segunda-feira, 30 de novembro de 2015

Ressagração

(Invitation to the Voyage - Julia Kent)

Qual das tuas partes já velejou?
Quantas ficaram?
Tantas outras talvez sequer existiram
Exceto no fabuloso do teu imaginário.
Vês que somos viajante, observador e peixe?
Não deixes a espuma das pequenas ondas estourando
Ocultar o arrastar do barco, das pegadas e ossadas.
Faz-te menos presente, criatura.
Encontra o mito bordeado no nascente;
Lá atrás no extremo do continente ele já se pôs.
O mar é só mais um entorpecente
Como as dunas que passaste.

sábado, 28 de novembro de 2015

Minhoca

Minhas ídolas?
Minhas deusas?
Minhas várzeas gigantes?
Minhas decepções?
Minhas erros?
Minhas amores?
Minhas terrores?
Minhoca?

Introdução

Eu não sou mulher. Ponto.
Eu sou machista. Eu sei onde sou machista.
Sei onde ainda exploro os benefícios de ser homem
Cis
Branco.
Falta corrigir.
Falta muito.
Mas
E esse 'mas' requer outro poema

sexta-feira, 27 de novembro de 2015

Templo dourado dos olhos nascentes

Quando penso enfim estar livre
A sanidade me aflige,
Agride meus dedos
Rompendo um capilar no papel
Ao invés da jugular desenfreada
E cobreia as linhas.
Coitadas;
Tão enferrujadas que mal serpenteiam
Quando nasce um sol em cada olho
Para iluminar seus freios.
Que larvinha frouxa é essa
Correndo no caderno-chão?
Ela tenta chegar à fusuma,
Minha katana diz não.
Cansei da serventia do chá
E o kabuki já me rasurou,
Mas falta o bushido se me completar.

quinta-feira, 26 de novembro de 2015

O Portal

(Sem título, 1959 - Rothko)

Está justaposto
Mas não é contraponto
Nem encontro.
Não atravesso
Ou reflexo
Nem verso;
É sangue da outra mão.
'Não me toque!'
Não toco
Mas foco?
Será que sequer troco?
É muito viscoso entre os pilares dos nossos portais.

terça-feira, 24 de novembro de 2015

Xenophon

(L'Oiseau de Feu - Igor Stravinsky)

Vinde, jovem Xenophon,
Rei romano da Pérsia helênica,
Não temas este oráculo louco;
Gargalho para assustar os outros
Que, diferente de nós, não são.
Coma à minha mesa.
Aqui na vermelhidão da garganta de Hades
Podes saber que estás seguro.
O que? Queres saber dos pés invertidos?
Ora, Xenophon, não há aí espanto.
Essas coisas são normais.
Eu mesmo já os tive.
Só cuida para não começares a comer ao contrário;
De resto, quem precisa andar para frente?
Ah, mas eles não são deuses. Não são reis.
Sequer são duendes como teu velho aqui.
Vem, Xenophon. Quando menos esperares
Estarás sentado em teu trono outra vez.
Esta cova do dragão é só um sonho
Para abraçares teu desvairo.

domingo, 4 de outubro de 2015

quinta-feira, 17 de setembro de 2015

Geladinho

Quero comer um melado;
Sentir um mormaço no cangote
Sair de cena ovacionado
Cair do galho sem machucado
Fechar a porta, abrir a janela e por lá ser amado
Quero o frio que só o calor pode dar.

quinta-feira, 10 de setembro de 2015

Por favor leia

Ay poder
Que lyndo el poder
De hablar como quiser
E querer como foder
E que se foda você
Você não tem money,
Nem pele,
Hombridade
Ou querer
Você é uma bosta
No caminho de ser.
Você é o caminho que trilho
No trem do viver.

segunda-feira, 7 de setembro de 2015

Reco-retirante

Recordo meio reco-reco
Ralando um som de contínua repetição
E, embora receoso, repleto de embalo.

Lembro um pouco retirante
Passando sobre a terra num rasante
Arrastando a vida até o solo rachar.

Prefiro os memoriais erigidos em poema
Pois deles muito pouco é possível roubar.

terça-feira, 18 de agosto de 2015

Miro

(Vivir Sin Miedo - Buika)

Vide a miríade de águas correndo ali,
O bambuzal lamacento em que arrasto os pés aqui,
Miriã à beira do Nilo guardando o cesto
Paciente e displicente
Quase perdendo o rumo do embrião,
Ficando sem sexo nem compreensão do mundo
Ousando virar sacerdotisa de um deus sem nome,
Sem corpo, sem alma, sem chão.
Fazer o que?
Os votos da covarde ousadia têm de ser seguidos,
Os ritos, vividos e o medo das serpentes do rio, engolido.

180815

Vou sempre procurar abrigo na rotidão dos meus passos;
Chego algures e lá estão atrás de mim as caverninhas de terra amassada
Mal saídas da fornalha que levo nos pés dolorosos
E já aconchegadas no desassossego,
Mal-passadas sob o arrasto do meu vestido preto
Apagando tão logo acendem,
Assim as carrego.
Olho de relance o caminho passado,
Coleto nas íris os pãezinhos de massa mole e fria,
Venho aqui no caderno e os doo a quem doer quiser.

Vidoca

Quando foi a última vez que entenderam o que falava?
Deve fazer tanto tempo
Mas se nem eu mesmo ouvia,
Que dirá as mentes enfadadas
Cheias de outras vozes em si.
Devo falar em códigos demais
Ou vórtices
Ou vértices sem linha nem cor para encher a imagem;
Devo falar meio calada
Cansada de me dar aos quatro
Ventos
Exaurida e passada
Refletida em quase nada
Como a vista da ribanceira fracassada atravessada em minha cidade.
Se antes era Tietê berrando fétida à beira-estrada
Hoje estou mais Vidoca,
Trêmula com tanta troca de pele
Trazendo um cheirinho ralo de esgotinho mais ou menos.
Ralada de excessivo sentir,
Mas sem abandonar a dorzinha no fundo do leito
Que me fala ensurdecendo vocês todas,
Vozes de outrem.
Vocês aqui somem.
Passem longe dessa cerca quebrada;
Aqui só tem mato.

terça-feira, 4 de agosto de 2015

040815

Depois de ontem me entupi de endorfina
Outra vez de álcool
E outra ainda cocaína
Ou morfina, não sei.
Antes de ontem vivia de hojes
Porém mal ouso continuar usando tal palavra.
Difícil saber quantos dias serão ontens amontoados daqui para... frente?
Roubaste meus planos e desesperanças.
Agradeço, detesto e lamento isso.
E agora?
Estranho esse agora...

domingo, 12 de julho de 2015

120715

Amortecimento
Já que não tenho
Nenhuma raiz dessa palavra.
Próximo.
Próximo.
Aproximar.

sábado, 11 de julho de 2015

110715

Todos os desejos mudam
Menos a consciência.
Se antes saía cutting os papeis
Hoje prefiro remendá-los
E ver nas letras, qual recortes de revistas,
Novos poemas
Ou pelo menos revisitados.
Revistá-los de cima a baixo
É tarefa demasiado policialesca
De quem busca no morro
Armado até os sentidos
Sem lá ter morado
E pensando
"É tudo cidade; há de aparecer um como-eu".
Que cômodo! Que fariseu!
De terra o chão só tem a si -
Os bairros são o tempo que verteu.
De luz só se vê a brasa -
O mato que queimou combustível
Já se foi esquartejado, quequejado e remoído.
Leva agora a terra morta
E colhe as praganas que conseguir redimir.
O barro ainda é senciente;
Basta saber do quê.

quarta-feira, 24 de junho de 2015

240615

Eu de papier mâché
Eu de jornal embrulhando o bacalhau
Eu de letras escorregando fedidas
Eu de tela em preto de tanto rasurada
Eu de caneta f .'ha
I u de tralha
Eu de emergĉnc'a, uns cones espalhados,
Um pisca-alerta sem sirene e pouco caso
Eu de nada, muito obrigada.

domingo, 14 de junho de 2015

Rastro do rato

Meu olho arde
Toda vez que trago.
Às vezes um homem,
Noutras um afago
Ou um novo maço.
Às vezes amasso
O braço dele
Ou o pacote insuficiente.
Por vezes suplente
Eu sou
Da minha própria corrente
E muitas não mando
No que serei.
Eu sou o que sou, o que fui,
O que manda o desmando do pixel de mim.
Sou um pedaço descalço de gente
Fazendo o que faço -
Sou rastro do rastro do demente.

One

Graças pelo telefone
O gramofone
O fone de ouvido
E o cone.
Dai graças, senhor, senhora,
Moço, mora,
Há tecnologia
E amanhã.

quinta-feira, 30 de abril de 2015

Piramidal

Praga crassa
Prateando a laringe
Até dura não gritar
Melhor pra capitalizar;
Até que esfinge as gentes petrifiquem
Em louvor dos faraós, e só.
Espanque o corpo e rompa a mente
Delinquente o negro, a mulher, a bicha, o índio
Mate o pobre, culpe o jovem
Chame Dom Sebastião
Rasgue a constituição do humano
E quem sabe sejas Brasil o suficiente pro Diabo amassar.

quarta-feira, 29 de abril de 2015

Folhas derretidas

Acordou um dia,
Saiu na rua
E amou.
Repentinamente era outro
Virou Ramsés, filho dos deuses,
Príncipe de seu próprio destino.
Resolveu que o amor é uma árvore tropical
Verde e bodosa.

Algum tempo depois
Voltou para casa
E brigou.
Ainda era cometa deslizando nos céus,
Mas viu a sazonalidade das zonas temperadas
Esvaecer suas folhas amareladas por alguns instantes.
Esperou chegar a primavera.

Ontem adormeceu
E esmigalhado na entorpecência
Se sentiu cacto.
Morreram aí as metáforas arbóreas.
Não porque morreu o amor, nada disso.
Apenas se redescobriu humano.
Despencou como Lúcifer na Terra
E passou a procurar uma forma de ser água
Ao invés de retê-la.

sexta-feira, 10 de abril de 2015

E só

Nova noir
Pastiche de outrora
De mim
Fora com o pastel e seus tons
In with the dons
Os bons envelhecidos
Traduzidos
Semi-paginados
Vêm também os males
Uns resquícios de rolha quando a rompi
Nada que uma colheita
De dedos esfumegados não possa resolver.

__________


Abri minhas asas de corvo
E planei sobre o trigal.
Os grasnos não assustam
Os grãos... Sei lá.
Sustém. E por enquanto só.
Lá longe há oliveiras -
Que será?

__________


Na mala, enquanto se aproxima o trem,
Javalis, cerejeiras, abacates, um navio vermelho
E muitos erros.
Mas com eles quem se importa?
Levo para exportar no próximo terminal. E por enquanto só.

quarta-feira, 8 de abril de 2015

Equilíbrio

Em caça por nova casca
Ceder a casa
E casar comigo;
Quem sabe encaixa.
Mas caçar diferente
Sem cair de cócoras numa caixa
Querida pela casta rasa
Das querelas amareladas,
Das amadas fadadas,
Das que foram caladas,
Engolida a facadas.
Como me dar a esse prazer
Sem perguntar?
Procurar respostas
Que não sejam intervenções
Nem respostas.
Simplificar a mente
Sem autodestruir
Renovar a estima sem redimir
Não sumir mas decrescer
Caçar sem cães nem raposa
Sem virar esposa.

sábado, 4 de abril de 2015

Bichérrima

Em mim sou um bando de bichas
Cardume de piranhas
Nervosa
Infinitamente ramificada
Até as raízes caírem numa poça de homofobia
E rasgarem tudo lá dentro
Sugarem-na
Roçarem as pelancas no erro
Plantarem perucas na raiva
E fumarem minha morte
Até os pulmões ficarem pretos
De tantas travestis colhidas
E viados tolhidas
De tantas sapatões arrancadas do chão
E passadas ao ponto
Que bem lhe quiser.
Engula.
Isso.
Tudo.

segunda-feira, 16 de março de 2015

Eu
Estou quieto
Eu odeio o que está acontecendo aí
Mais da rua que da planaltina
Mas odeio tudo isso aí.
Queria estar em condições de dizer o que me diz a mente
Mas aqui há tanto erro suficiente.
Desgraça de vento...
Melhor culpar ele e entorpecer o tempo
Fingindo que entre ele e ele
Há algum para derrapar
Na minha grande derrapada
E como derrapei...

sábado, 14 de março de 2015

Porrada

Que poesia que nada!
Que porra é essa?
Que porrada de nonsense
Que delícia falar com seus vícios
Livremente
Querendo errar
E que queira o quereres querelar
Com a aquarela de porra nenhuma
Pausa.
Houve um momento de poeticidade.
Desgraçado!
Bora errar de novo
Mais!
Um toquinho de erro aqui
Uma pitadinha de erro ali
Mais aliteração
Metáfora?
Pfff... Que bosta é essa?
Erra mais!
Que se foda!
Errado errado querido
Esse é o melhor poema de todos
Porque não é um poema
Porque é porra nenhuma
E tá errado

domingo, 22 de fevereiro de 2015

Madureira

A madureira ainda não deu frutos
Nem aqui nem na sua terra de origem.
Ouvi dizer que quando vierem,
Eles, os frutos,
Serão tão eternamente verdes
A nunca serem mordidos
Tamanho o asco provocado pelo seu azedo.
Mas não devemos nos preocupar com isso.
Se nem mesmo o proibido da serpente até hoje foi encontrado
Não será este que nos amargará.
É mais divertido trepar no tronco
E lá de cima balançar os galhos
Para derrubar as muitas folhas secas penduradas no caule velho,
Ganhar umas ferpas naquele inútil anelar a seguir os movimentos do restante da mão
E pronto:
Pular fora e correr pra casa.
Já está na hora do jantar.

terça-feira, 27 de janeiro de 2015

Janeiral

January is almost over
And what have I done?
What have I become?
If this aquarium is almost gone
And there's nearly no more water in my lungs
How will February come?
If time raced by so instantly
And like a gunshot I've been freed
Upon a world of disillusion
Over April will I run?
I feel a tale of shortest year
Between my index and my thumb
I see no spring
I see no sun
I reach the window and take a glimpse
December's here
Almost overcome.

Epitáfio

Matei minha mente.
Já não penso, não escrevo, não sou,
Sinto pouco
E me importo menos.
Curioso que ao fugir da vida morta capitalista
Tenha morrido em outro lugar.
Como se não soubesse que morrer não exige locus;
Como se ainda acreditasse que enlouquecer sempre faz barulho.