Num rateio de emoção-desequilíbrio
Ratazana entocada
Esburacada rola os trilhos
Descarrilha, desvalora.
Manca torto e rato rua afora
Que o destino da tua vida,
Tua batalha, tua glória,
Não é teu, é de ninguém;
Não vem amanhã,
Nem vem agora.

sábado, 12 de janeiro de 2013

Sentimento sem nome

Melancolia velha,
Letargia quente
Formigando a mente,
Nostalgia espelhada...
Reticência remitente,
Saudade vagarosa,
Espalhando esponjosa
Em veias antigas
Apagadas no contorno
Do rosto,
Retomada repentinamente.
Quase dúvida,
Ousada e descrente,
Mas amorosa,
Pousada e fluente.
A deriva sonhadora
Do passado no presente,
Imaginário do ausente,
Na corrente rápida do meio
Mas de bordas letárgicas
Sintônicas à margem,
Sinfônica miragem
De repente
Lentamente
Em estiagem.