terça-feira, 30 de abril de 2013

Viés

Trai-me todo dia,
Traz-me flores arredias
Tração bolera arrastando os pés na enxurrada
Põe minhas mãos entre enxada e espada
E me obriga a um ritual constante de suicídio
Por qualquer via que resolva
E nada resolvido.
Ritos de complexa amargura,
De ternura e ansiedade
De idade que não chega mas não passa
E as ruas secas como passas
Quando passas novamente no semáforo
E o diácono proíbe arremeter
Contra a orla do destino -
Vem em ondas e arremessa novamente rente à praia
E lá vai corpo balançando na enseada
E lá vai dia
E lá vão flores
E lá vai vida.

sábado, 27 de abril de 2013

Berra que vai pra lá

Eu não sou daqui, dessa terra.
E quem é, meu bem?
Não sou de viver em estado de guerra.
E quem quer, meu bem?
Não sou de moer cana velha.
E quem é, meu bem?
Não sou de fazer como abelha.
E quem quer, meu bem?
Não quero ficar nessa terra
Em nome da guerra velha
De viver como abelha.
E quem é que não quer, meu bem,
Sacudir a poeira,
Largar a peneira
E viver em Camberra?

sexta-feira, 26 de abril de 2013

Vrainaus

Livrai-nos do mal, amém.
Livrai-nos do mal, homem.
Livrai-nos mal, homem.
Livrai nós maus.
Livrai naus.
Navegai
Nos ais
Eternos
Amém.

quinta-feira, 25 de abril de 2013

Derivações sobre a forma

Quem ama precisa externar?
E como se externa?
E como é preciso?
A imprecisão parece reinar;
A incompreensão e os mal entendidos.
E não há um ponto
Em que se rescinda o amor
Por excessivo desencontrar?
Alguma forma de interrupção sem dúvida há,
Mas é de amor
Ou é só de vagar?
É tudo muito vago nesse complexo de amar.
Amor escondido,
Amor distorcido,
Amor que fere,
Amor ferido...
E quem há de dizer que nesses amores amor não há?
Quem ama precisa amar?
E se quisesse um desamor
Desfaria?
Não há, por dentro ou por fora,
Resposta que interne ou externe
O que por esse nome desejo chamar.
Amor não é chama.
Amor não é paz.
Amor é nada
E ainda assim jaz.
Amor não é flor,
Mas jasmineia um algo ardiloso
Que eu prefiro não elucidar.

Lexicalidades

Devo a você as congratulações
Pelo ato de vida que não te consome;
Devo as bajulações da balburdia cansada
Que desafinada não sai do tom;
Mas não darei.
Devo e não pago.
Eu não sei distribuir carícias
Nem confabular trivialidades;
Sei nada do que não seja ensejado
Sem plano de fundo
Ou razão de ser.
Não quero envolver minha tralha
De mente atrapalhada
Com sua vocação de tecer.
Prefiro deixar meu deslexo confuso
Bem longe das suas palavras puras;
Prefiro morrer engasgado a ceder.

sexta-feira, 19 de abril de 2013

Macaque

Sotaque forte no meu charque
Carregado de conhaque
Nas barbas de macaque
Glutão que sou.
A vida são menos afazeres
E mais prazeres de primata.

quinta-feira, 18 de abril de 2013

Onde fica a Consolação?

Ontem no metrô havia
Um musicista meio desafinado.
Batia no pé um pandeiro
Ecoando no corredor,
Reverberando no chão,
Rachando no coração...
Levava na boca uma gaita
Que desfiava no ar
Um ruído estridente;
Suponho chamar-se canção.
Supus muita coisa
A caminho da Consolação,
Mas de fundo ficou o incômodo
De alguma coisa naquele misto
De gaita esfolada no vão
E os passos tortos
Que desenhei na estação.

segunda-feira, 15 de abril de 2013

Atear

Vamos atear
Antes que o tear
Decepe no fio solto
Que eu tente consertar;
Antes que mais tear,
Antes que mais teia,
Antes que mais malha social
E mão sangrenta
Atear.

Transgressora

Cada dia eu mais ando nu
Que os Deuses da minha vontade despertam
E alertam de um usurpador pairando urubu
Nas tetas do desejar que me alimentam.
Cada vez mais pelada
Para trazer meu Divino transgressor
Sobre as bocarras abertas
Gemendo de dor;
Para salvá-los do pudor
E da salvação esteta
Que mais cada dia veta
O estilo transado da vida
Que trança na pele aspergida
O signo suado da Deusa ungida
Do andar em falso,
Trilhar foragida um desnudo percalço
E "ah, quem me dera molhada
Sair na natureza e gozar sobrevida".

sexta-feira, 12 de abril de 2013

Deus dará?

Quanto do que vi será?
Será mesmo que vi?
Quanto do que senti,
Quanto do que vivi...
Quanto oásis no deserto
Foi bebido?
Quanto fruto, mordido?
Quanto Éden encontrado?
Eu, maravilhado
Com as plumas do sol
Ou são elas o feitiço
De olhá-lo?
Quanto não fui encantado
Pela mente ansiosa
Procurando a medida certa
De lampejo onde não há?
Quanto do que é deus
Em vida não está?
Quanto do que é vida
Não restou em mente?
E quanto do que mente
Não está ao deus-dará?

quarta-feira, 10 de abril de 2013

Injúria de amor dolorido

Amor.
s.m.
Amido para o grilo; livro molhado; a mordida seca e seu grito. Habita as plantações de milho e os sebos, onde cabe uma praga, um mofado, um doído. Um levante, uma inconfidência, que já pode ter morrido. Pouco se sabe de quem o tenha lido ou comido e não se envenenou.

Tormenta

Locus maldito de mim
Esse amor erudito;
Eros aflito dos loucos,
Erótico lunar
Servindo só para girar
E pairar;
Deformar o teu mar
E lento passar para a escuridão,
Escusidão dos teus pés no chão
Que prosseguem pensando quedar
Por conta própria no rumo do sol.
Atol crescente nas ilhas de areia
Que arreia do centro
Chorando um lençol de migalhas
Para brotarem corais nos entornos,
Sensíveis protetores e declamadores
Cantando da rocha que ebule
E atola no mar
Pensando ser lar de sua vida
E endurecendo no seu migrar.
Só mesmo aos loucos
Cabe amar assim;
Somente uns poucos conseguem atolunar
A tormenta da pequenez.

terça-feira, 9 de abril de 2013

Mosaico dos versos antigos caídos nas graças do meu relembrar

Montei meu mosaico
Com cores arcaicas
De vidros que não sei criar
E quando fui dependurá-lo
À parede disforme, à varanda,
Escorreguei a moldura
Nos dedos caducos
De tanto me cortar.
Os cacos escoaram maduros
Rasurando no chão um desfarelar
Caindo e cantando em conjunto
'Triliruli, trilirulá,
Verde, amarelo, vermelho e azul,
Pousou no assoalho um velho sabiá'.

Prosaico

Espera o embuste
Que é dado haver revelia.
A vida não passa de prosa
Repleta de enganação
Contada ao som do alaúde
Pra dar poesia à monção.

Transversal

Ao verso em trejeitos desfeitos
Resta ser paradoxal
Reverso trajando defeitos
Cisversal.

Transaeunte

Topou no meu calo
No nervo latente
Da minha carência
Um transeunte
Um cálice envenenado
Soltou-me um latido
Preso no corpo
Dormente
Quente
E enveredado
E mordeu minha boca
Na altura dos dentes
Agarrou-se aos batentes
À janela, ao manto,
E enrolou nas minhas pernas
Encarnou minhas fendas
E o canto, e o canto,
Das vozes amenas
Levando as gangrenas
Na seiva escorrendo
Dos braços, das mechas,
E as brechas soltando
Mostrando as veias
Do ente encravado
Em virtudes obscenas
Nos corpos lacrados
Desalgemados
Abraçados à noite plena...

E sou novamente passante,
Tratante apenas,
Um corpo errante
Entre novenas.

segunda-feira, 8 de abril de 2013

O que zarpou, o que sobrou

Um dia você chegou
E não me vendo
Tendo eu partido
Do seu achego
Encontrou sobre a mesa
Um prato frio
Sem sinal de amor
E soube sobre o sobrado
Lacrado
As sobras de lã
Lacrimejada
A gemada do meu amanhã
Gelada no congelador
Largada
O núcleo da dor
Batido e selado
Num pote de Arpoador
E restos de felicidade
Aromando em cidade
Amorando
Pelas ruas
Peles nuas
E os cabelos acalantos
Deixados num canto
No liquidificador.

Esteta

Esteta,
Esteta,
Esteta...
Abordagem incompleta
Leva a Creta
E lá dentre as imagens
Inconcretas
Fica um labirinto -
E o fim já sabes.

Hiato II

O grupo de pessoas que sou
Soou nos frutos que dou,
Mas a gruta em que atiro
A colheita de mim
Recusa-se a ser feita
De pessoas.
Ressoa na caverna
Uma taverna;
Entretanto, gelatinoso
O seio rochoso
Entre tantas vozes
Absorve e recolhe
Silenciando enquanto caem folhas -
Amontoando nas escolhas
Da lagoa de letras desmanchadas
Num (br)eu ocioso -
Em falso.

Hiato I

Artista maculado
Desarticulado
Desarte calado
Descartilhado
Ilhado
Hiato.

sexta-feira, 5 de abril de 2013

Para falar de pedras

Para falar de pedras
Pleiteio aos padres; às florestas; até às águas.
Busco neles imagens, berços e metamorfose.
Nas matas as vejo aos montes
Aninhadas entre os sebos de folhas mortas
Pincelando agudas uma constelação no tapete,
Escondidas da transformação.
Nas catedrais polidas à mão
Desenham a santidade do humano
Esculpindo rostos em suas linhas deformadas
Para caberem na nossa razão.
E aos mares as encontro indispostas
Retorquidas à força das ondas
Esfarelando nelas uma essência salgada
De areia que aglutina no chão.
Contudo só nas plêiades se mostra
O motivo de haver pedras.
E esse moto é tão vão
Que nem vale comentar
Afora a observação.

quinta-feira, 4 de abril de 2013

Indesejoso de mudar

Se não fosse a fissura na lisura
Seria a lisura da fissura.
Seria fixado e mal-amado
Se não leviano e mal-quisto.
O amargo é o meu prazer,
O aspargo meu doce
E fosse que não,
Outrossim.
O desejo não se corrige
O relevo não se infringe -
É tempo demais para domá-lo,
Tempo que em vida não há.
E mesmo se houvesse não se sabe
Se os rochedos que escorrem ficam lá
Ou saltitam no vento polenformes
Tentando voltar a cumear.

Cena de essência crescente (ou Cena de amor)

Você tem cheiro de mar
E chuveiro
E shampoo
E suor
E saliva
E coxas
E sexo
E jantar.

quarta-feira, 3 de abril de 2013

Perambulação à contra-mão

Perambulando pela vida cotidiana
Vi-me atordoado de tédio.
Não desses que alagoam
Atolados na lama sintética do indesejo;
Pelo contrário, castiga-me
Um vime chibatando o cérebro
Dia a dia nas imitações
Do dia-a-dia.
Assim descobri-me escravo.
Encontrei no seio a parada cardíaca do trabalho
Com falta de sexo.
Nexo.
Chame como quiser.
As cicatrizes na mente
Que condizente levou o cancro ao coração
Da cidade em que me anexo.
Desbravei no subconsciente
Uma pandemia estética,
Uma pneumonia hermética,
Pairando em todo passado.
Os pulmões daqui estão deveras passados.
A ética do asfalto encarece a cura
De quem deseja ser curado.
É tanto tédio rolando solto
Que só um bem-aventurado passo em falso
Pode nos desprender -
A nós, os loucos transviados
Preambulando a desintoxicação
Num caldo de caos poetizado.

terça-feira, 2 de abril de 2013

A nossa medida

Quantos carros parei,
Quanto trabalho atrasei,
Quanta cidade enrosquei?
Quanto tráfego vali
Quando na vala, no vão,
Na vida, ou não,
Caí?