quinta-feira, 28 de julho de 2016

Qualumano?

Eu já recheei as minhas palavras
E já dobrei elas à multidão:
Qualé a ação melhor,
Qualé a humana afirmação?

Milíngua

A minha linguagem é tudo que há
Tudo que resta de linguajar
E enquanto a língua tremula nos dentes
E no céu da boca
Um rasteiro falar,
A morte me cheira
E fala de um pó
A cheiroso minguar.
A vida é pó,
Mas não mais que a língua
Que range nos chifres do esperar,
Pois chifrudo o resto porá
A estância da míngua,
A canção carcará.

quarta-feira, 27 de julho de 2016

Estrebucho

Donde está la plenitud de la palabra?
Eres loca, palabra?
Caçar-te-ei nas beiradas longínquas de outras línguas?
Lamberei tuas mentiras na sujeira?
Eis-me aqui
Enfiado em falsos proselitismos
Esmerando misérias,
Repetindo falanstérios velhos -
Falando sério?
Mistério?
Isto é um ministério da palavra?
Esta insuperação?
Ignora-me então.
Penhora meu talento
Pela moeda da danação
E eu te darei um silêncio tão mais poético
Quanto o futuro da minha criação.
Não! Faça-me um pacto
E vendida a alma
Estrebucharei
A beleza maior do meu revertério.

terça-feira, 26 de julho de 2016

Lava

Lavar-me-ás?
Sou larva na tua lavra?
Lavrar-me-ás com lacres de aço?
Lacrar-me-ás com varas forjadas em sangue?
Forjar-me-ás mortes com preces antigas dos teus demônios?
Cuidado! Água de lavar evapora na lava quente.

Lua II

(Night Ride Across the Caucasus - Loreena McKennitt)

Doce melancolia do pálido luar;
Tristeza sublime
Esboçada num sorriso amarelo
Com lábios róseos das nuvens noturnas;
Lua bruta recoberta em plumas,
Gema dura na casca macia -
Tua fria distância me conta
De antigos verões,
Teus versos remontam a outras versões
Do teu esboço;
Teu olhar re-reflete em meus olhos,
Os sóis primitivos da minha flora
Donde as flores tatuadas na fronte
Há muito congelaram;
Tua luz não me comove,
Mas talvez mova a tinta preta da face
Para desabrochar nos petrificados botões
Novos bordados
Rastejando em meio a pele e osso,
Hoje e ontem,
Partindo a cartilagem que engessa
O músculo vermelho debaixo da testa
Entre duas pupilas, dois ouvidos
E uma fina plumagem capilar.
Quem sabe assim esse meu pentagrama
Cante a ti um novo feitiço
Semi-acordado na noite,
Um passo em falso entre quase-vida
E morte.

sábado, 23 de julho de 2016

Satírico

Que espécie é você
Importando-se com consequências
Como se elas valessem um tostão do seu tempo?
Quem é que se importa?
Onde foi que encontraste valor no teu tempo?
Se ao menos o tempo do vento valesse,
Quem sabe, quem sabe...
Se ao menos clareasse,
Mas tua estultícia,
Estátua,
Burrice
Potencializa-te.
Deus!
Se ao menos os deuses fossem reais
Queimariam-nos sarça ineterna
Sem essa ardência humana ininterrupta!
Se ao menos não fossem tão burras
As pretensas almas dessa opaca lua!
Se ao menos alma quedasse a estatura
Da humanidade,
Mas não -
A queda é figura:
É tão abstrata quanto a distância
Entre a finura da brisa e o chão colado ao nosso nariz
Que se esparrama feito chafariz na vida.

segunda-feira, 18 de julho de 2016

Prece do preço

Quantas vezes será preciso repetir como mantra
Que necessitamos amor e compreensão?
Quantas vezes recairemos no ódio
Sem vislumbrar o humano errático
(Grande redundância)
Do lado de lá?
Quantas vezes o amor se transformará noutra coisa
Em seu eterno recriar?
Quanta dor se refará das cinzas das catarses?
Quanto amor será preciso para a indiferença,
O horror e a raiva dissiparem?
Quanto disparate se englobará nas palavras,
Quanto rancor sobrevirá nossas ações,
Quantas vezes recairemos em erros que nem percebemos
Antes de sublimar?
Quanto capital,
Financeiro, político, discursivo, de conforto,
Angariaremos sobre vidas alheias
Antes de simplesmente amar?

Poesia

Existem muitas formas de morrer em vida;
Perder um pedaço fundamental da existência
E a partir daí,
Cheio de decepção e angústia,
Sobreviver maduro.
Adulto, afinal, é aquele que resistiu às perdas -
Resistiu em tempo, apenas.
As metáforas,
A leveza,
A poesia,
Nada resiste.
Talvez a poesia,
Mas cheia de remorso,
Suas lacunas repletas de silêncio.
Sobreviver é um mar de poemas tristes
Onde afundando perpétuos vez ou outra trombamos
Com uma corrente quente de poesia inocentemente alegre
Que nos empurra pelos instantes suficientes
Para a queda durar menos fria.

quinta-feira, 14 de julho de 2016

Dissólido

Quando abri meu coração
E exibi meus átrios de alabastro
Fui saqueado e esmigalhado
Pelo sentido avinagrado
De quem não soube o que é amar
Nem nunca vai saber.
Quando abri
Pensei no mundo outros seres
Alados de inocência pueril
Mas só fui lançado aos lobos
De um covil assombrado
Por temores de proximidade
E horrores de solidão
Sem saber na dialética onde respirar;
Ouvi que não devia me entregar de corpo e alma,
Que o suporte deve estar em si, jamais no outro
E a força tem de vir do próprio buraco.
Se é assim, então foda-se: sou fraco;
Teus conselhos nada valem;
Teu amor é um caco,
Um teco falho de todo o bom-grado
Que tenho bordado debaixo da pele.
Se querem que guarde, guardo -
E perdem com isso as vidas desse mundo parco
Sem conhecer a verdade por trás dos clássicos
Nem a alegria de derreter vidro.

segunda-feira, 11 de julho de 2016

Transfeito e aglutinado

São realmente infinitas as voltas que a vida dá.
Quem ontem me fez mal em bem se recriou,
Aquilo que doeu me transfaz
E o que odiei hoje amo;
As solidões me reformaram,
As decepções aglutinaram em força
E hoje ouso até dar graças;
Ouso concordar que é de graça,
Mesmo sendo muito cara,
A paz da felicidade.

sábado, 9 de julho de 2016

Mimo

Vida, me beija
Com seus lábios carnudos
Sopra no meu sopro
Faz carinho no cangote
Lambe meu beiço
Minha língua
Meus dentes
Me veia
Me arranca suspiros e do lugar
Me devaneia em caminhos impróprios
Me beija mais
Novamente
Me roça
Me atroça
Mela teu cheiro na minha fossa
Pra que se desfaça
Me acoca no teu cocar de brilho
Me brilha de novo luar
Me apossa reviva
Me coça a barba malfeita dengosa
Me arrasta de novo praquele corar
Pelo colar
Me míngua até poça
Até eu secar

sexta-feira, 8 de julho de 2016

Miséria

Vejo voando por aí mariposas coloridas
Bailando em círculos virtuosos
Nas correntes do ar.
Vejo-as complicando acrobacias,
Completando fantasias estapafúrdias,
Galanteando fúrias estúpidas
E loucuras olhudas;
Vejo-as num desembaraço
Que não combina com os bagaços
Por elas engolidos.
Vejo e recordo os dias
Em que não fui fuligem -
Fugiram de mim os encantos.
Vejo e me temo bruxa
Atabalhoando asadas burras entre os galhos -
Prefiro pousar num tronco poluído
Refletido na imagem de mim
Escondida em cores sinceras
Sem alardear corvos
Ou alar misérias.

quarta-feira, 6 de julho de 2016

Revolução dos nichos

A rua pulsa em vidas estranhas à meia-noite.
Quem são esses frascos de sopro enfornado?
Os fumantes deveriam se unir no abandono
Para aquecer histórias apartamentadas
Em fogueiras de revolução:
Basear os cotidianos avulsos
Numa só brasa passando de mão em mão.

terça-feira, 5 de julho de 2016

Serei sereia

A dialética do dia dita
Que serei celeste em solitude
Seleto na amplitude de mim
Sereia do lago
Guarita
Ponto G.

segunda-feira, 4 de julho de 2016

Caso o acaso

Cada passo de cansaço que calço
Na calçada escura dessa vida anoitecida
Faz um estardalhaço de mim
Sem que além dos pés exploda
Qualquer latejo fraco.
Qualquer frasco de fino vidro
Já teria ruído,
Mas disso não me faço -
Não me é fácil.
Eu desconto as horas e espero -
Não a morte, não o fato,
Mas o instante de divinização;
Creio em mim além do espaço,
Aquém de um abraço,
Agarrado à vida pelo baço
Sem sair nem perder
Só vencer a finura lisa do fraquejo que habito -
Força do hábito,
Humano não se sabe frágil -,
Quem sabe dar um tropeço em falso
E a partir daí misterioso encalço.

sábado, 2 de julho de 2016

Disparo

De repente paro.
Percebo que sim, parei.
Outra vez ainda parei.
Sempre que saio da sombra das cerejeiras
Enfio-me sob um teto de falsas estrelas.
Sempre que saro dos arrependimentos passados
Não saro.
Sempre parado no tempo
Sem conseguir redimir o ser
Redomo encostado ao largo da via.
Mesmo querendo bom grado
Que é isto sem teu lado
Rasgado de mim como cera quente
Sem afago?
Faz tempo que demorri;
Faz tempo que despassado;
Faz tanto tempo que até regredi
A tempos que não vivi
Para ver se pairando em passados tão mais longínquos
Parar não causa enfado;
Que até assumi vidas alheias a mim
Para ver se caindo em carne estrangeira
A carne que tive não range rouca sem óleo
Nos risos assombrados
Estagnados em ti.