quinta-feira, 29 de dezembro de 2016

Trama

Trama rondava silencioso e imponente na selva,
O brilho magenta de seu pelo laranja e listras pretas
Tremeluzindo na desilusão de cores da mata.
O chão rugia silencioso no seu passar
Um prenúncio de poder e infinita calmaria.
As garras de Trama arranhavam o solo
Despindo-lhe a dureza e regenerando em adubo.
A dança esguia por trás da ramagem
Se confundia com o olhar penetrante
Que numa repentina aparição causava paralisia.
Quis um dia o destino que Trama seguisse
Pelo jardim da clareira Utopia
E lá seus olhos de abundante tremor e vida
Avistassem uma rosa arredia.
Ali jazia o mito: outra cria do tempo
Tão forte e delicada quanto Trama
Balançando suave nas curvas do vento
Com um único grande olho girando no mundo
Até que sua íris cruzou com as pupilas do tigre
E num encanto avermelhou-as.
Trama se aproximou
E com um leve gesto tocou o focinho em suas pétalas
Tragando sua coloração.
Embriagado no perfume da rosa,
Beijou-a.
A rosa, porém, escondia um espinho
E no beijo ele se envenenou
Enquanto suas presas arrancaram as pétalas da flor.
Machucado e para sempre marcado,
Com olhos vermelhos Trama se retirou.
Eis, pois, que nem sempre o poder e a delicadeza
São suficientes para uma história completa compor.

terça-feira, 27 de dezembro de 2016

Faz Paz e Cais

(Swim - Madonna)

Faz outra vez que passo
Aquém da ponte colorida
E raso os pés na lama
De anterioração

Paz outra vez de deterioração
Que não nado na forte corrente
Dos fatos de agora
E fico na pele do fosso
Pelando o redemoinho do meu ardor

Cais outra vez que fico
Pés zarpados ao passado
Olhos estagnados no futuro
E cruz pregada ao firme chão
De tábuas tremulando nas ondas
Que o longínquo barco me machuca
Em arrebentação

segunda-feira, 26 de dezembro de 2016

Fúcsia

Eu lhe apetisco
Como um lombinho -
Coma aqui -
E já te saciou.
Saco que sou -
De porrada,
Escroto,
Vazio.
Morde aqui o meu calombo
Que ele combina mais com teu dente;
Degusta meu quente
Que tua língua vai virar cinzas.
Eu não te apreço?
Eu não te aprazo?
Essa é a pena de quem vive de preços e prazos.
Eu te amaldiçoo a ser pequeno no espírito.
Eu te bruxo ao simples puxo de uma tragada de vida
E que ela não traga mais nada.
Eu te rasuro de monstro no quadro
Pra que o teu fado toque sempre desafinado
E não seja moderno,
Só malogrado.
Eu te puro,
Pois puro já és um punhado de estragado.

domingo, 25 de dezembro de 2016

Calefação

(I'm a Sinner - Madonna)

Cai-cai
Vai e decai de emoção
Mas Mordecai à razão
Ainda me jogam na fornalha
Pela excessiva azaração
E eu na danação permanecerei ereto
Ardendo poeta
Caindo de amor pagão

quinta-feira, 22 de dezembro de 2016

Loló do Amor

Ela é a última vez
Que arranco meu coração
Correção de seiva fanática
Farrática
Fatálica
Fantasmagórica fálica

Ela é a última
Fantastificação
Que a minha fatificação
Construirá.

Esta é a única mancha no meu caderno
Coberta de desodorante
E ponto.

quarta-feira, 21 de dezembro de 2016

Cata(c)lis(m)ação

Frago de muitos jeitos -
Hormônios desconhecidos
Ou cheiro de rosas endemoniadas;
Cravo espinhos prazerosos na carne
E rasgo fendas de dor dormente na lateral do corpo -
Você não me conhece;
Não me conhece nem um pouco.
Eu sou um vaso de cristal inquebrável,
Quebrantável mas alado de traços que farpam os dedos.
Eu sou o primogênito do ódio com o amor,
Descendente direto da frieza e do calor,
Irmão da ardência cheia de sabor.
Eu vivo de sensações que você sequer sonhou.
Eu sou o controle caótico do ser,
Posso com Deus e o Diabo
Numa mesma mesa de jantar.
Eu sou a mais absoluta mistura,
Indissolúvel e indigesta,
Do absurdo canalizado humano
Ou não.

terça-feira, 20 de dezembro de 2016

Puratara

Hoje eu não vou te descrever pelos olhos da alma
Porque os que te enxergam são carnais
Fotografando tua pele esculpida de bronze líquido
Pingando da minha boca.
Hoje não tem sentimentalismo frouxo;
É dia de sol escaldante pra suar o teu cheiro
Na minha roupa
E sujar as memórias sacrossantas
Com um presente seboso de baba
Por todo o corpo.
Hoje é dia do corpo nu
Que, pés nos pés,
Coxas nas coxas,
Barriga nas costas
E nariz no cangote
Amanheça esquisito, gostoso,
Esquecido e lembrado
Só para a minha língua resgatar o teu sabor.

sábado, 17 de dezembro de 2016

Eres Burro, Bambino

(Mambo Italiano - Sophia Loren)

Ché cosa, bambino!
Il ragazzo non fa più que o cantinho passaredo
Bem passarinho pousador te cantando
Più! Più! Più!
Pero no más -
El chico hay nacido sin chocar!
O pintinho sabe só pintarolar,
Viveu pra ser clara mole
E gema dura.

quarta-feira, 14 de dezembro de 2016

Valladolid

(Lovers: Flower Garden - Shigeru Umebayashi)

Num crepúsculo noturno de outrora
Acordei nos campos de Valladolid
Deitado à luz do sol nascente.
E eu, que viera de tão longe
Embalado no colo dos deuses,
Letargi sobre a grama fria de orvalho
E sob o morno ensolarar.
As águas dos rios se cruzavam
Debaixo do toque da minha mão estendida
Num som de contínua vazão.
Um olho fechado recostava na terra,
O outro viajava entre céu, água e chão.
Um corpo quente veio até mim,
Deitou nas minhas costas
E beijando o pescoço
Soltou uma calma respiração no ouvido.
Afundou sobre mim seu peso
Mergulhando meu corpo na grama molhada,
Tornando-me metade verde e marrom na sujeira
E a outra vermelha de sol e ruborização.
Ali mesmo nos fundimos,
Na cidade do sol nascente
E dos rios convergentes
Onde à terra me recolhi.

terça-feira, 13 de dezembro de 2016

Jupitália

Guarda Júpiter um segredo no céu estrelado.
Por detrás dele, gigante, brilhante e manchado,
Há uma névoa formada do veneno de infinitas cobras
Escondidas na imensidão de um pequeno ponto prateado no espaço;
Há uma névoa de infinitas trovas
Cantadas a Júpiter
Mas não;
Trovas cantadas à negritude eterna por trás dele -
Trovas das trevas.
Trevas da bola cintilante no espaço
Que ressoam na Terra como um pequeno espasmo
E quanto mais se afasta, mais escasso
Enquanto Júpiter brilha vermelho sangue
Nas veias dos olhos de um ser
Que, não se sabe,
Habita a Terra, a penumbra ou o infinito invisível.

sexta-feira, 9 de dezembro de 2016

Conteúdo inútil

Conteúdo inútil
De um niilismo frouxo
Que vem e que vai
De um absurdo
Que não convalesce
De uma situação
Que não se absurdece
De uma tração
Que não se escreve
De uma posição
Que não se enraivece
De uma tração
Que não enlouquece
Do conteúdo inútil de que insuficiente abastece

Acabado

Amor,
Olha o quanto, mais uma vez,
Trezentas,
Eu sou brega e apocalíptico
Hollywoodiano
Meio cubano utópico
Floriano
Republicano até
Pagodeiro
Pago derradeiro uma rima estúpida
Por você!
Por você eu me desurbano
Eu tão humano
Me ridicularizo
Eu friso o quanto arrisco
Pra frisar um sentimento
Calado.
Eu me calo pra declamar
Um poema fácil
Que roubei de outrem
E assim mesmo me acabei.

sábado, 3 de dezembro de 2016

Afazeres

O problema dos poetas é a problemática -
Às vezes são eles o problema
Às vezes são o poema
E às vezes são a enigmática, afinal
Pois os poetas são afazeres.

sexta-feira, 25 de novembro de 2016

Mortália

(Symphonic Études, Op 13. Theme - Robert Schumann)

A técnica do amor
Incomove o sensual

O meu dessaborerótico
Mescla na carnificina
Maquinando um sexo visceral
Desplugado da eletricidade
Que... Corre?
A onde?

O desconecto é geral
Apaga a luz e o corpo
E foge num feixe rastejante rumo à terra
E se esconde
Nas tripas da mãe mais carnal
De barro rosa
Desconforto
Confortável
Descomunal

O desamor é um nicho sexual

quarta-feira, 23 de novembro de 2016

Belanço

Mais barulho, por favor!
A destreza do distúrbio me arrasa num
Preciso de fúria balançosa

A rasura dessa prosa
Não me apruma, só me atroça

Só no grito das palavras insignificantes
Ouço o montante
De uma vida a galope

A vida que rondante
Arredonda a mente
Arranca meus pés da frente dos passantes
Pra não cair da passarela
E saber voar ainda um tempo
- Pouco tempo parco -
Bela

sexta-feira, 18 de novembro de 2016

Rosa

A minha existência é tão repleta de emoções
Que eu já não conheço o que vivi uns dias atrás.
A minha vivência é tão intensa
Que
Olhando pra trás
Eu não me reconheço.
Pra mim a vida é tão poderosa
Que viver só pode ser um tom de rosa
Que abrocha e morre
Num ramo eterno
E num porre.

Olho

Abra tua alma
Ela está fechada demais
Abra teus olhos
Vou fitá-los fundo
Fundo
No profundo
Teus olhos estão aprisionados demais
Quantas vezes já disseram que os olhos
São a porta da alma?
Quantas vezes você já se escancarou?
Aposto que nunca.
Eu tenho olhos poderosos
Para arrancar dos seus olhos a essência
E você desvia o olhar.
Olha nos meus olhos.
Compartilha nosso olhar.
Enfia a mão imagética no meu profundo
E deixa eu nadar no teu nada
Olha me olha te olha
Olho no olho
Avassalador
Assanhado puro amor

domingo, 13 de novembro de 2016

Voltário

Os sentimentos têm uma mania irritante
De se repetir
Como se os anos, passando,
Pensassem não pensar;
Como se o ponteiro atirasse
Religiosamente
Sempre no mesmo lugar
E os tiros se multiplicassem
Na mesma ferida;
Como se as palavras não se cansassem
Do infinito acúmulo
De plágio sobre plágio
Sobre plágio
De folhas tanto reviradas
Buscando estancar a sangria de tinta
Que nunca acaba -
Essa maldita caneta que não se cala
Essa mão que não para
E a emoção que não vaza
Numa só derradeira vazão
E abre mão.

sexta-feira, 11 de novembro de 2016

As Horas

As horas passam
E o silêncio não.
As amizades correm
E o desejo
De permanecer calada

São.

O relevo das montanhas
Não
Eu relevo as piranhas
Bom...
Bom mesmo, bem?

Bem mesmo faz a danação ineterna
Bom mesmo é aclamação.

quinta-feira, 3 de novembro de 2016

Lamentação

A dor é velha,
Velha,
Velha...
E a razão nem parece
Tão plausível.
A emoção é tão risível...
E eu já não tenho caução.

terça-feira, 1 de novembro de 2016

Áquogutural

Virando a curva do rio
Há uma corrente perigosa
Que leva a um lugar desconhecido.
Até eu o desconheço, que estranho...
O que será que tem lá?
Que morte dolorosa
Ecoa nos sussurros da curva?
Que sofrerei na dobra
Quando a torrente me puxar torcida
Pelo braço
E me afundar na água negra de descompaixão
Que, contam os mitos,
Arrastam os fracos para o escuro
E os fortes para sabe lá onde?
Devo testar a minha podridão?
Provar o corpo na imensidão de possibilidades?
Devo sumir no canto da selva?
A correnteza me puxa como ímã
Enquanto os xamãs guturalizam que não
E eu mergulho a mão na liquidez do destino.

segunda-feira, 31 de outubro de 2016

Luália

Lua que circunda
Caindo
Em novas fases
Redunda
É profunda?
Cai eterna
Sem tocar
Mas puxa o mar
E marca
Mascarada
O firmamento.
Lua afunda
Mas na Terra é só luar.

quinta-feira, 27 de outubro de 2016

Incompleto

Olha só, amor:
Eles não sabem!
Olha, amor!
Eles não batem

Bem

No vidro

Olha amor
O quanto
Olha amor
O quanto olha
Amor
Amor?
O quanto, amor?
Quanto, amor?
É para olhar quanto, amor?
Quanto amor é para olhar, amor?

segunda-feira, 24 de outubro de 2016

Credo!

Eu não
Credo!
Eu?
Credo!
A crência é demais
Eu sou um credo a menos
Que o "credo!"
Eu creio
Eu credelojero
Eu cheiro de um cheiro
Chereio
Eu desconheço o floreio
Eu - credo! - conheço tão pouco, demais,
O que cri.

domingo, 23 de outubro de 2016

231016

Você é uma fuga
Mas se ele claramente também era
Fugir da fuga
Eu te perdoo.

sábado, 22 de outubro de 2016

Versinho Suficiente

A mim me basta
Um fumo frugal
Com a vista do céu

E um pequeno toque na ponta do espinho,
Que doer de leve é vital.

sexta-feira, 21 de outubro de 2016

Frondo

Num dia longe no passado
Um anjo fitava a Terra
Cansado do Céu.
Olhava e invejava a mortalidade das coisas lá;
Desejava um amor mortal.
Desceu
E decidiu plantar uma pequena muda
No quintal da minha casa.
Era tão formosa e cheia de vida...
Robusta e verde.
Ele a amou assim como era
E regou de amor por muitos anos.
E foi crescendo a árvore frondosa
Até que frondou demais -
Os galhos geraram tripas expostas
E frutos secos junto aos vivos;
As cores já não eram as mesmas,
O tronco entortou arranhando o telhado
Que rangia nos ventos noturnos
Um som de assombração.
Mesmo assim por um longo tempo ele ficou
Regando um fantasma que cada vez mais consumia
Até que o anjo, seco, secou.
Mas as asas murchas já não podiam levá-lo ao paraíso.
Despiu-se delas, que sou, e foi romar à procura
De algum outro Céu feito de terra.
Não sei se o encontrou.
A casa segue gemendo
Debaixo das asas mortas
Que saem da copa da árvore
Batendo raramente,
Apenas quando o vento passa por suas tiras.
Morta por dentro de esperança
Ela parou.
Mas olhando aqui de frente pela varanda
Até que gosto de como ela ficou.

quinta-feira, 20 de outubro de 2016

Adulto-Era

Malograda a gente segue
Já que tem que seguir.
E a vida, o que faz?
Judia.
Apaga as pessoas
E tenta arrancar junto
A lembrança conforme passa.
Mas a gente agarra nela
E agarra na gente que ainda tá;
Agarra na corda de mão em mão
Enquanto ela desce
Embolando no fundo.
A gente adultera o caminho
Conforme escorrega
E espera
                              Mas sem esperar.

terça-feira, 18 de outubro de 2016

Aquiesce

(Death with Dignity - Sufjan Stevens)

Chego, entro
E tiro a roupa -
Ela já não me aquece
E o calor que faz ainda assim é demais.
Ela não me aquece mais
Enquanto a lua exala um sol na pele nua...
Mas ela não me aquece mais.
Gira a Terra encolhida na curva azul
Escondida de tudo no horizonte
Debaixo do cobertor de estrelas
Sentindo o calor subir do outro lado do mundo
Enchendo o ar de umidade
Que sai do fundo
Mas ela não me aquece.
Ela não me aquece mais...
Adormece.

segunda-feira, 17 de outubro de 2016

Avarandado

Você não viu o caos em que ficou a varanda?
Ela está manchada e suja
Coberta das chagas da noite passada
                                          Terra queimada
E o sol que bate expõe as mazelas
De uma casa nova com ar antigo.

A chuva passou por ela querendo lavar
Mas a sujeira ficou escorrida
Assombrada no parapeito
Como se as relíquias ali guardadas
Tivessem grudado na casca
E ela agora parece mais selva
Do que cimentada.

sexta-feira, 14 de outubro de 2016

Vida

Trato:
Trabalho o resto da vida
De vida
Se a vida me viver
Dos restos da vida
E nela vir
O universo completo,
Pois não quero morrer
E o trato é injusto como se pôs -
Então preciso traí-la, vida;
Eu preciso viver
Nem que vida não seja vida
Eu preciso sobreviver
Eu preciso
Eu.

sábado, 8 de outubro de 2016

Estrela Cadente

(Prélude, Karl Friedrich Abel - Jordi Savall)

Eu me delicio em ti
Em mim
Ni você ni mim
Mesmo na tua ausência
Mesmo ela é deliciosa
Mesmo ela me compraz
Mesmo ela satisfaz meu anseio de ti
E te remorso
Mesmo ela te verso
Mesmo rasante
Ela te amante
Ela te mesmo errante
Elo-te cadente
Rompante no céu
E apago entre as estrelas
Como uma fonte
Inesgotável
Seca
E o céu se apaga de claridão
No espaço vultante
Da minha escuridão.

quarta-feira, 5 de outubro de 2016

Palavras Lançadas ao Vento, à Distância

Quando era mais jovem
Fiz um pacto
E me entreguei.
Era entrega completa
E não titubeei na decisão -
Assinei na mente um estatuto de consciência,
E apesar do meu subconsciente boicotá-lo de vez em quando
Fui essencialmente fiel a ele.
Hoje os termos são outros
E não se espera de mim a mesma fidedignidade,
Mas permanece um vínculo abstrato que não cabe aqui explicar.
Estes versos não são do contrato;
São do contratante.
São uma renovação de promessa
Como tantas vezes antes foi renovada -
Apenas uma declaração de vontade;
Apenas uma expressão de continuidade
Frente ao atraso de algumas anuidades
E descaso junto a umas trivialidades.
Estes versos são a ignorância do contratado
E suas levianidades
Para que mesmo em meio à total indiferença que tenho demonstrado
Saibas que a ti ainda estou infinitamente vinculado;
Saibas que ainda és inteiramente amado.

Serenata

(Para Cantarle a Mi Gente - Mercedes Sosa)

A serenata dessa noite
É para mim;
É para acalantar minha nação de vidas
Apertadas numa só canção.
É para lembrar que cada sensação
Nada seria sem o corpo para encaixotá-la -
O que é uma vivência sem vivenciador, afinal?
É para despertar o conjunto de micro-anos
Que passaram num ano só
Todos de uma vez
E perceber o elemento comum deles.
É saber que de todos os amores
Embalados em ritmos diferentes
Dá para ouvir uma mesma melodia;
Que o amor nada seria sem a solidão,
Pois nela cresce a convicção
De que só no inóspito do ser
Pode se encontrar a multidão.

domingo, 2 de outubro de 2016

Recorpóreo

Reincorporei
Como anjo tombando na gravidade
E demônio agarrado ao céu fechado
Como tempo velho que reanima nas veias
Depois de uma década entalado no sangue grosso.
Olho no espelho e a garganta explodiu
Rasgando as dimensões
Desentupiu!
E pio desenfreado o frenético energizar
De um ensolarado luar
Florescendo da barriga ao rosto
Do corpo ao fosco -
Eu finalmente me reconheço!

sábado, 1 de outubro de 2016

Fini Infinitive

(No Good - Ivy Levan)

Ela não é sua
Mas não é só minha.
Não é própria
Nem tampouco espontânea.
Brota do âmago de um amor falido
E sai num escarro
Para tripudiar os sentimentos machucados
Revirá-los
E revertê-los numa nova sensação.
Hoje você me odeia.
Ontem era eu a te odiar.
Amanhã, quem sabe?
E quem disse que isso será suficiente para nos afastar por completo?
A maldade nunca é suficiente
Mas é um sabor interessante
Para quem só viveu de açúcar melado a ressecar os lábios.
Ela é um atrativo na inundação de passividade.
Então vamos
Repartindo essa relação doentia.

sexta-feira, 30 de setembro de 2016

Painel

(Suffering - The War on Drugs)

Está tudo quieto.
Há muita paz.
O mofo sumiu
E aparece a tintura esfoliada no mural.

Mas é inquietante...

Não há rasuras entre os desenhos;
Não há vida subindo verde-rompante
Nas linhas brancas que o tempo esculpiu na mandala.
Não há raios eletrizantes corroendo o afresco.
Há somente labirintos cravejados de brancura
Sobre a face de um deus
Construído de enfados.
Há somente ausência de caos -
Ausência do medo de perder todo o enredo.
Mas a vida não foi feita só para contemplação.
A vida deveria ser o inquieto contemplo,
O distúrbio da pacificação -
Não apenas seus extremos.

Autorreprodução

Eu não sinto falta do amor.
Não sinto falta de sexo
Nem de conexão.
Convulsão pra quê?
Prefiro olhar no espelho
E ali mergulhar numa paixão
Muito mais verdadeira;
Decretar o tesão como um momento de epifania interna,
Uma dança no escuro
De olhos bem abertos sobre o Universo.

segunda-feira, 26 de setembro de 2016

Passos no mar

Içar velas!
Navegaremos ao encontro da borda do mundo
Com a caravela de ré.
Invertam-nas já!
É chegada a hora de desnavegar a embarcação.
O mar já foi explorado,
Vamos às montanhas
Onde a água petrificada esconde torrentes de lava
E os ventos nunca cessam seu soprar.
Lá viajaremos até derreterem os cascos
E os corpos fundirem na rocha fervente
Voltando a ser minério latente.
Levantem os olhos!
Vejam as ondas gigantes de pedra e neve!
Vejam o seu lento quebrar nas forças do tempo!
Vejam os monstros que habitam seu coração!
Vejam o desgovernado mar de terra
Ruindo em tempestades assombrosas sobre si!
É tempo de desacelerar o tempo
E fitar silenciosamente seu ruidoso passo;
É tempo de passar.

quinta-feira, 22 de setembro de 2016

Desnódado

São um mistério, eu te digo
Afrontosamente,
Algumas alegrias.
Algumas delas são vingativas
E no entanto próprias.
São externas e internas.
Confundem-se no desnó de um novo embaraço.
Completam-se na incompletude,
Que no incompleto do si
Já estava suficientemente embaralhada.

Algumas alegrias não são completamente alegres,
Mas vêm para reviver um espírito
Cheio de ateísmo.

sexta-feira, 16 de setembro de 2016

Não é estranho?

Não é estranho saber
Que o amor pode ser desacoplado?
Mais do que desjunto e individual -
Solitário.
Não é estranho
Que uns bichos dentre nós
Sejam mais bichados
E a carência de amor multiplicada
Soe como amor multiplicado?
Soa-me muito estranho
Que amar e querer amor
Possa ser uma equação tão desequilibrada
Como se a feiticeira da psiquê
Tivesse nos entornado uma poção
De malogrado
Só pelo prazer de ver
O humano despedaçado.
É muito estranho perceber que isso -
          Assim como qualquer reação de vida
                    (Ou melhor, mente social),
          Escolhida ou embutida
                    (Se é que há aí grande diferença) -
Seja tão naturalizado.

Abraço

Começo a me sentir mais em casa no mundo.
A crise de todos enfim deu as caras
E cá estamos, todos fodidos
Numa geração que enfim
Abraçou sua queda.

sábado, 10 de setembro de 2016

A Ordem das Coisas

(Like Someone In Love - Ella Fitzgerald)

Os anos passam e as coisas suavizam -
Esse é o processo natural delas:
Que se conformem na vida
Aceitando o tempo,
Perdendo a força, com um rompante ou outro
Ilhado na crescente calmaria.
As coisas são decrescentes,
Minguantes
Atenuando no cotidiano
Muitas vezes sem nunca morrer -
Só estar ali para serem vez ou outra reanimadas
Como um suspiro mais fundo no constante respirar.
Mas há doenças que nos acometem do avesso
E acontecem para nunca mais voltar
Ao ar mais ou menos que normalmente estufa o peito.
A maioria delas é terrível e só traz sofrimento,
Mas há uma que mesmo doendo é puro prazer.
Há uma que subverte a ordem das coisas,
Que parece explodir a todo momento,
Que engole os pulmões do avesso
E vive um cotidiano de intensos.
Há uma que não cabe a todos os poetas,
Nem mesmo a todos nós,
Que de tão contrária a tudo
É muitas vezes angariada no rol dos mitos,
É ignorada e confundida,
É atacada e pode até sair contundida -
Uma doença que pode ser machucada.
Mas, façam o que fizerem,
Digam o que disserem,
Essa não morre
E muito melhor viveram os que dela padecem.

Bipartido

(Various Storms & Saints - Florence + The Machine)

Eu te desejo
Em repulsa.
As minhas energias estão em caos:
Quero-te perto de mim,
Tornar-te apenas meu,
Para poder tripudiar o lado obscuro do amor
Com a luz do ódio
E te consolar.
Eu quero um poder que nunca tive
E que tens sobre mim.
Talvez, afinal, seja tudo questão de vingança
Ou o extravaso da impotência de uma criatura miúda
Num mundo girando no caos;
Talvez seja amor ainda -
Ainda que consumido por dentro de horror, ainda -
E o que então fazer com essa pequena labareda
Piscando na escuridão?

terça-feira, 6 de setembro de 2016

Anjinho

(I Love You, Honeybear - Father John Misty)

O triste disso tudo, amorzinho,
É só a minha solidão.
De resto é tudo muito bonito e feliz.
De resto você está bem
E o meu amor é sempre firme e forte.
De resto eu nunca restei
Num descanso gostoso de amor.
De resto, amor,
A vida pode ter sido justa ou injusta
Não importa
Eu só sei que ela não andou na direção que eu queria -
Ela só desandou num caminho
Em que eu não posso te chamar de anjinho.

segunda-feira, 5 de setembro de 2016

Grito de Socorro

Para-me, por favor!
Salva-me!
A vida está prestes a virar de ponta-cabeça!
A vida está a ponto de autodestruição!
A vida chegou ao ponto de implosão instantânea!
O horror beirou a maravilha
E eu estou morto!
Eu estou morto!
Eu estou morto de tanta vida,
Socorro!
Ele não sabe!
Ele não sabe o quanto
Ele não sabe o quanto estou morto por dentro!
Ele não sabe o quanto ele é a encarnação da morte!

sábado, 3 de setembro de 2016

Velho Chico [2]

Eu e o Chico estamos casados
Em casa
E na rua
Imprensionados enquanto o Vice versa
O vice-versa
Da rua
Da casa
Virando ali à direita
Um pouco mais atrás
Depois do batalhão.

quinta-feira, 1 de setembro de 2016

Fox Fade

O fado da raposa
É o fardo da rapsódia:
Uma história cheia de sagacidade,
Sapiência e impaciência.
O enfado da raposa
É a inteligência fardada de corpo pequeno;
Corpo vermelho-fogo;
Fogo verdadeiro-afôgo.
Sobe a cauda, pira em chamas;
Pira o chamado anti-humano
Chamuscapirado.
A sina da raposa
É vibrar o sino na garganta
Sem ter grunhido um músculo sequer;
É se querer
É sequelar
É se quedar.
O mundo lhe é às vezes galinheiro
E noutras milharal.

terça-feira, 30 de agosto de 2016

Extremos

A canção começa suave
Num piccolo flautim
Muito antes de estourar nos tímpanos
Em furiosa reverberação de câmara.
O tom da clave
Destranca como chave antes de arremeter
E quando chega enfim o arrebate
É tão maior que o som que a cabeça
É capaz de receber;
É tão maior que o vão
Que ele veio preencher.
Daí fica a questão:
É melhor o silêncio ou o ensurdecer?

domingo, 28 de agosto de 2016

Vago e Lume

Dentre todas as sensações que já sobrevivi
Minha preferida é a melancolia alegre -
Aquela saudade que bate por absolutamente nada,
Desapegada de gentes e instâncias,
Recordando apenas a si
Num presente ligeiro que se pensar desaparece.
Não é felicidade porque é triste;
Não é tristeza porque é feliz;
Não é neutra porque reluz.
É o sentimento de vagalume ritmado,
Que não pisca no batuque porque ouviu o batucado,
Só porque seu piscar é, em si, musicado.

sábado, 27 de agosto de 2016

Electric Faraway

I am so sorry, my love -
É assim que dizemos?
É assim que se faz as pazes?
Rapaz...
Eu não tenho razão para isso não.
Não passo de borboleta
Nesse furacão;
Quem sabe a farfalla vendeta
Do mundo em monção.
Que ridículo...
Se me barrara a vida com tua versão,
No barro tua história estaria pela minha mão
Depois de deixar teus lábios.
Eu me desculpo por nada -
Eu me refaço do outro lado do mundo
E você so far fará o que lhe couber
No balanço das minhas asadas.

terça-feira, 23 de agosto de 2016

Detritos sem gosto

Éramos, em níveis muito similares,
Péssimos um para o outro.
Também fomos ótimos, isso é claro,
Mas a perfeição se encaixava nos erros
Quase como se o destino se desejasse fatal.
Há dias em que desperto otimista
Noutros não,
Mas hoje regresso com olhar redundante
Procurando nas frestas das emoções o óbvio
Que me esmerei em ignorar.
A verdade de hoje é que não sei quanto cresci e decresci
Através de ti;
É que não sei quanto te amei
Enquanto te acusava de indiferença -
Se a minha ausência foi puramente um reflexo
Ou se a rebatida era o capuz que sobrepus à minha distância.
A verdade é que comecei a esquecer nosso tempo juntos
Muito antes do que antes admiti -
Muito antes do que antes percebi;
A verdade é que há muito tempo que te esqueci:
O que ficou em mim foi o "que" de mim
Ansioso por um futuro, qualquer futuro,
Com ou sem ti
E consenti nas ilusões passageiras do momento
Um passado agradável à minha dor,
Ao meu amor egoísta
E meu dessabor pelo outro humano.

sábado, 20 de agosto de 2016

Jangada-eiro

(Piano trio in E-flat, op. 100 - Franz Schubert)

O corpo recoberto de resina por dentro
Escorrega frouxo da alma
Que o segura pelo freio,
Mas o puxão na boca não acalanta.
A alma morcego estabana
E o corpo fantasma levita a cada pancada alada por dentro.
O corpo desgarrado adormece nas extremidades desalmadas,
Relaxado demais para relaxar.
O relaxo desanda nas correntes da alma
Que zarpou numa jangada ao seu próprio encontro
Enquanto o corpo é forçado a aceitar
Que a ideia de alma é tão morta
Quanto o passado a que tanto se apega;
Quanto o freio que tanto puxa para voltar;
Quanto a volta que nada mais é que parar;
E o corpo se contorce tentando almar;
O corpo remexe e cada remelexo é em si a ilusão.

quinta-feira, 18 de agosto de 2016

Dança do espelho

(Sama-sounounou - Le Trio Joubran)

Eu desejo mergulhar no espelho
Para ver do lado de lá
Os defeitos, macro e micro,
Expelidos pelo tempo e a incompletude
Que um simples reflexo não é capaz de mostrar.
Eu quero ouvir minha voz refletida
Reflexivo
E como imagem desintegrar o objeto;
Quero me sujeitar ao dessujeito
Para me revificar menos abjeto,
Para descamar meu enredo das chagas,
Para lavar os pólipos
E dançar direito.

segunda-feira, 15 de agosto de 2016

Paraís...

Veja! Valhalla está cheia de guerreiros!
Pedreiros, lixeiros, catadores,
Drogados, famintos, prostitutas,
Vagabundos, escravos, lavradores,
Trombadinhas, violentadas, trabalhadores,
Favelados, mendigos, migrantes...

Mas onde está Valhalla, que não vejo?

sábado, 13 de agosto de 2016

A Gota

Eu sofro das gotas
Que a mente me aplica medicinalmente.
Eu sofro de gota
De gole em gole
Me obrigando a ser quem sou
Eu sofro da gota que sofre por conta própria
Eu sofro do sofrimento que não é sofrimento
Eu sofro da dor que não dói
Eu doo do doer que não me corrói
Eu não me engulo.

Las mujeres son de agua

Las mujeres son de água
Santas escorridas,
Santas bulerías.
Cada qual um ritmo
Que embala mi corazón;
Cada qual uma irmã, una mãe,
Um canarinho que canta uma canção específica,
Cada qual una persona mia
Que reconosco
E desconheço tan bien
Cada qual una deusa de si
Simetralmente desconstruída
Fundindo-se en la confusão.
E yo soy una estúpida pedra.

quarta-feira, 10 de agosto de 2016

Há mar (Do verbo haver no infinitivo mar)

(Lonesome Road - Madeleine Peyroux)

Eu entro no amor
Como um carioca mergulha no mar:
Tomo um banho salgado,
Às vezes um caldo,
Daí preciso de um tempo pra respirar,
Sentar na canga,
Sujar a bunda de areia,
Entrar na ducha pra lavar,
Pegar um bronze pra queimar
E bora dar outro mergulho.

Arial Trebuchet Times

Texto cibernético
Sibérico por excelência
Subiria à cabeça
Se não tivesse nascido no talo;
Sairia do ralo
Se não tivesse ralado na mente
De alguma forma,
Mesmo superficial.
Superficializa
Como corpo morto
Saído da expoente profundeza
Da natureza humana
Natureza nova
Anti-natural
Quase animal
Se animal fosse fonte.

segunda-feira, 8 de agosto de 2016

Despoema

O dia de hoje amanheceu desinteressante,
Finalmente!
Despido dos excessos posso relaxar,
Escrever sem obrigações, intenções ou mensagens;
Posso escrever um poema tão neutro que sua própria existência questionará;
Posso apagar o cigarro sem temer filtros ou metáforas;
Posso regredir e descrever em paz.

domingo, 7 de agosto de 2016

Ministério

Eu tenho um ministério
Dado por Deus
E ele é errado.
Eu tenho um ministério, graças a Deus,
E ele é errar
E mostrar para os "certos"
O quanto errar é de Deus.

O meu ministério é errar tanto
Quanto não conseguirá ser quantificado.
O meu ministério é dizer que somos todos fracos
E não ouvir Deus até que seja certa a surdez.
Eu entendo e sou a surdez:
Ela é tão infinita e mutável quanto o silêncio.

Sobredeusa

Eu sou a deusa
Mas você, fofa,
Linda,
Gata.
Diva,
Rainha,
Maravilhosa,
Supersticiosa da carne,
Carne que sobrevive ao chão em que pisa,
Cria muito mais poderosa do que eu, que inteira a vida numa internação mais profunda,
Você é infinitamente mais deusa do que eu jamais seria.
Você é sobre-deusa.
Deusa
Per
Se.

Promessa restejante

Hoje eu prometo: restarei em mim
E o resto é o resto.

sexta-feira, 5 de agosto de 2016

Sete versos

(Weary Blues - Madeleine Peiroux)

Sete dias no sanatório
E eu não me sanitizo.
Sete anos que viralizo
E ainda vivo.
Sete versos encantados que viso,
Mas é difícil saber se o encanto dura tudo isso
Ou se, durando, não é só loucura.

quinta-feira, 4 de agosto de 2016

Confissão

Gosto de fingir que minhas emoções não são transparentes.
Afinal, ignoro completamente as sensações alheias,
Revirei o ego num escudo fino
Para me cegar do mundo.
Mas a verdade é que sou tão transparente
Que até o ego invertido reflete em fraqueza.
Eu sou um efeito estufa de dor, amor e solidão.

040816

Bittersweet is not word enough;
Wonder-horrendous.

A resounding case of love that aches

Embora não seja o caso,
É a esponja embebida em vinagre
Acético embalsamando os lábios
Mumificados.
Embora não tenha causo,
É a sede que se renova cada dia,
A ressurreição que mata,
O arcanjo munido de adaga
Guardando a tumba.
É o rapto do céu
Que me discipulou
Embora não chegue a ser caso.

quarta-feira, 3 de agosto de 2016

Destranca

Partiu, cambada?
Cambaleada,
Bamba pós-baleada,
Postumada,
Babalorixá mandando desencarnar,
Partiu?
Dê a partida,
Bora destrincar.

terça-feira, 2 de agosto de 2016

Choreio

Foram infinitas as convulsões
E - posso chamar de monções se eternas?
As chuvas infinitesimais caíram sem regar -
Água salgada não dá vida.
Mas, se cabe tanto mar num só marinheiro,
Quem vai dizer que no mar não pode nascer um salgueiro?

segunda-feira, 1 de agosto de 2016

Delegação

Vá e delegue partes da dor
Em outros pedaços de mente -
Vá que essa dor já é grande demais
Pra segurar num corpo só;
Vá que as gentes não sabem lidar.
Faça uma vaquinha
De muitos inconscientes
E torça que haja força suficiente
Em cada pedra do terço que apertar;
Vá e torça o cordão negro-perolado
E espere que a reza o sustente,
Pois, se rasga, nas sementes esparramarás.

Sentimentocópia

Eu vou roubar tuas palavras
Ousado, de orgulho ferido mas calado
Fingindo a beleza delas em mim
Porque, quem sabe,
Vai que o teu sentimento,
Esse livre movimento,
Esfregue e pegue no fundo do peito
Me eleve e leve enfim
Eu leve na cabeça
Uma mania de caretas engraçadas
Que mesmo surrupiadas
Se apeguem ao meu jeitinho.

quinta-feira, 28 de julho de 2016

Qualumano?

Eu já recheei as minhas palavras
E já dobrei elas à multidão:
Qualé a ação melhor,
Qualé a humana afirmação?

Milíngua

A minha linguagem é tudo que há
Tudo que resta de linguajar
E enquanto a língua tremula nos dentes
E no céu da boca
Um rasteiro falar,
A morte me cheira
E fala de um pó
A cheiroso minguar.
A vida é pó,
Mas não mais que a língua
Que range nos chifres do esperar,
Pois chifrudo o resto porá
A estância da míngua,
A canção carcará.

quarta-feira, 27 de julho de 2016

Estrebucho

Donde está la plenitud de la palabra?
Eres loca, palabra?
Caçar-te-ei nas beiradas longínquas de outras línguas?
Lamberei tuas mentiras na sujeira?
Eis-me aqui
Enfiado em falsos proselitismos
Esmerando misérias,
Repetindo falanstérios velhos -
Falando sério?
Mistério?
Isto é um ministério da palavra?
Esta insuperação?
Ignora-me então.
Penhora meu talento
Pela moeda da danação
E eu te darei um silêncio tão mais poético
Quanto o futuro da minha criação.
Não! Faça-me um pacto
E vendida a alma
Estrebucharei
A beleza maior do meu revertério.

terça-feira, 26 de julho de 2016

Lava

Lavar-me-ás?
Sou larva na tua lavra?
Lavrar-me-ás com lacres de aço?
Lacrar-me-ás com varas forjadas em sangue?
Forjar-me-ás mortes com preces antigas dos teus demônios?
Cuidado! Água de lavar evapora na lava quente.

Lua II

(Night Ride Across the Caucasus - Loreena McKennitt)

Doce melancolia do pálido luar;
Tristeza sublime
Esboçada num sorriso amarelo
Com lábios róseos das nuvens noturnas;
Lua bruta recoberta em plumas,
Gema dura na casca macia -
Tua fria distância me conta
De antigos verões,
Teus versos remontam a outras versões
Do teu esboço;
Teu olhar re-reflete em meus olhos,
Os sóis primitivos da minha flora
Donde as flores tatuadas na fronte
Há muito congelaram;
Tua luz não me comove,
Mas talvez mova a tinta preta da face
Para desabrochar nos petrificados botões
Novos bordados
Rastejando em meio a pele e osso,
Hoje e ontem,
Partindo a cartilagem que engessa
O músculo vermelho debaixo da testa
Entre duas pupilas, dois ouvidos
E uma fina plumagem capilar.
Quem sabe assim esse meu pentagrama
Cante a ti um novo feitiço
Semi-acordado na noite,
Um passo em falso entre quase-vida
E morte.

sábado, 23 de julho de 2016

Satírico

Que espécie é você
Importando-se com consequências
Como se elas valessem um tostão do seu tempo?
Quem é que se importa?
Onde foi que encontraste valor no teu tempo?
Se ao menos o tempo do vento valesse,
Quem sabe, quem sabe...
Se ao menos clareasse,
Mas tua estultícia,
Estátua,
Burrice
Potencializa-te.
Deus!
Se ao menos os deuses fossem reais
Queimariam-nos sarça ineterna
Sem essa ardência humana ininterrupta!
Se ao menos não fossem tão burras
As pretensas almas dessa opaca lua!
Se ao menos alma quedasse a estatura
Da humanidade,
Mas não -
A queda é figura:
É tão abstrata quanto a distância
Entre a finura da brisa e o chão colado ao nosso nariz
Que se esparrama feito chafariz na vida.

segunda-feira, 18 de julho de 2016

Prece do preço

Quantas vezes será preciso repetir como mantra
Que necessitamos amor e compreensão?
Quantas vezes recairemos no ódio
Sem vislumbrar o humano errático
(Grande redundância)
Do lado de lá?
Quantas vezes o amor se transformará noutra coisa
Em seu eterno recriar?
Quanta dor se refará das cinzas das catarses?
Quanto amor será preciso para a indiferença,
O horror e a raiva dissiparem?
Quanto disparate se englobará nas palavras,
Quanto rancor sobrevirá nossas ações,
Quantas vezes recairemos em erros que nem percebemos
Antes de sublimar?
Quanto capital,
Financeiro, político, discursivo, de conforto,
Angariaremos sobre vidas alheias
Antes de simplesmente amar?

Poesia

Existem muitas formas de morrer em vida;
Perder um pedaço fundamental da existência
E a partir daí,
Cheio de decepção e angústia,
Sobreviver maduro.
Adulto, afinal, é aquele que resistiu às perdas -
Resistiu em tempo, apenas.
As metáforas,
A leveza,
A poesia,
Nada resiste.
Talvez a poesia,
Mas cheia de remorso,
Suas lacunas repletas de silêncio.
Sobreviver é um mar de poemas tristes
Onde afundando perpétuos vez ou outra trombamos
Com uma corrente quente de poesia inocentemente alegre
Que nos empurra pelos instantes suficientes
Para a queda durar menos fria.

quinta-feira, 14 de julho de 2016

Dissólido

Quando abri meu coração
E exibi meus átrios de alabastro
Fui saqueado e esmigalhado
Pelo sentido avinagrado
De quem não soube o que é amar
Nem nunca vai saber.
Quando abri
Pensei no mundo outros seres
Alados de inocência pueril
Mas só fui lançado aos lobos
De um covil assombrado
Por temores de proximidade
E horrores de solidão
Sem saber na dialética onde respirar;
Ouvi que não devia me entregar de corpo e alma,
Que o suporte deve estar em si, jamais no outro
E a força tem de vir do próprio buraco.
Se é assim, então foda-se: sou fraco;
Teus conselhos nada valem;
Teu amor é um caco,
Um teco falho de todo o bom-grado
Que tenho bordado debaixo da pele.
Se querem que guarde, guardo -
E perdem com isso as vidas desse mundo parco
Sem conhecer a verdade por trás dos clássicos
Nem a alegria de derreter vidro.

segunda-feira, 11 de julho de 2016

Transfeito e aglutinado

São realmente infinitas as voltas que a vida dá.
Quem ontem me fez mal em bem se recriou,
Aquilo que doeu me transfaz
E o que odiei hoje amo;
As solidões me reformaram,
As decepções aglutinaram em força
E hoje ouso até dar graças;
Ouso concordar que é de graça,
Mesmo sendo muito cara,
A paz da felicidade.

sábado, 9 de julho de 2016

Mimo

Vida, me beija
Com seus lábios carnudos
Sopra no meu sopro
Faz carinho no cangote
Lambe meu beiço
Minha língua
Meus dentes
Me veia
Me arranca suspiros e do lugar
Me devaneia em caminhos impróprios
Me beija mais
Novamente
Me roça
Me atroça
Mela teu cheiro na minha fossa
Pra que se desfaça
Me acoca no teu cocar de brilho
Me brilha de novo luar
Me apossa reviva
Me coça a barba malfeita dengosa
Me arrasta de novo praquele corar
Pelo colar
Me míngua até poça
Até eu secar

sexta-feira, 8 de julho de 2016

Miséria

Vejo voando por aí mariposas coloridas
Bailando em círculos virtuosos
Nas correntes do ar.
Vejo-as complicando acrobacias,
Completando fantasias estapafúrdias,
Galanteando fúrias estúpidas
E loucuras olhudas;
Vejo-as num desembaraço
Que não combina com os bagaços
Por elas engolidos.
Vejo e recordo os dias
Em que não fui fuligem -
Fugiram de mim os encantos.
Vejo e me temo bruxa
Atabalhoando asadas burras entre os galhos -
Prefiro pousar num tronco poluído
Refletido na imagem de mim
Escondida em cores sinceras
Sem alardear corvos
Ou alar misérias.

quarta-feira, 6 de julho de 2016

Revolução dos nichos

A rua pulsa em vidas estranhas à meia-noite.
Quem são esses frascos de sopro enfornado?
Os fumantes deveriam se unir no abandono
Para aquecer histórias apartamentadas
Em fogueiras de revolução:
Basear os cotidianos avulsos
Numa só brasa passando de mão em mão.

terça-feira, 5 de julho de 2016

Serei sereia

A dialética do dia dita
Que serei celeste em solitude
Seleto na amplitude de mim
Sereia do lago
Guarita
Ponto G.

segunda-feira, 4 de julho de 2016

Caso o acaso

Cada passo de cansaço que calço
Na calçada escura dessa vida anoitecida
Faz um estardalhaço de mim
Sem que além dos pés exploda
Qualquer latejo fraco.
Qualquer frasco de fino vidro
Já teria ruído,
Mas disso não me faço -
Não me é fácil.
Eu desconto as horas e espero -
Não a morte, não o fato,
Mas o instante de divinização;
Creio em mim além do espaço,
Aquém de um abraço,
Agarrado à vida pelo baço
Sem sair nem perder
Só vencer a finura lisa do fraquejo que habito -
Força do hábito,
Humano não se sabe frágil -,
Quem sabe dar um tropeço em falso
E a partir daí misterioso encalço.

sábado, 2 de julho de 2016

Disparo

De repente paro.
Percebo que sim, parei.
Outra vez ainda parei.
Sempre que saio da sombra das cerejeiras
Enfio-me sob um teto de falsas estrelas.
Sempre que saro dos arrependimentos passados
Não saro.
Sempre parado no tempo
Sem conseguir redimir o ser
Redomo encostado ao largo da via.
Mesmo querendo bom grado
Que é isto sem teu lado
Rasgado de mim como cera quente
Sem afago?
Faz tempo que demorri;
Faz tempo que despassado;
Faz tanto tempo que até regredi
A tempos que não vivi
Para ver se pairando em passados tão mais longínquos
Parar não causa enfado;
Que até assumi vidas alheias a mim
Para ver se caindo em carne estrangeira
A carne que tive não range rouca sem óleo
Nos risos assombrados
Estagnados em ti.

quarta-feira, 29 de junho de 2016

Expansão

(Your Armies - Barbara Ohana)

Um corpo, legião de espíritos;
Todas as sensualidades
Num instinto selvagem de má educação.
A complexidade do silêncio em voz.
A cadência da personalidade em decaimento constante.
O breu de um poço sem fundo.
O desastre do ego nuclear.
Garganta de Guantánamo.
Guardião do erro, bastião do impropério.
A bandeira de um império esquecido incorporado
In loco corpus,
Locust of dust.
Panteão.

terça-feira, 28 de junho de 2016

Don't Hurt Yourself

Manda avisar via terceiros
Que os terreiros estão abertos
Os deuses da fúria estão em polvorosa
O santuário avermelhou -
Mais um ciclo completo retorna à casa da descompaixão;
Mais uma vez desumanizada em demônio;
De novo o enfaixamento dissolve em ventosas de fogo
E carimbo um selo na testa.
Ouse adentrar os dois olhos do furacão -
Este é o terceiro aviso.
Ouse provocar mais uma íris no dragão -
Vinde à tentação do desassossego.
Vinde, tentação!
Vinde com tuas águas contrárias para me neutralizar.
As voltas aceleraram, quero ver intentares
Sem incineração.

Ateu místico

(The Mystic's Dream - Loreena McKennitt)

Deum mortus est.
Suas cinzas desgarradas do Todo vagaram sobre a Terra.
Nos pequenos redemoinhos erigidos pelo vento
Subiu um templo apócrifo de divino recoberto de barro -
A ele o nome de humano se deu.
A cinza morta se manifestou
Queimando em sonhos repletos de simbologia terrena
Num inconsciente coletivo.
Isto não é Deus.
Isto é o limiar de um altar de fogo
Ardendo um touro branco imortal
Cuja carne resfria em carvão
Vazando pelas beiradas
Eternamente se renovando e decaindo
Expelindo a argamassa do tempo sobre o chão
Para que ele em novo ritual remoifique um altar
No moinho da vida
Até o fim chegar.
Hominis mortus est.

Pupilar

As coisas não podem ficar excessivamente corretas
Minhas fases não são lineares
Meus amores são problemáticos em demasia
Anestesia pra quê?
Sonho de um homem que muda de rosto
Entre todos que amei
E ele em contrapartida assiste uma tela transparente
Finalmente vendo pelos meus olhos
Saindo do meu plano enigmático para o mundo
Ele e eu nas minhas pupilas espelhadas
Onde se encontram os espectros de gente
E dois se fundem num buraco negro
Para devorar o universo numa única visão
Criar a dimensão paralela em que enfim resido
Meu lar não está aí no fundo nem aqui no infinito
Está na superfície nebulosa e ondulante.

Singularem Amoris

(Send my love (To your new lover) - Adele)

Você não é único.
Veja quantos sofrem por amores perdidos;
Quantos amam escondido;
Vendem a torto e direito os entes de cada canto da mente;
Despedaçam o corpo para acomodá-la;
Rasgaram a túnica em vão;
Engoliram vinho seco demais;
Levam o vício a um novo patamar
Deixando rastros de suas dores em outros corpos
Até o gozo secar na ponta da língua,
No canto dos olhos,
No fundo do crânio
E nas letras tortas de amores garranchados na lápide daquele.

Você não é único.
Eu já amei outros sofrimentos perdidos;
Já tive amores proibidos;
Vendi a torto e direito o meu carinho em vários cantos do mundo;
Desabrochei o corpo para acomodá-los;
Rasguei vestes de púrpura para soltar a pele;
Entornei safras requintadíssimas;
Levei o vício a outros patamares
Deixando rastros de felicidade em outros corpos
Até o gozo deles secar na ponta da língua,
No canto dos olhos,
No fundo do crânio
E as letras tortas garrancharem a lápide do futuro.

Você não é único.
Ele tem outros amores que se perderão;
Teve amores na penumbra;
Vendeu a torto e direito um amor que pensavas teu noutros mundos;
Repartiu o corpo como pão para se acomodar;
Deixou as traças carcomerem a toga dourada que lhe deste;
Tomou vinhos bons e ruins;
Encontrou vícios de outro patamar
Criando seus próprios rastros de dor e felicidade
Até o teu gozo secar da ponta da língua,
Do canto dos olhos,
Do fundo do crânio
E só restarem as letras tortas garranchadas na lápide de um amor que dele se foi.

segunda-feira, 27 de junho de 2016

domingo, 26 de junho de 2016

250616

Guardo uma porção de magia
No lado esquerdo do cerebelo
Para desaprender o equilíbrio
Ou reaprender o desequilíbrio,
Sabe lá o que sai dos vulcões em erupção.
Guardo na carteira uma dose
Para revirar a mesa.
Sentes meu revigor?
Que relívio da droga!
O horror da desquímica é demais para uma pobre mente
Paupérrima das pauladas da vida.
Ufa! Vivo nos tempos da medicina moderna,
Ela salva dos erros eros
Ela mata muito mais gostoso
Salvando as minhas letras
E a alma infernizada de terra.

quinta-feira, 23 de junho de 2016

Alea Jacta Est

É muito tempo em cima de tempo
É muito rápida a distância
É muito enfático o recorte
É muito errático o suporte
É tudo muito apático à minha ferocidade
Até que se me enjaule a sorte
E lançada esparrame no molhado
Sumindo...
Sumindo...
Sumindo...

quarta-feira, 22 de junho de 2016

220616

A solidão está no apartamento cheio
Enquanto a maior alegria paira no abandono.
Aprendi a amar sozinho com uma leve dor de vazio
Tentando ser o melhor e mais completo possível
Sem que se me entregue um risco sequer de calor.
Eu não espero nada, desejo pouco.
Os homens vêm e vão,
Os casais se dão a mão
E eu assisto quietinho.
O tempo de sofrer há muito se foi;
A vontade do querer não me apetece.
Vejo o carinho fluindo com tanta naturalidade em outros portos
E aqui fechado para uma infinita reforma
Interditado em calamidade pública;
Deixo a grade cerrada novamente com sinal de 'perigo'.
Enferruja, bem-querer -
Teus floreios não são mais necessários.

segunda-feira, 20 de junho de 2016

200616

Existe um grilo no meu quintal
Sempre cricrilando
Inescapável
Um dia ou outro ele aquieta,
Mas eu sei que está lá;
Ouço seu existir.
Onde está o silêncio que vai me salvar
Desse canto maravilhoso?
Quero a quietude, mas o grilo não morre
E fico sempre esperando ouvir ele serenar.
Quem será que morre primeiro:
Eu ou o desejo de tê-lo lá?

segunda-feira, 13 de junho de 2016

Beiraria

O frio acostuma, mas não aprece,
E mesmo que eu prece ao deus do infortúnio
A fortuna corrompe
E desejo ser rico.
Ainda que se pregue um voto de pobreza
O Papa traja ouro,
Trajano quer a Pérsia
E Roma que rua sob o peso de seu próprio vazio.
Que é o centro do mundo sem suas beiradas?
Expandir é instinto, pecar é preciso
E esse monge pecaminoso não cessará
Enquanto não ver as bordas da Terra redonda,
Enquanto almejar não signifique novamente alcançar os próprios muros,
Enquanto retornar não seja ao infinito romar.

terça-feira, 7 de junho de 2016

Irradiado

Qualé a sua, amor?
Fecha a porta
Ou escancara a varanda;
Essas frestas não condizem
Não conduzem
Não conluzam o corredor e a rua.
A rua tem um brilho muito escuro,
Há muito perigo,
E aqui há segurança demais,
Um exagero para os transeuntes -
Uma claridade que ofusca.
Prefiro um quarto escuro
Onde as fotos, com suas luzes passadas,
Sejam o último conforto
Sem o eterno risco dos feixes penetrantes
Que adentram para cortar mais um pedaço da alegria que poderia ser.
As fotografias que, nessa câmara obscura,
Se percam debaixo da cama
Até nem um último fio de luz restar.

sábado, 4 de junho de 2016

Voy a buscar otro amor que a mí me comprenda

Cada qual no seu jarro de vinho

E eu aqui envelhecido, amadurado e encarvalhado
Familiarizado com as dores neutras que não corrompem mais
Acochambrado em certezas duvidosas de desfim
Desfiado em fina púrpura
Dos mercadores que não me conservaram para o fim;
A conserva não é adequada para mim,
Mas quem sabe ainda me vendam sob o pseudônimo de cetim avinagrado.

sexta-feira, 3 de junho de 2016

030616 [2]

Eu lembro de nada.

Obrigada pelo doce!

030616

Ó ele cá,
Barulho
Baiando dois nium
Baralho de bois
Berrando o truco
Trocando o dois por um

Vendo a boiada a preço de farra
E assisto o susto da Barra

domingo, 22 de maio de 2016

220516 [3]

Você é das poucas pessoas que me fazem sentir pequeno
E como é bom se sentir pequeno.
Sou minúsculo
Às vezes.

220516 [2]

Eu me amo demais para morrer.
Eu quero que o mundo acabe
Enquanto eu olho daqui.
A minha morte é a morte do mundo
E eu jaz.

220516


(All of me - Billie Holliday)

Você é uma sopa tão quente
Tão saborosa
Um cigarro tão avassalador
Meu Deus, como você é...
Quem é você?
Você é um eu gostoso demais
Você é um eu saboroso demais
Ai, você...
Ai, eu amo você.
Ai ai ai
Ai, que dor de você
Você não existe!
Esses homens podres são todos metade de ti;
Você é gostoso demais!

sexta-feira, 20 de maio de 2016

200516

Eles não têm identidade
Eles não têm construção
Eles não têm vida
Não têm ritmo
Eles estão aí pra aguentar o peso de existir,
Os poemas da era dos poemas sem nome.

Deus

Cada dia num corpo
Pra excluir a exclusão.

Morder a jugular em resposta à tua podridão
E amanhã não sofrer de bruxa
Exorcizada na madrugada.

Porque no fundo sou bruxa,
Mas não essa frágil que imaginas, homem;
Devoradora de almas humanas -
Humano, tu.
Mulher, Deus.

terça-feira, 17 de maio de 2016

170516

O meu medo é que jamais passe
Esse sentir em degredo
Esse amar eterno
Esse doer pequeno na imensidão
Essa estultícia de dedicar meu tudo a uma vida que não é capaz de me enxergar aqui do outro lado do muro,
A carne dura que não soube em si bastar.

sábado, 14 de maio de 2016

140516

Você ainda não se redescobriu, não é mesmo?
Como seria possível,
Você nem se descobriu pela primeira vez!
Você não é nem América,
Nem ao menos pós-colonial;
Até a Antártida já foi explorada.

Mentira...

Talvez você seja Antártida,
Explorada mas não descoberta;
A manta é exageradamente confortável -
Gélida e aconchegante.

sábado, 30 de abril de 2016

sexta-feira, 29 de abril de 2016

290416

Fecha a porta e sai
Atravessado
Que a hora é dos xamãs
Chegando gelados
No estalado das paredes
De reboco e tecido muscular.

Vaza!

Passa!

Arre!

Encrave noutra cartilagem;
Hoje estou um sebo
Empoeirado de invontade,
Quero só minha ruindade
E a bruxaria na ruína
Como pra alma o pão.

quinta-feira, 21 de abril de 2016

Monção

Na minha vila há uma igreja
Que vai pelo nome de 'Templo dos Amantes'.
As missas não são obrigatórias
Nem têm horário marcado,
Mas vão sempre anunciadas pelos sinos
Que ecoam da torre ao Vale das Monções;
E, quando eles tocam, a cidade inteira vibra
Nos tinidos graves e agudos
Tremendo suavemente as fundações dos lares,
Fazendo viver mais reverberantes os horários,
Mais dançantes os passares.

quarta-feira, 6 de abril de 2016

060416

É preocupante que me sinta mais eu
Em estado entorpecido
?
É desesperador que o nada esteja em posse
Da minha serenidade
?
Hoje estou decidido que as portas deveriam ter permanecido seladas,
Mas já que estão escancaradas
Preciso procurar um novo feitiço
Para trancafiar os demônios
E libertar a língua.

sexta-feira, 1 de abril de 2016

A barata na teia no lago na calça na cara

As poucas luzes sobre o lago
E a barata que imagino
Colada na minha calça
E a teia que sinto
Na minha cara

010416

Festeje o fetiche de sons
Os sapos, os cães, os humanos,
Até encontrar o furúnculo apodrecido
No teu poema.
Ele está frouxo
Ainda
Mas vai aparecer.
O silêncio vai transparecer
No bicho de fato,
Não no fantasma,
Que balança os galhos no mato,
Não no quarto,
Que te (tu) submeter(es).

terça-feira, 29 de março de 2016

Vincit Omnia

I am the demon that lives in the darkness
I am the creature that dwells in the deep
I am the fearlessness of the unconscious
I am the god in this human underneath

sábado, 12 de março de 2016

120316 (Ou pós-fim)

Vontade de falar tudo
Desabar no social até sobrarem as cinzas
Vontade de descaveirar as mortes do íntimo
E rolar alegremente sobre a cremação do ser
Vontade de tomar os outros seres e descontruí-los ao ponto da destruição
O desejo de implosão reverteu sobre o mundo
E quis te devorar.
Venha cá, leitor:
Hoje eu vou te detonar.

I saw a UFO

I saw a UFO inside my mind and nobody believes me
I heard glasses playing a tune inside my mind
And nobody hears them
I felt 'em bells ringing here beside me
And no one denied them,
Though no one could feel.

120316

A confusão de saudades faz bem.
Saudade de ontem,
Saudade de agora,
Saudade de quem dorme na minha cama
E quem já dormiu
Saudade de quem nunca dormiu mas deveria,
Saudade da minha irmã
Da minha mãe...
Saudade profunda, saudade errada
Saudade do amor que senti em mim outrora.

Saudade da tua demora.

quarta-feira, 9 de março de 2016

090316

Dia franzino
De quem molha a ponta do dedo na água
E tenta bebê-la.
Dia surdino
Que raro me toca
E esgueira um foco de algo
Mergulhado num mar de besteira.
Dia, noite, dia
E as causas que movem a fria natureza dos meus dedos direitos sobre a palma esquerda
Continuam semi-mortas.

terça-feira, 8 de março de 2016

080316

Pode tentar se esconder,
Fingir querer não ser visto,
Sofrer a superexposição -

Mas há de lembrar que o poeta nasceu para isso.
Vai lá e lamenta, tenta consertar;
Se não der pode até chorar um tempo,
Depois senta e expõe a ti e ao mundo.

segunda-feira, 7 de março de 2016

070316 (Ou HBP)

(Sombras - Buika)

Não percebes a profundidade do teu olhar
Já que não podes fitar-lhe o desfim;
Não enxergas o conforto do teu sorriso
Nem ouves o suave timbre da tua grave voz
Quando resvala em meus ouvidos.
Não me queres deixar entrar
(Isso não faz mal, afinal somos breves ainda)
Sem saber quão amplas são tuas portas
E variados teus jardins.
Como sei?
Arranquei um vislumbre pela tranca
Debaixo das tuas feições
Quando em ti a escuridão brilhou.

070316

Eu não saberia dizer
O que é você,
O que sou -
Somos...
Eu não sei conceber
A sua missão
Dentro de mim.
Eu não consigo entender
O destino que o fino caminho do mundo
Traçou para nós,
Nem como a linha que escrevemos
Versará o estado de vida
Que a natureza quiser nos ser.

quarta-feira, 2 de março de 2016

020316

A sensualidade tarja preta exala pelos meus poros
Com cheiro de cigarros brancos
Filtrados vermelhos
Nas taças que derramo pelo chão.
Já parou para analisar os cacos de cristal?
A cacofonia do ser é deveras interessante.
Deverias inteirar a cena, que parece um suplício mas não é;
É só um sulfite a se rabiscar.
É o dessufoco;
É o poeta-deus em foco.

terça-feira, 1 de março de 2016

Furiosa

Você nem imagina o quanto me desequilibrou;
Já desejo sentir raiva!
Estou completamente doente,
Caído na cama sem conseguir que mais fazer,
As vias aéreas outra vez entupidas de dor
E o que eu tinha recuperado de humano
Pra fugir desse meu bicho
Está sublimado n'algum outro lugar -
Subiu como se fosse uma camada de suor evaporando sob o furioso brilho do Sol.
Eis-me aqui seco,
Despido,
Lambendo os pelos pra ver se me livro
De pelo menos um pouco do excesso de ti.

Março derretido

É Março outra vez, quem diria.
Eu que sempre acreditei haver um por vida
Hoje chovo novas águas
Que pensei chover nunca mais.
Aquele velho desejo de Abris esplendorosos,
Aquele sonho de Maios sutis
E também o temor de Junhos invernais e Julhos congelados.
Mas por enquanto é Março,
Mês de poesia juvenil e lágrimas sorridentes,
De calor na cama e uma pele grudenta a derreter corpo afora,
Secando noutra carne ao tentar adentrar seus canaviais,
Buscando despejar no desconhecido mas já tão querido
E viver os carnavais da mente, marcianos,
Muito mais críveis que os de outros anais.
Esse mês é meu estado natural.

sábado, 27 de fevereiro de 2016

270216

(La nave del olvido - Buika)

Esses amores não me bastam;
Como são horríveis!
Os amores desenvolvidos são péssimos.
Eu não quero desenvolver meu amor por você;
Eu não quero que nosso amor se desenvolva,
Que destino terrível!
Eu só quero ser apaixonado por você.
Eu só quero que nossa paixão se desenvolva infinita.
Eu prefiro que nos amemos distanciados, credo!
Como é possível querer só você,
Mas só te querer invisível?
Preciso dessa fotografia. Talvez desse filme.
Mas preciso de você, por favor, preciso de você.
Cala-te! Cala-me! Que calamidade!
Preciso estar em chamas, mas não posso ser Chicago...
Preciso de mim mesmo, é isso!
Mas preciso errado...
Que raios de imprecisão é essa que eu tinha esquecido, diacho?!

quarta-feira, 24 de fevereiro de 2016

240216

Não bastam três marias no canto da vida.
Não basta que sejam no indicador;
Não basta que estejam na mão direita;
Mal basta que sejam,
Que dirá estejam,
Misericórdia!
Tenham misericórdia, deusas,
Desses pseudo-deuses!
Tenham rapsódia dessa caça,
Eles Crassam errado.

segunda-feira, 22 de fevereiro de 2016

sexta-feira, 19 de fevereiro de 2016

Simples

Acho que as pessoas não são complexas -
Elas complicam demais;
Talvez inclusive por um medo de ser muito simples,
Sem saber que abraçar a própria simplicidade
É a melhor forma de se complexificar.

terça-feira, 16 de fevereiro de 2016

Raio que o parto!

Vou pro raio que o parto!
Lá caio fulminante na moleira,
Arrebento qualquer sensação de broto
Com a fúria de tombar a madeira de mil sequoias milenares;
Lá reabro a ferida,
Enfio a mão inteira
Até sair do outro lado em carne viva,
Avesso porém redimido;
Lá renasço que não cresci pra ser crescido,
Eu sou pra sempre infante
Afetado de energia,
Um feixe de eletricidade rodando em infinito, pele adentro, pele afora, pelo aflito e arrepio!

Três dias

Parece que nos dias em que fui mais feliz, mais sofri
E vice-versa.
Minha mente nasceu querendo complicar,
Misturando euforia e melancolia
Num Yin Yang expressionista,
Todo borrado e desequilibrado.
Nessa bagunça, quanto mais se sente, mais se tudo.
Daí meu vício nesse negócio que chamam de amor;
É pior que ópio.
Um dia matei um pedaço de mim achando que seria mais fácil
E por um tempo realmente foi,
Mas a longo prazo é intragável ser incompleto -
O inconsciente não aguenta, precisa se fazer de Cristo e ressuscitar.
Porém, diferente dEle, Eu ressurjo aos poucos:
A terra não treme; a rocha não quebra; o sopro não entra no corpo de uma vez.
Estou revivendo ao longo dos Meus três dias
E quando chegar lá nada sabe qual Eu será, que bagunça dessa vez me formará.
Deuses queiram que eu saiba sobreviver a isso.

domingo, 14 de fevereiro de 2016

Dedicatória

Dedico-te minha vida.
Se não a aceitares,
Dedico meu amor.
Se não isso,
Minha dedicatória.
Se não,
Meu mais absoluto silêncio cheio de significado.

quarta-feira, 10 de fevereiro de 2016

Alteregologia

Meu limite não é a morte.
Poucos chegaram tão perto da imortalidade.
Quer saber o segredo?
Que pena.
Meu orgulho é grande demais para se liberar numa pequenez.
Minha mente não cabe no teu corpo.
Ela nasceu na carne certa para brilhar no escuro.
Prostra-te perante o Deus de fogo.

segunda-feira, 8 de fevereiro de 2016

Eterno em mim

(No Habrá Nadie En El Mundo - Buika)

Perdoa-me por faltar uma língua melhor,
Não falo mais que poesia
E um arranhado de violão alheio.
Eu sinto muito, demais até.
Se pudesse, me arrependeria pelos meus erros que vejo em você,
Mas o espelho está repleto de mim,
Ao ponto que deixei de enxergá-la.
Ainda vejo tuas dores.
Distanciei-as, mas vejo.
Elas são eternas em mim.
Por favor enxergue a eternidade.

Montaria

Monta o jumento, Maria!
Tá montada?
Faltou o rímel,
Um teco de pó -
E a base, Maria?
A base, porra!
Assim parece uma palhaça!
Dê cá o pincel,
Deixa que eu pinto.
Se bem que assim faz mais sentido...
Vai, termina de montar o burrinho.
Subiu? Tá no ar? Tá melhor?
Aprontada? Aprontou. Ufa!
Imagina se não 'tivesse aprontado?
Benzadeus!

No Hay Quien Viva Así



A vida é tão ridícula quanto uma salsa:
Cheia de felicidade com uma letra deprimente.
Mas tem coisa melhor que comemorar as tristezas?
Choremos a alegria então!

sexta-feira, 5 de fevereiro de 2016

Incubadora

A boca chega a gangrenar
De tanto suplício
Encravado sob a língua
Nas veias entupidas que saem da mente.
Quando cuspo,
Só água e sangue;
Se engulo,
A ferroada vermelha lateja amarga.
Todo o amor reprimido nas papilas
Sem endereço de destinatário.
Como o poeta vai declamar
Se todo ouvido é surdo,
Todo olhar, daltônico
E a própria língua jaz muda?
Coisa horrível, pulsar sem batimento,
Sentir no todo o aquecimento e nada para refrescar.
Pois então para manter vivo o corpo febril
Sigo engolindo gelo,
Lançando cubos como moedas ao poço.

quinta-feira, 4 de fevereiro de 2016

Sonhos de Uma Noite de Verão

Os passados têm me assombrado à noite
Com suas delícias excessivas.
Não faltam prazeres agora
Mas o outrora, sempre dourado pelo tempo
E amanteigado pela poesia,
Tem uma ternura leitosa.
O problema é que sou intolerante a lactose;
Mamo desenfreado até ficar constipado,
E de repente nem o presente engulo -
Parece um pão duro de realidade.
Viver sem futuro tem lá seus problemas...

Rosnado

Lavrei o lacre
Virou um lavabo de tanta limpeza
E ainda assim emana de lá uma larva
Hermana das minhas levianidades
Casada com minhas bruxas
Estreitando as relações do meu bruxismo
Cima e baixo rangem atritando faíscas
O ralo gira em hélices pra serrar a carne
O cume da serra é só o ponto de partida.

sábado, 30 de janeiro de 2016

Ritual de Ressurreição

Xô, mania de
Des-xamanizar!
Deixa o xale na moça!
Deixa o charque apodrecer!
Encharca o vale ao invés de secar!
Arrasta o restelo no mangue,
Rasga a manga noutro arranque.
Pode ferver o chá dos imperadores,
Mas por favor arranja um bule!
A cauda da tua xícara já quebrou,
O rabo da tua cabeça já está no esôfago,
A serpente entornou;
Engole o veneno e vive, criatura!
Tua estatura é boa pra se engolir e cuspir fora o mundo.

300116

O Diabo tem muitas cores.
Graças a Deus.

quarta-feira, 27 de janeiro de 2016

270116 [2]

Eu tenho um credo
E, credo, como cri!
Cri cri cri
Lamentaram os grilos
O invólucro das minhas hipocrisias
Casulo das frias realidades
Ofensa do meu ateísmo cristão
Blasfêmia do meu islamismo sultão
Graças a Deus pelo Alexandre do meu harém!

270116

Tem uma cobra me cheirando
Tem uma cobra hablando
Cobra de mim um pente
Pentelhando um dente
Essa maldita dor de dente
Rangendo uma falta de gente
Calmante calmente caliente
C'a gente de frente
Socorro, sofrente

segunda-feira, 4 de janeiro de 2016

Vênus

Vê-nos nus?
Descabeladas
Desgraçadas
Nu descalabro
Do desabro?
Descasados
Nas dez casas do Diabo;
Acasalados
No acaso
Como os casos de descaso
Pela veracidade dos vasos?
Como vazo, Senhor,
Nas identidades ocasionais
Ovacionadas pelo raso!
Mas hoje estou profunda
Fundada em raízes
Fundidas n'algo
Fodidas nele
Nel'Eu