sexta-feira, 29 de dezembro de 2017

Atormentado Pela Falta de Tormenta

Faltam-me excessos
Pra declarar o excedente
Do passado.
Tu não me sentes o suficiente
Pra eu conversar comigo mesmo
Um expediente:
Um comprovante em poema.
Estou indiferente
E isso não basta pra que eu tente ser poeta -
Será esta minha tormenta?

O Segredo

Sussurra, meu cuco,
A explicação do mundo
Aqui no meu ouvido -
Sussurra bem baixo
Que todo o mundo está ouvindo.
Murmura escuso
O significado disso tudo
Contra o muro
Do que é proibido ao fundo
Na minha humanidade superficial.
Esconde no telefone sem fio
Que eu prometo não retuitar.
Esconde em mim que...
Ahhh!
Eu já sei!
Ele me contou!
Eureka!

Que?

E quem te falou
Que eu vou passar o segredo?

domingo, 24 de dezembro de 2017

Callas

Eu já passei da tua imagem
Mas também não me venha
Falando de dores passadas -
Deixa que elas se entendam
Sem indireta colocação.
Coloca-te no teu lugar,
Naquele onde me deixa estar em paz,
E apaga os teus excessos no meu caminho -
Afaga a si mesmo os desacalantos
E os teus enganos,
Que eu não tenho mais obrigação de carinho
Mas não deixarei minha amabilidade
Pelos teus erros se apagar.

quinta-feira, 14 de dezembro de 2017

Que Soy?

Quien soy yo
Que não sei
Nem enganar
Ou manejar
Os seres mirins?
Quem sou eu que não sei
Nem manipular
Uma pequena conversa
De descoberta?
Quem sou eu
Se não sou um deus
A todo momento
Espreitando as mentes desconfiado -
Quem sou eu se não desafio
E só busco reafirmação?
Que soy yo
Se não deus
E assim infinito ardor?
Eu sou artista,
Pequeno poeta,
De infinita observação -
Eu vejo, entendo, mas não compreendo
Pois se compreendesse seria
Muito mais que a obliteração
De olhar e transcrever -
Muito mais que a arte.
A minha pequenez me incomoda
Pois sou humano demais
Praceitá-la.

quarta-feira, 13 de dezembro de 2017

Murmúrio

Ouve a deusa que te murmura sob a luz alta
Pois houve quem não a escutasse
E terminasse a noite sobre o escuso altar.

sexta-feira, 8 de dezembro de 2017

Imposição

Todavia te imponho
Uma curva de obrigação
De sentimento amargo
De errada aceitação
E nela me mato
Pois o que te obriga
Também te leva ao desdesejo
E aqui estou posto
Entre o exigir e negar prazer,
Tanto a mim quanto a ti
(mais ou menos).
Eu me renego por ti,
Para os outros
E pela tua boa vivência -
Eu te obrigo a mim, tão ridículo e aspargo,
Que até teu mijo fede desse passado
Onde sou obrigação.

Poema da Vida

Agora pouco eu conversava sobre a morte
Como se fosse uma coisa do passado;
Como se fosse uma dose de tequila
Ou de veneno amargo -
Tanto faz, a face se retorce igual.
Agora pouco eu contava um conto
De uma morte estranha
Como se houvesse estranheza
Entre os mortos e os vivos
E não passassem naturalmente os estados
Como uma fronteira
Entre o México e o canal do Panamá;
Como se a barca não passasse
Com naturalidade
Entre os lados daqui e dacolá.
Agora pouco eu contava uma história
Como se estivesse morto
E reiterasse os fatos
Reagarrando a terra entre os meus dedos.

segunda-feira, 4 de dezembro de 2017

Poeta Inebriado

Conforme a sugestão de texto automática do meu celular,
Vou começar falando de mim
E conforme a sugestão de contexto sintático proposto pelo vinho,
Vou recomeçar falando do ambiente
Propício à falastranice.
Vou dizer que talvez esteja de novo feliz,
Revigorado pelo menos no excesso de palavras
E na inconsequência que condiz
Com o estado alado
De deixar de lado
Na deixa poética do bom grado
A minha miséria de espírito
Por este falatório inconsequente
A que se resume um poeta inebriado.

quinta-feira, 30 de novembro de 2017

Área Comum

Eu gosto - fazer o quê - do meu lugar comum.
O meu conforto fala por si,
Onde mais eu vou querer estar?
Onde mais eu vou reverberar again and again
Se não na recorrência de mim?
Eu me repito irrestrito na minha restrição,
Que nela eu vacilo uma rouquidão
Agravando ao tom
E a voz pode no seu som constante
Ressoar eventualmente um algo diferente,
Uma inovante repetição -
Um mantra elevador
Apesar de relevar aos mesmos andares
E suas supérfluas compartimentações.

quarta-feira, 29 de novembro de 2017

Síncope

Dentro da minha caverna
Reside um ciclope que forjou o fogo
E a partir dele o mito do pensamento.

A Pedra no Caminho

Eu nada sei de amor.
Eu sei de alguns resquícios -
Desejo, carinho, a linguagem mútua,
A dor, a raiva e às vezes até possessão.
Talvez até tenha sabido um dia,
Mas descobri numa epifania
Que amar é um caminho
A constantemente se fazer,
E esse pretenso amor sofrido que construí
Pensando ser o amor um estático monolito erguido rumo aos céus
É pura ilusão:
Sua rota leva apenas a uma religiosa admiração
De quem levanta os olhos sob o obelisco
Esperando que raie nas nuvens algo mais que trovão.
Eu desaprendi o amor
Contemplando a lápide do meu caminho
E hoje apenas velo em ritual.
Velo o fim de uma trilha de mim
Esperando que se abra na mata uma passarela
Sem passar a faca na espessa vegetação.
Eu nada sei
E quem sabe essa descoberta me permita recobrar os pés.

quinta-feira, 23 de novembro de 2017

La Ley de Mi Deseo

(Havana - Camila Cabello)

Eu tenho deseo que se haga
Na Portucália como se faz
Em Guadalajara
De cuerpo lento
Levemente acelerado na mente
Mientras me conquista en la lengua
Do olhar.
Yo creo na sedução à lá colombiana
Republicana e subliminarmente engolida
Pelo calor tropical.
Yo soy meio cubana
Ilhada no mar quente de Revolución
Feito brinco inexistente
Brilhando num sussurro entorpecente ao pé do ouvido.
Soy calefacción demasiada adentro
Pra me tocares com algo mais
Que a tomada surdina
Contornando o rebolado do meu quadril
Buscando la llave
Sem nunca direto me destrancar.

Parada dos Versos

Eu vou parar de escrever
Porque minha mente está cansada
E mesmo que não estivesse não tem mais nada,
Além de que o meu estilo já está viciado
E eu me pego questionando o quão artístico realmente é um poema meu
- Se é que poesia é arte e não só poesia -
Aliás, não só o estilo mas os temas
- Céus, até este tema já está esgotado -,
Mas também porque não quero mais que me leiam
Nem nas páginas, nem nos pensamentos -
Cansei desse diário escuso
Que desmantela meus dias em vários pedaços avulsos
Filtrando meu tudo em linhas de raciocínio circular
Fingindo simultâneo o descaso com o leitor
E o desespero por atenção;
Escrever, fumar e beber estão exageradamente ligados
E disso tudo preciso parar,
Então eis aí mais um motivo.
Sem contar que versar requer uma vida mais movimentada que a minha
E mais versada,
Coisa que não sou.
Na verdade de forma geral faltam inspirações -
Transas, amores, emoções, pessoas, vazios, cheias, traições, redenções, expansões...
Enfim, outras versões de mim;
Eu não tenho motivos para me expressar,
Só motivos para parar
Antes que a aliteração me obrigue à continuidade
Do exercício frio e mal pago
- Taí mais razão -
Das minhas mãos que não calam a boca.

terça-feira, 21 de novembro de 2017

Poema Vitral

Deixa eu te contar do meu lugar:
A luz é baixa, quasisexy,
Na entrada castanha da porta semicerrada;
A luz é quasinada
De vela no fim do pavio
Pronta pra apagar.
A conversa é abafada e a janela fechada
Pra não entrar sopro nem sair barulho.
A decoração é de garrafas vazias
Quebradas e remendadas umas nas outras
Pra formar vasos de vidro colorido
Que filtram o ambiente esfumaçado
Encaixados nas luminárias escurecidas.
A mobília é velha e enrijecida
Pra sentar meio desconfortável retorcido
Forçando a coluna ereta contra uma almofada esvaecida.
O meu lugar é um sonho quase acordado
Naquela semiescuridão decantada em cor
De quem foi engolido por si.

quinta-feira, 16 de novembro de 2017

quarta-feira, 15 de novembro de 2017

Eu Sou

Eu aguento
A minha crise, o meu erro, o meu eu.
Eu aguento quem sou
Porque Eu Sou

Disse a brasa que treme dentro de mim,
Disse a vida, a existência,
O temor
Que
Eu.

Poema da Profanação

Vinde, mente, corpo
À origem do teu defeito:
A primazia do sacrossanto.
Deturpa a raiz,
Pois queimada no profano
Ela cede lugar com mais facilidade no solo,
E depois arranca os bulbos podres de retidão.
É hora de uma muda
Selvagem
Pra regenerar teu chão.
Vinde, mente, corpo,
Que as mentiras duvidosas
São o primeiro passo rumo às verdades,
Diferente do que pregaram na tua constrição.
Vinde que a profanidade
É agora a amiga mais íntima
Da humanização.

quarta-feira, 8 de novembro de 2017

Amanifesto

Resfria, mundo,
Que tuas engrenagens estão sobreaquecidas.
Mergulha na água fria...

Ou não.

Ferro quente subitamente gelado petrifica.
É melhor que sobrecarregue o sistema
E se desmonte num arremate -
Eu quero ser no mundo a queimar
Na velocidade do absurdo
Pra ver se a realidade
Como cortina de ferro estendida sobre a verdade
Desmantela.

Ou não.

Vai saber.

A história está acelerada demais pra predizer.

segunda-feira, 6 de novembro de 2017

Poema da Desolação

Faria
A minha vida
Própria
Se não pro moinho
Farinha

Pulsação

Hoje amanheci
Com aquele órgão tubular
Corando cantos esgueirados
Da minha explicitude
Entalados na aorta.
Aquietei nas metáforas complexas demais
Para o poema me gritar engasgado
A fúria da tristeza profunda
Engordurada demais pra pulsar;
Tão envolta que fica parada
Entupida
Na minha súplica
De amar...
De amar...
De amar...
Do teu amar que não pulsa.
E eu parada cardíaca
Já aceitei o fatídico fim.

sábado, 4 de novembro de 2017

Captura da Inconstância

O mundo cabe num quadro muito preciso
Fora do qual fica difícil enxergar -
Se expando demais confundo
E não vejo contornos ou cores;
Se reduzo, seus detalhes não resistem
À minúcia com a qual os fito.
A estática, no entanto,
Não é seu estado habitual -
Pra encontrar seu habitat
Os meus olhos precisam sempre ajustar
O foco das lentes -
Ora abrindo, ora enclausurando -
E esse equilíbrio errante é difícil.
A córnea dói, as pálpebras palpitam,
O cérebro interpreta errado
E as imagens formam distorcidas
Na antecâmara ocular -
O mundo quase sempre está errado
Nos retratos que consigo
Oscilando entre frames
Sem formar-se estrito.
O movimento é, enfim, o quadro
Onde o mundo se desenquadra
A cada segundo que rapto e abandono
Num turbilhão de compreensões difusas.

sexta-feira, 3 de novembro de 2017

Minha Pitchuca

Senti que o universo,
Tão frio, desconectado e avulso,
Me replicou -
Não porque você é minha idêntica
Nem minha continuação;
Não porque eu seja teu guia -
Mesmo que te mostre algumas portas
E queira te proteger dos monstros...
Você não é criança, mas é minha pequena -
É meu espelho vivo e ambulante
Independente
Cheia de arte viva.
Você é o desenho
Que eu remendei pra colar
Na minha parede
Como se colando a parede
Eu colasse a minha essência em mim.

Fado

Você quer rimado, poeta?
E cheio de sentido e significado?
Você quer transcender o teu estado
E o Estado
Com essa língua maculada,
Manca e enquadrada?
Deixa ela esquartejada
Na beirada da estrada
Longe da cortina de fumaça
Onde esfacela escassa
E traça suja o alimento para as traças!
Abandona ela onde ela
O pensamento e a palavra -
E nisso tudo o que consegues?
A encruzilhada entre o silêncio e o nada.
Aceita então que tú no eres nada
Além dos quereres do linguar -
Que tua língua balança viciada
Na tua boca e teu pensar
E limitado acede
Que o poema não transcende além da parca agonia
Do fado.

Poema Ruim

Eu já sou demais pra ser apático
Então prefiro estar hepático.

quinta-feira, 2 de novembro de 2017

Jazigo da Consciência

A cada fase que reflito
Fico preso numa frase
Aonde inflo até a crase
E lá o sentido jaz escrito
Esquisito em epitáfio
Sob um ninfo alado
De dúvida trajado
Me julgando empáfio
Até que um grito
Trema a terra em sua base
E fora dela se estenda
O braço alado aflito
Buscando uma hemodiálise
Onde novo se me entenda.

domingo, 29 de outubro de 2017

Fim do Mundo

Estou cansado
Porque me mentes;
Tu mentes uma mentira tão grande
Que quase todo o mundo acreditou!
Tu me mentes a mente
E eu cheguei muito perto
De acreditar nas palavras distorcidas
Da tua frente guerrática
Ditando frenética
Uma estática de status quo;
Eu quase cri natural a dialética
Posta na estética de ti -
Eu quase acreditei que a revolução não era necessária
Porque as revoluções passadas não se encaixaram
Na tua vontade planária.
Eu quase palíndromo subentendi
A tendência direita do quadro
Pendendo obrigado
Ao capital.
Mas morrerás
Pois o tempo mata os humanos
E com eles os sistemas.

sábado, 28 de outubro de 2017

Entorpecente

O que você faz quando o poema
Que era o escape
Virou a cara da sociedade
Tão plena
E o ódio que sentias por si
Virou senciente
Pra te enxergares repetente
Repetindo a vida num ciclo
Incompetente?
A minha vida é ser ente
Incompleto e corrente
Quer isso signifique profundidade
Ou estupidez entorpecente.

=)

Olá!
Eu fraquejei
E ficou difícil começar a recitar
Uma fala
Natural
Que não estivesse programada
Pra ritmar nossa conversa
Íntima
Próxima
Atravessada na tela do teu celular
Sem construir por cima
Uma camada de nada
Aconchegada num ego
Sobre o qual estou me debruçando agora
Pra te fazer se sentir em casa -
Uma casa que só de palavras resiste
Pensando que existe
Sabendo que só de pensamento ela consiste
Mas isso é consistência suficiente
Pra você sorrir

sexta-feira, 27 de outubro de 2017

Motif

A monção passa
E dá vazão à seca
Que escassa na voz
Espessa outra vez;
Eu me prostro ao revéz
Como a Meca
Num ritual azteca -
A crosta rente ao rostro
Pra cortar fora o sangue
Da carcaça da barca
Encalhada na terra
Pedindo que mangue
Uma tez de chuva
E floresça de novo
Minha lucidez.

quarta-feira, 25 de outubro de 2017

O Tesouro

Corre tracejada no deserto
Respingada de enigmas virtuosos
E perguntas sem resposta
Uma trilha de pensamento grego,
Iluminista, comunista e feminista
Feito estrelas incrustadas na areia
Com a luz de pedras preciosas
E o brilho de líquido amniótico
Escorrendo a um lugar secreto
Onde a música árabe intercala com o samba
E o funk dissolve no soul
E as roupas são coloridas
E a maquiagem é optativa a todos -
Ali onde mesmo que a terra em volta rua,
Os alicerces da vida tombem de história
E a sociedade se destrua,
Ali continuará a arte do pensamento livre
Nos tesouros que não podem ser roubados
De dentro dos corpos que eu e minhas companheiras
Erigimos
Como cidade fantasma e oásis em meio ao Egito.

domingo, 22 de outubro de 2017

Descerebelo

Meu espírito é de metrópole
Mas meu ser é interior.
Meu fígado grita prédios quadrados
Enquanto o cerebelo cria um espaço
De fantasia:
Eis a estrela cadente da esquerda
Moderna e sem perspectiva.

quinta-feira, 12 de outubro de 2017

Perda

Dentro de mim
Respira um só desejo
Que é o "não perder".
Se eu não perder esse momento
Eu vivo;
Se eu não perder essa pessoa
Eu vivo;
Se eu não perder esse sentimento,
Se eu conservar esse grito
Dentro da conserva do mito
Ele não apodrece
Mas aquieta em formol.
E então de que vale o infinito
Se engarrafado ele se desentendeu?

segunda-feira, 9 de outubro de 2017

Fléxico

(Making of Cyborg - Kenji Kawai)

Flutua
Reconexa
Infectada do desinfecto
Que desturva o intelecto
Em nova coesão
Inda que impura mais reflexa
Da nossa condição

Levita
Desconcreta
Potencializada na impotência
D'outrora agora em consciência
Do mantra sistêmico
Que te prendia abjeta
Num pensar/viver endêmico

Flua
Em curva
Contra a flora
Transplantada
No teu seio
E transforma o meio
Em floricultura
Fazendo a estrada
Em líquida escultura
Do teu ser a transcorrer
Pela tua pele e pela rua

sábado, 7 de outubro de 2017

Drama

Deixa o meu drama rolar
Que talvez nele
Haja uma verdade para mim
E outra para ti.
Deixa que talvez
O exagero das palavras
Seja o ninho em que recito
A dor que o mundo todo
Sente enclausurada num espinho
Enfiado no cantinho
Do peito incomodado.
Deixa a noite esclarecer
O que o dia iluminado
Pelas trevas do entender
Ignorou.

Rimado no Espelho da Idade

Tua juventude nunca vai voltar
É melhor que se acostume
Com esse papo velho
Que aconchega na cerveja
Mas não passa de um sonho ressecado
Desse teu físico acostumado
À ignorância que deseja
Um corpo novo um pouco mais sério
Ignorando o estrume
Do tempo que sempre vai passar.

terça-feira, 3 de outubro de 2017

Criação

Dedico meus dias à criação
De uma camada externa no pensamento
Selando a carne no sal grosso
Pra que fique no centro
A maciez sangrenta e rosa
Envolta numa casca mastigável
Porém resistente ao fogo
E assim ser às bocas mais saborosa.
A minha criação é deliciosa -
Quase sempre fácil de recitar
E até de se identificar -
Afinal ela é filha de palavras fortes
Com a sensação de fraqueza,
E de terras muradas e no entanto desertas
O mundo está cheio.
O mundo são grades cerradas
Por onde tentamos alcançar
Receosos do toque
E a minha criação quis ser
O Éden limítrofe entre esses portais.
O meu pensamento
É o encontro dos morros
Na depressão do vale
Onde correm os rios
E floresce a mata ciliar
Onde os bichos aquietam e bebem;
Na fronteira sedimentosa
Onde as montanhas dissipam;
Na corrente em que a carne resfria
Deixando que leve o seu gosto salgado
Escoado no mar.
A minha criação é o ciclo do mundo;
É a lavagem do que não se lava;
É o gosto amargo da água impura
De uma mente obscura
Buscando acalanto ao relento
Sabendo que a busca
É o que encontrará.

sábado, 30 de setembro de 2017

A Salada de Frutas e o Pé de Feijão

Saiu de dentro do pote de salada de frutas
Um pé de feijão
Sabe-se lá como;
Brotou da bagunça caldosa e estridente
De doçura amarga -
A semente de banana fundiu com a manga seca
E a maçã amarronzada
No suco de laranja apertado à mão
Pra adubar uma mágica regada de tempo.
Mas naturalmente a tendência doce
Da minha imaginação
Não permite que eu só veja o feijão
Como adjunto do arroz:
Eu prefiro pensar que ele vai disparar
E arrancar o telhado
E eu poderei escalar seus ramos
Para agarrar nas nuvens
E comê-las feito o algodão doce que são
Ainda vivendo na infância
Mesmo mergulhado na maturação
Das frutas podres onde se depositam as raízes
Num tupperware lá no chão.

sexta-feira, 29 de setembro de 2017

Evangelho Segundo o Utopista

(Etz Harimon - Qiyan Krets)

Vá e venda tuas posses
E algumas ideologias;
Recobra teu tempo da hipoteca
E deixa as ideias falidas de amor
Avolumarem a biblioteca -
Troca as fitas do Bonfim
Já preenchidas de suor e energia ruim
Por um colar de pedras
Cujo valor resida em ti.
Vá e renove os laços comunais
Da tua estrofe de terra
E dê a terra a quem dela precisa
E contra quem errou a pátria
Quando a esse laço deu fim.
Vá e não peques mais contra o humano
E deixa que os deuses se resolvam,
Pois mais valia a humanidade redimida por si
Que pelas bençãos derramadas do céu.

quinta-feira, 28 de setembro de 2017

poemÇa

Minha vazia viraliza
E viraliza
E viraliza mais e mais
E canaliza meus vitrais
E num espanto já esperado
Estou vidrado rente ao canto
Frente à vida entre os murais;
Estou escrito em rimas pobres
Encurralado nos feitiços do meu encanto
Aprincesado contra as redes sociais
E os cofres cheios dos anseios
E rebuliços onde grito
Viralizam
De outras infecções virais
E minha cheia viraliza
E viraliza
E viraliza mais e mais
E inferniza meus anais
E enquanto espumo infeccionado
Eu rumo ao esperanto
Onde pranto isolado no meu cais;
E ali mergulho entre as lágrimas e o mar
Ali decanto as minhas águas e seus sais
E esvazio nas línguas universais
Onde a vazia viraliza
E viraliza
E viraliza mais e mais...

quarta-feira, 27 de setembro de 2017

Um Filme Sem Enredo

Você quer esplendorar
Mas se recusa a abrir as vagas da imaginação
A outra coisa além da fantasia empoeirada
Dos clássicos americanos
Guardados na gaveta sob a cama;
Exige a perfeição de antemão
- E quem não exigiria?
(Mas também quem conseguiria?) -
E não se movimenta por nada menos.
Admita: na verdade você não quer;
Quer só um semi-contato
Pra continuar fantasiando sem perder completamente
O tato humano sobre a pele quente
Crente que haverá nalguma estrada
Uma encruzilhada em xis
Marcando no mapa o tesouro escondido
Sem nunca ter que procurar -
Mas afinal a fadiga emocional
De ir à caça de tesouros sob o mar
Pirateando ilhas e saindo sem deixar
Qualquer rastro de navegação
É compreensível; eu não posso te julgar.
Vai e navega à la Dom Quixote -
Cego pra realidade, mas vivendo um mundo mais interessante
Que aquele que quis te por num caixote
E enviar a Timbuktu em meio à areia.

quinta-feira, 14 de setembro de 2017

Tratamento de Choque

Trata logo, maldito,
De consertar!
Que a vida não espera
A viga que verga
Arremeter contra a pedra
E descobrir se se acerta
Dura por completa
E quebradiça
Perante a existência desafeta
Ou se se avessa reflexa
E dobrada se crista
Encostada na quebra
Sem se quebrantar.
A vida não espera o grandiosar
Do teu estar finito!

sábado, 9 de setembro de 2017

O Meu Amor

O meu amor me apareceu num sonho
E, quem diria, dessa vez ele tinha rosto!
Eu não o conheço, mas conheço seu olhar -
Seus olhos puros de inocência e carinho,
O seu desvio quando faz um charme dengoso
E o seu fechar quando recosta o rosto no meu corpo
Pedindo abraço e um conforto onde repouse
Longe do mundo.
Eu sei que é sonho,
A fantasia de uma mente romântica -
Esse rosto nem existe, fora a cria imaginária
Da minha pessoa preferida,
E ainda assim me apaixonei.
Essa paixão, a bem da verdade,
Purificou o meu olhar com os seus olhos puros -
Ela veio me fazer sorrir espelhada,
Como se do nada eu fosse um vaso de inocência
Que se derrama sobre o mundo.
O meu amor é quem eu quero ser
E quando ele vem e me afaga assim
Eu consigo me encontrar um pouco nele
Fingindo a velha esperança da infância
E sendo mesmo que por um instante
O que mais amo em mim.

quarta-feira, 6 de setembro de 2017

Faz silêncio
Que as portas abertas
Estão falando.
Fica imóvel no escuro
Enquanto os sons do mar e das cigarras
Conversam pela abertura.
Deixa
Que o som de nada feito em tudo
Rompe travas;
Seu soneto é movimento
Vibrando o batente mudo.

terça-feira, 5 de setembro de 2017

Poema Sem Canto

Um dia eu estava meio sem sono
Mas exausto
E decidi passar esse clima surreal
Completamente despido de poesia
Para o papel.
Eu acelerei na rua
Saindo do metrô
E subi a ladeira quase correndo
Pra atravessar o semáforo a tempo
De não esquecer esses versos
Cheios de remendo
E sem nenhuma consideração profunda
Do que significa qualquer coisa
Além do cansaço de quem ainda tem mais um encalço a viver
Antes do descanso.

sexta-feira, 1 de setembro de 2017

Poema Incontente

Bom dia pra você
Que como a gente
Amou o suficiente
Pra deixar nesse verso
A mensagem sofrente
Que queria
Pro teu amor ausente.

quinta-feira, 31 de agosto de 2017

Nota de Rodapé

Deixa sobrar umas linhas na tristeza
Que eu quero encaixar nelas
Feito nota de rodapé
A felicidade que permeia a vida.
Eu já falei nesse caderno
E talvez até enchi o saco de tanta positividade,
Mas deixa eu te dar mais um abraço
Que um abraço nunca vai mal.
Vem cá que a gente fala dos problemas escondidos
Atrás da cerveja
E depois dá risada do quanto é banal o nosso sofrimento.
Vem ler a aba do livro,
Que o conteúdo pode ser horrível
Mas aqui no canto você encontra um sorriso
Esboçado na foto que vai ficar dessa brisa louca
Fingindo que a gente aguenta a barra
E no fundo aguentando mesmo,
Mesmo que encharcado de desalento.

O Riso do Porão

Eu queria poder me convencer que estou em fermentação
Trancado no barril sob o chão
Num porão escuro
Ambientado à minha maturação
Mas eu me sinto avinagrando entre os vermes
Soterrado por projetos e objetivos de passado
Como se o tempo só fizesse piorar a qualidade do produto,
A alma podre e o corpo vindo logo atrás
Enquanto a caixa pesa sobre a pedra
Fazendo dela areia movediça
Avançando na direção errada
Sem que o erro seja em si uma confrontação
Do certo obscuro que se espera de mim.
A certidão não me cabe
Mas o vazio não me completa -
Eu sou inconcreta
Mas não o suficiente para transitar entre formas;
A sociedade me afeta
Com suas palmas estendidas fingindo me salvar
Puxando pelo pescoço para fora do fosso.
Eu sou sensível demais ao toque
Ao ponto de avermelhar
E rasgar o verbo contra os homens
Esperando deles cicatrizes na minha pele fina e transparente -
Mostro logo então o esqueleto sem terminações nervosas
Que contra ele nem as pedras do enterro
Podem se levantar.
Eu não serei enterrado vivo,
Eu não irei!
Eu não me deixarei levar pelas correntes
Para virar comida de fungos no leito do rio!
Eu rio na cara do perigo inevitável
Que me olha nos olhos
Ameaçando de miséria, de doença e solidão -
No fim meu riso é tudo que tenho.

quinta-feira, 24 de agosto de 2017

Rua dos Aflitos

A minha vida aqui nessa paisagem
De pintura rebocada num branco envelhecido
E jovialmente descolorido
É um mito.
Nos meus sonhos eu vi Metrópolis
Polarizada na noite
Desenhada em futuremas irrestritos
Numa simetria que humana se permitia
Erros o suficiente para ser perfeita;
Mas essa cidade é só a parte da miragem
Dentre as vestes que recaem sobre os olhos
E seus papéis.
A minha vida aqui é um mito.
A minha passagem trilha a poeira de outros passos
E se escassa sob os fones que calço
Ao pé do ouvido
Tropeçando no espaço entre a terra e o infinito.
A minha estada aqui é asfalto
Circundando um folhetim esverdeado
Que azuleja um pedaço do céu cinza onde recito.
O meu sentimento,
Pensamento,
Movimento,
O meu rito de podar as hortelãs e jogar fora seus excessos para o vento
E o meu tempo:
É tudo mito.
Eu tenho até um mitológico sentido
Me arrancando dos meus pés e flutuando,
Quer por completo ou estrito no espírito.

quinta-feira, 17 de agosto de 2017

Degenerado

A língua nunca vai ter o poder
De me arrancar por inteiro
E por isso ela pede parceira
Que eu arranhe sua pele com os dentes
Chamando meu corpo de "ele",
De "ela"
E de "nova parcela humana"
Dum jeito que fere a velha concepção
De quem não a conhece o suficiente
Pra linguar direto da mama papilar
O sabor de um poema.

Aceita

(Eu Não Sou Seu Lixo - Johnny Hooker)

Aceita, gay
Que o meu poema é triste
E acontece feito pena leve
Te obrigando a tão pouco
Quanto a limpeza do momento.
Aceita, viado
Que a minha lembrança
É quase vazia
Existindo só porque
O tempo pede alento pra seguir
Enquanto o viver eu amamento.
Leva, bicha,
Essa agonia
De arrastar o peso que larguei
Em nome da vadia
Que sempre carreguei em mim
E abandonei por ti
Momentaneamente -
Você cabe numa palavra
Feito feitiço acabado que esqueci
Engajada no nada.

Oração do Poema

Bendito o poema
Que não morreu no amor
Nem no amor primeiro
Bendito o poeta
Que não morreu primeiro
E teve tempo pra viver
Os sonhos que os mortos não tiveram
Bendito o ser primeiro
Que não pensou austero
Na primeira rima
Do primeiro amor
E só se aceitou poema
Pela graça dos deuses
Sendo só palavra
Amém.

Insistência

Eu já fumei ou bebi
Todos os meus sentimentos
Mas eles estão decididos a existir.

Portanto,
Já que vou sentir
Independente do que viva,
Eu vou insistir
E a vida que decida desistir.

Quequejado Mas Direto

Eu não vou te suprir
Nunca por completo
Mas já prometi
E não esqueci
Que meu amor por ti
É tão estupidamente repleto
Que mesmo quequejando incompleto
Um poema tão feto
Eu nasci
Pra te
Fazer o objeto
Da minha poesia sem rima
Mas eternamente cheia de calor.

O Orgulho do meu Fracasso

Guardei aqui no peito uma lágrima
Que escorreu como bala
Deixando derramada uma fada
Que me transformou
Feito morte superada
Numa cicatriz a me perfazer
Consumindo meu ser,
Porém discreta o suficiente
Pra eu exibir orgulhosa
Dizendo:
"Olha como eu sou viva!
Até aguentei um amor fracassado
Me acabando no estrago!"

Jornal do Fim da Noite

Boa noite.
Você ouviu as notícias?
Eu já aviso,
Elas são de sofrimento -
Sem variação, não é?
São noviças que não deram consentimento,
Pretos que não se ofereceram
Mas perderam a vida
E bichas cuja carne...
Prefiro não falar explicitamente.
Boa noite.
Você ouviu falar
Da gente que brasileirou novamente
Essa noite
À luz do dia no açoite
Enquanto a gente aqui
Aceitou que o tempo passa
Na meia hora de semi-verdade da televisão?
Boa noite a você que como eu
Nunca viveu uma desilusão suficiente
Pra morrer na escuridão.

quarta-feira, 16 de agosto de 2017

Fantasioso e Verdadeiro

Hoje a minha alegria acordou
Num mix de samba de superação
Com risada no tom perfeito,
Sem excesso nem falta de alienação.
Ela não depende de ninguém
Nem se deixa afetar
Por quem vier fazendo cara de mau;
Ela quis me emprestar pelo quadril
E explodir o corpo em purpurina
Dançando pela rua como se fosse normal -
Na verdade bem anormal, graças à vida
Que não naufragou no agouro cabal do capital.
Ela te olhou e sorriu sincera
Te chamando pra ser livre de verdade,
Sem malícia nem maldade,
Só um tesão pelas coisas simples
Que renasce lá dentro quando a gente se ama por completo
Sem precisar de um outro abjeto pesando
Nas penas da fantasia.
Deixa ela leve, bem leve!
Leve pra ficar a pele nua plumando quase vazia
Mas completamente cheia!

terça-feira, 15 de agosto de 2017

Transparência

Eu sou turva -
Um espelho manchado
Expelindo imagens de paixão, de calor,
Dessabor e de não saber o que querer.
Sou a placa na curva avisando acabado o caminho
De repente, num tempo insuficiente,
Fazendo ranger na mente o medo da morte;
Mas, chegando no fim, continua a rua
E nada mais se fala do susto que dei
Em quem não morreu de amor ali.
Eu sou a tua insegurança encarnada,
Tua abertura ignorada e machucada,
Teu sorriso que li, respondi e acabou.
Eu até tenho carinho,
Mas de sinceridade meu poço secou
E então meu receio é fazer crer
Quem quer venha a ter esperança
Que no meu passo ainda resta
Uma fresta de dança contígua
Ao invés dessas voltas ambíguas que dou
Em torno do meu umbigo
Sem saber se me jogo no mundo
Ou me recluso nas vidas passadas
Sonhando um amor esquecido
Que eu não mais sinto
Mas sinto querer corresponder -
E daí fico a ferir despercebido
Rasgando sentimentos sinceros com minha dor abafada
Ainda intransposta
Gerando como resposta só amor sozinho.

domingo, 13 de agosto de 2017

O Rosto Dele

A tua cara me inflama
Daquela velha bactéria
E só por isso eu me intoxiquei
De um refluxo que me chama
Ardendo em flama
A escama do estômago
Até a membrana do meu amor explodir
Cheia de faces dele repetidas
E eu conceder que no âmago
Eu ainda amo ele.

terça-feira, 8 de agosto de 2017

Tensão Recorrente

Para tudo
Que a parafernália
De todo amor anterior
Como para-raio
Me desreparou
Deixando meu todo preparado
Pra reagir na emoção
Como um fio-terra
Sem qualquer tesão,
Só instinto retro-armado para tudo
Arrastando toda corrente à sua negação.

domingo, 6 de agosto de 2017

O Nome do Poema

Hoje eu estou melancólico o suficiente
Para recitar um poema
Que diz:
Hoje a melancolia me mandou
Que eu ditasse as seguintes palavras:
Hoje é um dia melancólico o suficiente
Para esquecer na linha anterior
O que o verso me obrigou
A meditar
No ciclo que se aceitou
Em nome de viver
Nominalmente um amor.

quarta-feira, 2 de agosto de 2017

Sem Presunção

Eu não presumo estar bem resolvido
Ou não acreditar em tudo que já foi escrito
Nos meus cadernos
Com tantas canetas que hoje secas
Preferem deitar nas gavetas
E deixar que a digitação crie alguma distância
Entre a letra e o letrante,
Como se fosse menos gritante o sentimento
Quando os is não são pingados à mão.
Eu não presumo estar bem resolvido,
Nem afirmo sem sombra de dúvida
Que a atual solução não é doída
Ou que o sopro da memória do teu semblante,
Como espasmo errante da minha mente doida,
Não espante eventualmente a esperança
De ser novamente encontrado
Por um corpo que aberrante me acalme
Ao ponto de dar à calma o nome de alma
E fingir finados os problemas
Crendo haver abraços capazes de acalantar doenças e dores -
Sendo, portanto, um detestável portador de fé -
Com o perdão dos que, como eu, são crentes.
Eu não presumo estar consertado,
Encontrado,
Perfeitamente instruído sobre como tenho me construído
Ou sequer confortável,
Mas há algum conforto.
Hoje eu consigo ficar absorto por horas de ti
Sem deixar a saudade apertar a laringe
Ou a Esfinge propor questões que não podem ser respondidas
Sem mergulhar no inferno de antes,
Quando eu ainda não era o que sou -
Não que hajam aqui metáforas de renascimento
Ou crescimento, apenas o tempo mudou.
Eu sou de feridas que só fecham no distante
A todo instante - tenho péssima cicatrização -,
Mas encontrei um momento onde
Parece que sou outra vez de romance
Apesar de desilusão
E desse minuto de equilíbrio
Quis arrancar um poema constante, centrado
E de alguma forma possante,
Se ao menos na sinceridade e na aliteração.

sábado, 29 de julho de 2017

Agourosa

Eu não te aconcheguei
Mas a verdade é que no meu colchão
Houve quem "cheguei"
Inadvertida
Em nome do "ser gay"
Cheia de tesão
Porque a vida quis que só te olhando
Eu te pequei
Perigosa e desonrosa
Mas gulosa o suficiente
Pra engolir o agora.

sexta-feira, 28 de julho de 2017

Rima da Distopia

O meu eu
Te beija Romeu
Como destinatário
Da finada veterinária
Considerando o quanto sou animal
Apaixonado pela bela esperança
De rançar obstinada
Por uma história de amor
Que distorceu o meu racional
Em nome da minha dor.

terça-feira, 25 de julho de 2017

Comunicado

Estás me ouvindo, amor,
Entre a estática da televisão?
Recebes a minha mensagem
Mergulhada nas notícias
Da previsão do fim do mundo?
Extrais a frequência rádica
Da escuta instalada ao pé do globo
Que te sussurra esquálida
Entre as falas da novela esdrúxula que passou?
Buscas minhas páginas nuas
Escondidas na rede,
Como se estratosférica
Eu te tocasse esotérica
Escondida na multidão?
Minha lembrança te comove incômoda e abstrata,
Espiritual de tão apagada
Porém ainda física remoendo os teus anseios
Mesmo que afogada de outras vidas
E bem aceita no tempo?
A minha voz tremula cada vez menos
Debaixo dos tapas que acumulas no aparelho,
Mas ela fica cá
Ruída na comunicação.

Consciente

Eu me perguntei hoje
"Por que a alteração de consciência é uma coisa tão boa?"
Mas no minuto seguinte a resposta me veio
Como uma mudança de domingo para segunda-feira:
Eu só percebo a marola batendo
No fígado inebriado
Porque é pequena a mudança de estado
E as pequenices são muito gostosas na nossa pequenez;
Só que a consciência é movimento constante
Entre traumas, amores e maturação
Que a gente não percebe o quanto é boa de viver
Por causa do saudosismo, inconstância e depressão
E principalmente da grandeza que acomete
O minúsculo ego que abraçamos
Com tanto afinco antes do perecer.

sábado, 22 de julho de 2017

Autopoemático

A minha capacidade está limitada
A um senso autoerótico elitizado
De poesia.
Eu me sinto a masturbação habilidosa
Que fica no seu espaço
Mental, sexual e fonético
Da rima visível
Tão risível e estúpida
Que eu quase ouço soar no fundo
Um poema profundo.
Estou limitado ao poema ético.
Pois que no português correto
Ou excessivamente formal
E gozado
Eu não tenho período pra frasar
E mesmo assim periódico
Pontuo ocasionalmente uma fase
Da qual, quando o álcool baixar,
Serei roubado -
Mas menos do sentido que encaixo
No último verso.

terça-feira, 18 de julho de 2017

Olho de Gato

Debaixo da oliveira
Um gato oportuno me toca
Ronronando suave com sua pelagem macia e preta
Rente ao meu lado;
Na sombra dos galhos
Seus olhos escuros brilham
Como um luar amarelo
Em meio ao calor ensolarado,
E sobre a grama quente e úmida em que me assento
Ele murmura silencioso um miado
Dizendo:
O mundo é uma íris profunda
De onde tu captas a luz
E se o olhares bastante,
Como outros olhos que fitas
Buscando a essência perdida na bruta cor,
Também nele a beleza encontrarás.

quinta-feira, 13 de julho de 2017

Gema Colorida

Eu sou a tristeza como pedra lisa
Mergulhada e puxada pingando
Da leiteira da alegria -
Minha melancolia é dura como o céu
Onde os cometas penetram flamejantes
Para pousar na terra num estrondo
Deixando marcas de catástrofe
Num semi-sorriso riscado em fogo.
Eu sou as pinceladas coloridas
E a tela em branco
Num quarto escuro
Com fachos de luz ricocheteando
Somente completos dentro das bordas -
Somente completos em vida.

terça-feira, 4 de julho de 2017

Fruto do seu Tempo

Trafego em linhas comedidas
Com pulmão congestionado
Carregando minhas doenças incapacitantes
Amontoadas nos calos
Dos pés errantes destinados
A um desprincípio:
A vida moderna é o descomeçar -
Bater de frente com um enorme precipício
Que não se escala
E vai crescendo,
Criando sobre o corpo um vento de queda;
É afundar na terra dura
Mesmo se a envergadura
Não arreda perante a conjuntura.
As falas que falo
Desaparecem sob o peso das palavras erradas;
Eu reprimo alienado
O falatório enxuto de quem uma vez deu poesia ao mundo
E agora sabe só observar caroçudo
A seiva liquefeita engrossando transgênica
Englobando o mundo num olho turvo
Tão vermelho que serve só pra mastigar
E cuspir fora a pupila em seu centro.

sexta-feira, 30 de junho de 2017

Poema Pat Ente

Pat
Patrício
Ter famílias
E pato
Poema arcaico novo
Que num mesmo verso escava
A escandinava floresta
E o broto de areia
Evoluindo por travas
Como a raíz que sa-
Pateia

Desencarnado

Bravura indomada das vidas passadas,
Vem e acende uma luz sobre minha guerra;
Ascende meu transe,
Que a transa jaz morta na infindade.
Vem e transforma minha estabilidade em vida
E me comove em sangue antigo
Já que ancestral minha pele se move;
Vem e cativa minha finitude
Prendendo a alma à carne,
Pois a vida me pôs em demasiada encruzilhada:
Ou encarno, ou sonho
E eu de pronto desencarnarei.

quinta-feira, 29 de junho de 2017

Flaumata

Ruído de flauta
No silêncio da mata
Enquanto a pauta abstrata
Tamboreia entre as atas das folhas
Fluindo sem pressa
Na neblina leve
Do começo do dia -
Já é dia de quietude outra vez na floresta do meu ser.

domingo, 25 de junho de 2017

Liebesgedicht

Eu tenho um poema escondido
No meio da poemicidade
E do nada
Entre uma música e o silêncio
No momento em que paro
Para um gole de vinho
E um trago de cigarro
Quando paro de amar demasiado intenso para respirar
Quando penso demais
Na próxima rima
E volto a amar

De repente um poema de amor

Porque próprio, interno
E reflexo
Porque amor é cada vez mais um lapso
De autoconsideração e espasmo
E o que mexe fora
É só orgasmo
Cujo sentido sobra em si mesmo
Mas carece de versos
Para um poema que fosse de amor.

quarta-feira, 21 de junho de 2017

O Rosnado da Razão

Eu andava com meu amor na calçada
Do lado esquerdo da rua
Quando de repente do outro lado da via
Apareceram os boinas marrons
Quebrando o restaurante libanês,
O Bar das Sapas
E o café irlandês de onde acabara de sair.
Eu temi
Que me tirassem meu amor
E minha roupa
E despido do pudor eu mergulhasse
Na primeira poça suja que aparecesse no caminho
Fugindo do terror.
Mas atrás de mim surgiram os boinas vermelhas
E me aliviei -
Ali estavam os defensores da liberdade
Pra proteger o meu amor sozinho.
Só que logo em seguida eles quebraram um banco
(Até aí tudo bem, no banco só se assentam privilégios)
E depois um carro
E uma delegacia.
E por mais que se voltassem contra áreas que não me sensibilizam
Comecei a notar nessa nova multidão
Uma pulsão de ódio
Que de alguma forma me incomodou
Especialmente quando percebi
Que começava a derramar
Na direção marrom.
Desenhava-se um conflito
E eu ou jogava meu amor escondido nos escombros
Ou morria ali mesmo
Na Alemanha dos anos vinte
Como se não tivesse opção
Entre rosnar em massa
Ou raciocinar longe da praça.

domingo, 18 de junho de 2017

Templário

Grande vida
Quando é tão minúscula
Que nem a História consegue observar.
Grande,
Grande vida!
Quando a vida é tão diminuta
Que dentro do seu espaço
Não consegue se conservar.
Grande,
Tão grande o minuto
Em que vives
Até o ponto em que mesmo templário
Não consegues o tempo contemplar.

domingo, 11 de junho de 2017

Cru

Contudo me contundo
E me confundo
Como se no fundo
Com tudo que me mudo
Fosse cru.

sábado, 10 de junho de 2017

La Noche Acabó

Estou cansado de fazer o jogo humano
E diminuto complacer os despassados.
Houve no tempo um outro deus
Que como eu iluminou
A passagem terrena
Mas ele não quis mais conversar
E o papo foi diminuindo no bar
Até que a cerveja acabou
E aí também o que fazer depois que a última garrafa secou?
Como é ridículo o destino
Que me fez entre as gentes
Um dos mais apaixonados pela boemia
E no final só quer me fazer pagar a conta.

sábado, 3 de junho de 2017

Berberes

Eu sou a último expoente
De uma geração perdida
Entre vidas comidas
Pelas duas Eras
Momentâneas.
Eu estou êxtase
Das extremidades
E, graças a Deus, Êxodo.
Eu sou o exílio entre as terras do tempo
Como o vento na areia -
Eu sou o berbere perdido no deserto.

quarta-feira, 24 de maio de 2017

Rima de Textura Azul

Grossa montagem de tinta
Da pincelada azul
Atroça a imagem
E pinta desencantada
Uma avulsa roça
De ramagem distinta
Congelada no sul

Se apossa da paisagem extinta
Tão desertificada quanto Cabul -
Engrossa selvagem,
Requinta azulada
E pulsa a nossa miragem
Sucinta, mas reavivada no soul.

sexta-feira, 19 de maio de 2017

A Curva da Trilha

(Si No Te Vas - Chavela Vargas)

Às vezes,
Pelo puro agrado de sofrer
Ou no acaso de trombar outra vez
Ou ainda porque a vida em déjà vu
Recria a linha já tecida
Na crueldade de que se acomete
Em sua insensatez...
Às vezes cutuco a casca
E a solidez onde me vi perdida
Para enfim me sentir remida
Da maciez da carne quente
Se derrete
E eu sou posta frente a frente
Com a realidade nua
Da tua falta vasta ainda intacta
Pois há dor que o tempo nunca cura
Só perdura crua
Recoberta em suas camadas
De ano sobre ano
Endurecendo escura
Na tristeza e na alegria
Para andar amortecida
Na trilha que me trilhou.

terça-feira, 16 de maio de 2017

Ventania

Todo dia
Todo santo dia
A melancolia
Mas pelo menos hoje
Ela é de céu azul e tarde fria
Pingando o céu como nuvens sem estalo
E sumindo no horizonte
Em busca de outra comoção
Não tão bonita
Na leve ventania.

Rímica

Uma rima que mima o rimador
Tão mínima que mímica
- Quase etílica na base -
Mas rica e edílica
Atina recomplexa
A fina frase desconexa
Como se rimasse
Num passe de mágica
A clássica sem classe
De amor com dor.

segunda-feira, 15 de maio de 2017

Letra Nua

Os pensamentos saltam da minha língua
Sem controle ou filtro
E rasgam desaflitos o tecido
Da vida
Antes que o gume reflita o corte
E raspe a boca quando reembainha
Deixando o gosto de sangue amargar
No calar da noite.
As mãos trucidam a fibra
Sem que percebam sua pele
Arranhando gasta na fissura
Até que os calos e ranhuras abertas
Espelhados latejem a dor
Do pano destruído.
Eu desnudo tudo nas palavras
E elas no reflexo me desnudam
Até que o tempo remende as vestes
Da carne e do mundo
E das novas peças novamente eu me despeça
Clamando não querer ver tudo nu
Conforme arranco desmedido cada teco
E me repito em solidão dizendo "não"
Enquanto ao "sim" dou corpo em dupla negação.

E Tantos Outros Quanto Ainda Virão

Eu tenho vinte e tantos outros anos
E fazem tantos quanto
Que a folia dos louros dourados
Aconteceu.
A coroa com semblante empoeirado
Jaz distante enfurnada qual troféu
No vidro sujo de passado
Que eu reclamo meio torto
Relembrando a glória do escarcéu
Que era ter tão pouco o que chamar de meu
E tanto mundo posto pra conquista.
Eu olho meio afoito a arredia juventude
Andando solta por aí
E o meu desgosto pelo fim da correria sem seu próprio fim
Reflete em irritação com quem ainda
Não chegou na minha estação de museu.
Eu olho aqui de cima da construção
De vinte e muito
Sem que a torre pare de crescer
E jogar as tranças não parece mais ser chance
De princesa retroceder ao chão
E olhar novamente o céu
Querendo explorá-lo
Sem constructo me prender.

sábado, 13 de maio de 2017

Constelação

Certa vez um cancioneiro me cantou o seguinte:
Amar é estrela -
Cada qual uma diferente,
Brilhando, piscando e estando
Todas à sua forma no seu pedaço de céu,
Mas se você olhar bem
Tem umas bem parecidas
E, se tiverem a sorte de estourarem juntas,
Lado a lado na imensidão,
Elas se entenderão
E explodirão quase eternas
Conversando mesmo à distância e no silêncio
Trocando aventuras na constelação
Sabendo que em meio ao caos frenético do Universo
Pelo menos nessa relação
Algo se entende mais fundo
E mesmo no vazio do tudo
Vão se completar na mútua compreensão.

sexta-feira, 12 de maio de 2017

Mousse de limão

Vou tirar um descanso na abraçadeira
Pra reclamar de homem
E comer mousse de limão
Aproveitando que no meio da vida
A parteira ainda teve tempo de encontrar
A minha irmã gêmea.

quarta-feira, 10 de maio de 2017

Poema do Erro

Eu tenho andado com uma mania
De, olhando para fora da minha egolatria
E das riquezas que já acumulei naquelas mentes
Tão vadias quanto a minha,
Esnobar as cascas vazias que circulam por aí.
Eu sei: provavelmente elas têm conteúdo -
Se não todas, ao menos algumas.
Mas que importa?
Importar mais alguns bens
Não vale o esforço de rodar em meio
A tantas mil quinquilharias.
Tenho a sensação que quem valer a pena
Aparecerá brilhando nos meus olhos
E todo o resto mais ainda perecerá.
E daí que é errado?
A maior parte da vida
É nos erros ver o que se encontrará.

segunda-feira, 8 de maio de 2017

A Hora do Lobo

A hora do lobo
É o despertar -
Não do corpo;
É o raiar
Não do sol;
É o nascer não
Do amor
Já que já morreu;
É o romper não
Do ateu
Já que já deus;
É que eu vi alvorecer na escuridão
A aura do sol que ainda não chegou
E o breu, mesmo ainda absoluto,
Não venceu.

domingo, 23 de abril de 2017

O Nicho das Palavras

Meus versos cabem no mundo que lhes cabe.
Às vezes o mundo sou eu,
Noutras, meu mundo
E noutras ainda o próprio mundo -
Mas mudo não me caio.
Decaio no mundo como água:
Às vezes orvalho,
Às vezes inundo
E vez ou outra me confundo com a própria terra
E adubo.

sábado, 22 de abril de 2017

Veterano

Eu prometo que vivo
Olhando em frente
Portando armadura leve
A cavalgar
Trotando militaresco rumo ao infinito -
Eu prometo.
Só não me peça
Na promessa um adendo
Dizendo que não levarei
Tatuada no peito
A tristeza da dor dos perdidos,
De quem perdeu no caminho
Batalhas de amor,
De quem veteranou
E viu cair do cavalo a esperança
No campo espinhoso da vida
E desesperançado marchou.

sexta-feira, 21 de abril de 2017

Terra Rossa

Encontrei, certa vez,
Quando fui novamente criança
Uma bola maciça de chocolate
Jogada na terra
Envolta num papel brilhante.
Agachei junto ao chão
E fiquei ali por um longo instante
A comer o doce como quem come caqui,
Roendo em volta a carne do osso
Temendo que houvesse no meio
Um espinhento caroço.
Assim, talvez, prolonguei a infância
Ao transformar o prazer num frutoso manjar,
Ou apenas roí a lembrança
De na vida adulta temer que a doçura
Esconda em seu cerne a dor.

domingo, 9 de abril de 2017

Vadia

Várias vezes princesa
Eu renovo a vida
A existência
A cada manhã
Várias vezes cansada
Eu eximo a vida
Pra existir falseada
Como se alcoolizada
Eu estivesse viva
O suficiente
Pra feder exímia
O cheiro da superação.

sábado, 8 de abril de 2017

Reflexão (ou "Fachadas espelhadas criam paisagens ilusórias")


Quanto reflexo, eu reflito, de escuridão. Rachando sob o sol, a extensão da terra se refaz - é tudo tão perto e tão longe, como se fosse ontem mas amanhã acorrentado na simetria ancestral futurística vã. Eu reflito anã a claridão do vão que faz as vidas como se o destino errado fosse humano e não houvesse uma mão guiando fria a construção; como se não fosse humano, e perplexo olhasse os deuses e agradecesse por somente existir; como se a miséria e a riqueza não fossem atreladas num espelho caolho que arregala num canto pra trancar no outro; como se o breu não tivesse vindo de navio negreiro pra pousar inferno nessa terra reduzida a guerra - guerra não dita que descasca na pele aflita de quem deu a carne pra ver engolido o coração policiado no morro.
Quanto reflexo, eu reflito, do espúrio nós somos? Quanto espelho humano ignoramos em nome da autopreservação? O refletido teme sua própria exatidão, como se houvesse entre os cantos do mundo uma infinitude - como se não fosse parte da multidão. O dinheiro maltrata a relação humana e faz dela uma ligação de sangue, tornando-a um mangue que se enxerga apenas pelos galhos retorcidos mergulhados na lama espessa de um comando vindo narcísico do reflexo cego. Nós somos cegos mirando o espelho.

sexta-feira, 7 de abril de 2017

Chuviscado

Meu cubículo é de asas
E se esconde lá no alto
Enterrado numa nuvem carregada
Que chuvisca delicada no batente
Do meu mundo resguardado,
Da minha torre
Com sua vista embaçada;
E eu vejo como um deus de conto infantil
As varandas estendidas no breu do céu
Flutuando para fora das casas escondidas
Onde os deuses não enxergam -
A não ser que a janela esteja aberta,
E então eu tenho um breve relance de humanidade.

quarta-feira, 5 de abril de 2017

Fundamento

Eu já tive muitos amores românticos
Ou romantizados.
Bom, não muitos -
Mas o suficiente para entender
Que meus amores verdadeiros
Estão e sempre estiveram depositados
Nas amizades sinceras
Onde os sofrimentos profundos
E as puras alegrias
Não mais do que sua própria verdade
Se intensificaram.
O romance e seus enfados me cativam,
Mas na forma de um vício exagerado
Que me extrema mal-diagnosticado
Gerando letras de prazer e dor
Mais-que-humanas.
Não que não queira mais-que-humanidade,
Mas meu fundamento,
A base de minh'alma em sua forma terrena,
A estrutura verdadeira e humana da qual se me permite buscar algo além,
É a amizade.
A prevenção da morte
E o apego à minha própria face
Estão nos amores serenos
Onde no dia a dia em sua imensidão
Escondido do exagero poético
Eu descanso.

terça-feira, 4 de abril de 2017

Póstulo

Eu postulado
De punhal avesso
Nascido espinho dentro da carne
Atravessando eterno exteriorante
Tornando-me constante resultado
Da equação da vida.

sexta-feira, 31 de março de 2017

AVIVA


Atraca e tranca
Na raça
Sua vida
Que a vida não perdoa
Se você titubear
Arranca no talo
A significância
E rança
Que mais vale a estanca apodrecida
Se for vivida
Que a sangria infinda.

Estrabo

Trabalho com emoções.
Quando elas faltam,
O espaço fica vago
E eu vago
Pelo setor das sensações e pensamentos
Que talvez não mereçam tamanho ganho
No vagão.
Eu fico a ver trens
Clicando o trilho no seu passar.
Eu vejo no céu nublado
A uniformidade de um céu limpo,
Como se o ar sujo demais
Sobrasse ao ponto de azul desbotado.
Eu vejo demais -
Cores em demasia -
E ser multicromático
Me impede de ver a mundana vazia
Da realidade;
Eu preciso da imprecisão errática
Destrabalhada
Pra atabalhoada estabanar tropeçada
Na fática fada
Que jaz subjacente à estática
De ser.

sexta-feira, 24 de março de 2017

Manto

Hoje eu tive um entendimento material
Do quanto diminuí -
Do quanto, em meio a infinitos versos pedindo para desincorporar
E sumir,
Inúmeras palavras recobertas de vergonha ou desolação,
Eu de fato reduzi a mente
E destruí o pensamento.
Hoje eu vi posta diante dos meus pés
A destruição do ser que outrora vivi -
Fui o sentimento aflito
De não encontrar termos
Para descrever a química balançando dentro de mim;
Eu me descobri desprendido de mim;
Descobri que recoberto de trauma
Eu não me escondi do mundo,
Apenas daquilo que nesse mundo um dia abri.
E o pior é saber que na alma fechada
O que eu desejava matar
Foi a única coisa que manti.

quinta-feira, 23 de março de 2017

Corpo Fechado

Eu não te contaria
Com palavras escancaradas
O que eu faria
Com mil carnes
Envolvendo minha alma escapista;
Eu não falaria
Das minhas fantasias;
Eu calafria;
Eu dessabedoria
Até virar enguia elétrica
De víscera espinhosa;
Eu escaparia de escapar -
De ser alma vazia -
Até virar um corpo
De flexível pedra
Balançando um choque térmico
Até a Oceania
E no pacífico me enterraria viva
Tramando desconexa mergulhada na água fria.

quarta-feira, 22 de março de 2017

Violaria

Hoje o violão não tem corda, meu bem
Não me toca que o corpo anda desafinado
E o desafio de trombar no espaço vazio
É demais pra ornar.
Eu não canto em nenhum canto de colo
A minha antisserenata arredia
E eu prefiro desatar os nós das cordas retorcidas
No afinador
No silêncio da minha frieza autocontemplativa.
Eu prefiro ser linha desligada das curvas,
Pousar somente as minhas mãos junto à bacia
E lá dentro sussurrar sem harmonia.

quinta-feira, 16 de março de 2017

Binding

(Ocean - Goldfrapp)

Cabeça do martelo
Batendo contra a parede
Time and time again
Formando um bindi de sangue
De onde jorra água
Direto do coração
Depois de intoxicar o pulmão
E sair fonte na contramão da testa -
Eis aí o cosmos
Unificado no caos
Da seiva mais pura
À que o humano perdeu nomenclatura.

terça-feira, 14 de março de 2017

Todavia, Imaginário Despassotempo

Será que em toda via
(Ou pelo menos na maioria)
Onde cruzo as pessoas
Elas me veem café com leite?
"Põe um pouco de açúcar
E deixa esfriar
Que o pó é recente
E a nata grossa impede o calor de vazar!"
O mundo não mais me decanta,
Assenta e espera eu declamar o vapor
Trincando até a chaleira
Do outro lado da casa -
Ou talvez isso tenha sido só a lareira estalando
No calorão que sobe debaixo da saia da fogueira
Querendo rasgar imaginário
O esquelético estático pensamento
Decaindo na xícara de chá.
Eu devo mesmo ser café com leite
Pra amornar de sopro em sopro
Enquanto toda a mesa ainda roda
Na máquina do tempo
Onde eu não quis jogo
De pingar uma bolacha passatempo
E passar a rodada desatento.

segunda-feira, 13 de março de 2017

A Tartaruga Serpentina

A jovem tartaruga
Anda lenta no lamaçal
Drenada pelo chão macio e a casca dura
Afundando vagarosamente na seiva da vida
E sonha ser serpente
Arrancada dos antigos pés
Para suplantar a terra com o calor da barriga
E arranhar a vida com escamas dobradiças;
Para ter veneno quente escorrendo da saliva
E olhos de cristal arregalados
Vertendo sobre o mundo sua visão de sobrevida,
Uma deusa de rasante sabedoria.
A tartaruga, então, encolhe e brilha no casulo
Sabendo que só na escuridão do seu porto seguro
Ela pode serpentear.

quarta-feira, 8 de março de 2017

Pés (ou, alternativamente, Paz)

(Vive - Maria Bethânia)

Um chão pra pisar
E requentar os pés
E descalar
Os dedos
Na escrita;
Pra descalço tocar
O enfoque geladinho
Da ponta entre a sala de madeira
E o piso frio da cozinha -
Os dedos do pé agarrados
No minúsculo degrau;
O dedão enganchado nos outros -
Pododáctilo dragão devorador de amor...
E talvez depois voltar pro colchão sozinho,
Se abraçar no cobertor -
E a namoradeira ali do lado quieta -
Mas se abraçar no cobertor
Assistindo televisão
Enquanto os dedos do pé novamente se atracam
Em compaixão.

terça-feira, 7 de março de 2017

Obá Obá!

Obá Obá!
Venha água defronte
Q'Eu sou elefante pro peso
Da mente do mundo!
Corrente não me derruba,
Me sobra nas orelhas!
O que me derruba é o que
Fora da mente aflora.
Obá Obá eu clamo!
Elefantes não esquecem
Mas tecem os planos da história;
Ganesha tem longos brincos
De correntes douradas puras,
Mas os lóbulos não tapam
Meu olhar das cheias da verdade.

sábado, 4 de março de 2017

Anjo Belafim

(On the Nature of Daylight - Max Richter)

Bela, Bela, Bela,
Primazia de mim.
Bela e traz a belazia
Carmim.
Bela, rosa e desabrocha
Rosadia em estopim.
Bela amarela no centro
Requentando o movimento
De rebrocha infinita
Expansão escorrida
Nas asas abrangidas
Rumo ao róseo afim...
Bela alaranjada colorida
E ramifica angelizada
Avermelhado alecrim.
Mas Bela, bela rocha -
Bela que este sempre foi teu fim.

quinta-feira, 23 de fevereiro de 2017

Desguardado

(Like a Prayer - Madonna)

Guarda tua persona,
Poeta,
Que ela está passada.
Vigiai!
É chegada a hora
De manter acesa a chama:
Leva contigo o óleo sagrado da poesia -
O noivo está vindo!
Queima na lâmpada o passado -
Ele vai passar!
Queima na cruz o ar que há tragado;
Trema à luz dos fonemas velhos
A glória dos fados,
Dos arrebatados
E das dores dos achincalhados -
É hora da nova glória!
É hora dos grados
Novilogrados!
Guarda a persona, poeta!
Os poemas descansam na paz eterna
De um religioso estado.

terça-feira, 21 de fevereiro de 2017

O que está cindido

Aconteceu ontem um homicídio no meu bairro.
A polícia veio à minha porta e perguntou
Se tinha visto a filha da vizinha da frente.
Ela tinha a minha idade, uns quinze anos,
E tinha sido vista pela última vez andando de bicicleta
No final da rua, perto do bosque.
Ela tinha realmente passado aqui pedindo uma xícara de açúcar,
Mas a verdade é que estávamos naquela casa só de passagem,
Alugamo-na para a temporada
E dali a alguns dias voltaríamos de onde viemos.
Foi então que reparei entre as sirenes piscando no jardim do outro lado da rua
Uns cães farejadores
E achei melhor acordar antes que chegassem no meu quintal
E deixar tudo bem enterrado no subconsciente.

segunda-feira, 20 de fevereiro de 2017

Filho da Terra

Nasce de luz, trevas e éter
Uma aceleração de trava
O assexual ninfomaníaco
E o mico
Com pelo de eletropositividade;
Nasce o rico desendinheirado
Morre o fico
E fica o imperador:
A vida, então, nada mais é
Que um império abandonado.

terça-feira, 7 de fevereiro de 2017

Quatro Motes em Crescente Até Poemar

(Kyrie Eleison I da Missa em Si Menor - Johann Sebastian Bach)

Variações sobre a mente excessivamente gasta para focar na técnica

Uma técnica já deveras debilitada pela falta de experiência ou prática

A experiência que, na prática, por si só basta para trazer o corpo a um cataclisma retumbante

Variações para evitar o foco excessivo no olho da gruta

A caverna tem um olho sem olhar
Ela não cabe
                                        Não cabe
No seu próprio sopro sussurrado
Nem na lua nova no seu mar refletida;
Ela emite o canto das ondas de sua garganta
Expelidas contra o vácuo
Que o vento puxa em sua passagem -
O canto agudo de uma flauta de bambu
Na noite silenciosa;
Ela mexe na liquidez viscosa
Das águas que arrancam terra das paredes
Alargando o espaço e afinando a rocha
Até restar só boca no luar obscuro
E, por fim, um litoral obtuso
Donde canto não se pode dragar.

segunda-feira, 6 de fevereiro de 2017

Poema Dos Desejos Latentes Silenciados

(Black Swan - Nelina Trubach-Moshnikova)

Se você pergunta
Pelas minhas credenciais,
Digo que hoje elas são mais ricas
Porém estranhas.
Não se me permitem
As façanhas do grandioso arcaico
Apesar do estrago que faz
A grandiosidade moderna.
Assimilo os defeitos como intrínsecos,
Jamais como pontualidades
A corrigir -
A verdade é que os fios emaranhados
De uma bomba-relógio
São mais honestos
Que uma simetria enclausurada no papel.
Conto, enfim, que minha maior façanha
É o desejo sem ter desejado,
O infinito microcomputado -
É, para pô-lo de forma simples,
A eterna vivência latente
Que parece nunca ter sido vivenciada.

sexta-feira, 3 de fevereiro de 2017

Sete Rimas em Confusão

Quando a gente é jovenzinho demais
Escuta um samba e só vê alegria
Achando que a alegoria mente bruta
Se se faz doendinho e bamba
Mas, mais e mais,
A labuta, a fruta,
A lamba da gamba
E um bando de gente fria passando
Arrepia al dente a melancolia,
O benzinho se astuta
E a mente descamba diferente
Nos anais do samba.

quinta-feira, 2 de fevereiro de 2017

Corrido

(Hanayagi - Ensemble Nipponia)

Eu queria ter corrido
Mas a chuva não quis passar.
Queria ter corrido até passar;
Queria ter passado escorrido;
Queria despassado ter corrido;
Queria ter morrido;
Queria ter o morro transcorrido
E, trespassado, também a chuva passar;
Quisera o passado ter chovido
E, apagado no verde do morro ido,
Se enquadrado no meu passo
E ao pé do ouvido tocaria
Só o chuvisco emitido contra a rua
E o pé na curva a tocar.

quarta-feira, 1 de fevereiro de 2017

Elas

(Mulher do Fim do Mundo - Elza Soares)

Agora é que são as medusas
Cheias de "me usa" elas me gritam por dentro
Até a emoção petrificar
E eu não me comover -
Locomover as pernas até o desuso
E cobrar do mundo só o pó
Pra levantar no sambódromo um ar de feiticeira
Ceiar com outros monstros
Meu estado natural
Descamado da pele humana
Ainda desacostumada de ser desfigurada pela sorte
De em excessivas sortes ser azar.

Agora é que são as sereias
E as presas gradeadas no sorriso
E a ruindade naufragada no meu mar.

Agora é que são as fúrias
Nas íris pretas de pupila
Numa ode a nada que é belo -
A poesia também canta doentio
Quando a beleza arrega o canto
E a sobrevida pede passagem pra dançar.

Agora é que são
Quando não.

Elos

(We Don't Eat - James Vincent McMorrow)

Ela se vigia
E nega que haja vida
Além das vigas em que teia
Os pensamentos para si
E ela se enrija
Rigor mortis viva
Meio de muito pensar
Meio de pouco demais
Emaranhada nos próprios fios
E nos que escorrem da chuva
Melecando a seda em bolo
Embolando os pés e mãos
Numa vigília enfurnada
Na própria visão
Periférica e distante
E não importa quantos olhos tenha
Quantas letras teça
Ela e sua liberdade
São sua própria prisão.

Limbo

Estou cansado demais pra fantasiar...
Desgastado demais pra viajar.
Exausto da vida, exausto.
As relações são só o recheio sem gosto
Entre as pontas do tendão;
A única pessoa que realmente valia
Me traiu
E abandonou com o coração despedaçado.
Eu não acredito mais nas pessoas...
Não acredito mais em mim.
Eu não acredito em mais nada.
Eu não vivo por mais que o suspiro
Que me leve à próxima tragada.
A morte está perto, tão perto,
E ainda assim não me toca.
O que ela espera? O que mais ela espera a vida tirar?
Falta ainda a melancolia...
Talvez quando ela perdida
Enfim eu descanse.
Eu quero estar em transe
Ou que isso tudo desmanche de vez,
Mas tudo que sou é dopado de tempo
Vivendo de limbo
No limbo
Limbo...

Efígie

(Romanticide - Nightwish)

Basta!
Já empobreci o suficiente
Todas as rimas e ritmos
Por um verso de amor.
Rasga de mim teus olhos nojentos
E apaga tuas palavras torpes,
Sacrilégio de ser!
Teu abismo de profanidade,
Tua falsidade e manipulação
Não mais me remoerão!
Eu sou a cidade,
Tu, só neblina
E eu num sopro te varrerei
Dissipado em sangue evaporado
Para as catacumbas das montanhas,
Onde o velho e pútrido voltará ao pó
E os teus encantos serão sepultados
Sob a efígie da magia velha
Que não me marca mais.
Eu te declaro morto.

sexta-feira, 27 de janeiro de 2017

Vem vir

Eu vi lá longe escondido
O velho pequeno passarinho
Encapsulado em emoções
Incompreendidas.
Vem vir, passarinho!
Vem vir que vai!
Mas ele fica lá, em posição fetal,
Engolido na eterna guarda
Da destruição.
Vem vir, passarinho!
Vem vir que vira e sai!
Eu senti o passarinho passando
Leve e fechado na garganta
E descer lá fundo
No limbo do coração.
Vem vir, passarinho!
Vem vir que pode ser que valha a pena
Ainda crer um pouco mais
Em outra coisa alheia,
Em outras asas que abraçar!

domingo, 22 de janeiro de 2017

Eros Tabú Cabe Travar

Eu não desejo ser o aprisionador
Eu quero ser a prisão em si
Eu quero ser o paraíso infernal
O teu inferno delicioso que não percebes
Eu quero ser o teu enfermo choro
Etéreo coro
Cloro ardente nos olhos adorno
Ama meus olhos e o meu amar
Eu quero eterno te adornar,
Demônio
Eros tabú cabe travar

quinta-feira, 19 de janeiro de 2017

Todo dia

Vocês não têm a impressão de que vivemos de sombras?
Hoje os dias são cinzas
E quase escondem as bizarras no asfalto,
Mas lá estão,
Deformadas,
Assombrando nos passados,
Futuros
E cotidianos
Todos bagunçados na luz meio apagada
Que incide do céu nublado
Comendo a mente entre o tráfego e o funk
Saindo do rádio do carro
E da traseira da cabeça,
O porta-malas assombrado de São Paulo
Ou do Brasil e do Globo
Neocolonial corpo
Enlameado de vida errada
Encorpada de absurdo capitalista
Na depressão coletiva -
A sombra é absoluta
Irredutível até reduzir à explosão
Que ainda não chegou
Vai chegar;
Esse mundo ainda vai chovar.

terça-feira, 17 de janeiro de 2017

Death of a Nation

O poema está quebrado
E só lhe

Resta letargir o silêncio dos inocentes
Que numa sociedade antipoética
Assistiu ruir toda
A beleza
Da qual se tinha notícia
Na essência humana.

segunda-feira, 16 de janeiro de 2017

Degradação

Ultimamente a vida é medo.
Medo.
Medo, medo e mais medo
Coberta de segredo
Velada no escuro
Sob os terrores noturnos
Que só escondem no fundo
Os temores mais fundos
De desamor
Desatenção
E desvida
Onde ainda mais escuridão reinará
Até tão grossa não sobrar espaço
Para nenhum sentir -
O meu medo é não haver mais medo.

terça-feira, 10 de janeiro de 2017

Δη+¡<Φяρ0

(Paradise (Not For Me) - Madonna)

Meu corpo virou
Do avesso
E cada vez que arrepia
A carne expia as fibras da musculatura
Que se arrancam do lugar
E erigidas doem
Enquanto o pelo dentro coça o coração
Que não se aguenta e palpita
Desritmado e salgado
Do suor a lhe ferver.
Meu corpo virou
O portal de céu e inferno
Alternando passagem a anjos e demônios
Que quando paridos passam arrancando
Pedaços da alma
Até um dia
- Que não venha -
Sobrar só tripa
Como as ranhuras de uma porta gasta
Arranhando sons de desencanto
Ao abrir e fechar.
Meu corpo virou
A vários lados distorcido
Andando pra trás
Falando de lado
Amando de ponta-cabeça
Tocando com cotoveladas
E pensando por fora
Como se o corpo nem estivesse lá.

sexta-feira, 6 de janeiro de 2017

Con la corda Mi

Mira la noche
Que neblinada está
E que?
No es nada -
Solo eso mismo.
Besitos junto a mi mensaje!
Hay tenido saudades de mim?
Hay tenido un hombre más tarado que mim
Mimando, mamando, amansando teu ego
Amassando as papoulas em droga
Para alucinardes
Alucinógena española
La corda mí?

Poema Numa Varrida de Versos

Minha vida?
Guantánamo
Guarita que é muamba
Lagarto na corda bamba
Amor
Dolorido
E os poemas.
Ela é as repetições
Os erros descorrigidos
No descarrego.
É o arrego
Feito de insistência.
É o existencialismo místico
Num culto de ateísmo
É o livro do desassossego encarnado
Na forma de raposa
Alada
Bicuda
E de todas as outras formas transfigurada.
É a cerveja e o agradável nada
E é tudo que vem numa paulada.
É tudo que não quero
E não vivo sem -
Que metalinguagem manjada.
É o desconfortável leito
Em que meu corpo se ajeitou
Pra dormir um sono mais gostoso
E sonhar desplanejado.

quinta-feira, 5 de janeiro de 2017

Cerveja e Chocolate

Às vezes você não é tão bom assim
"Mas vai que é"
Ela insiste dentro de mim
E não é que aprume e invista
Torto e machucado
(Apesar que sim)
Uma lambança esculachada
E esdrúxula
É só que faz sentido no estômago
Mesmo que não na epiglote
Nem no epílogo
É só que o mote está lançado
E a vida não dirá
Antes de terminar
De atravessar aquele rio rochoso
Pastoso
Do meu amanhecer
E enquanto eu passo aqui a noite
Exaurido de ser
Prefiro pensar nisso mais um pouco
E torcer que degustando
Eu durma enfim menos afobado
E acorde menos cansado
Do meu pas de deux a menos três.

Destópico

Guerra em paz
Guardada à la gueixa
Nas catacumbas do gutural
E guizo dos olhos
Guizo dos olhos

Risos

Guizo dos óleos
Da pele mal banhada

Distopia dos olhos

quarta-feira, 4 de janeiro de 2017

O Lagarto

Por toda a minha vida
Tomei caminhos sem fim
Que se apagavam debaixo de meus pés
E já não faziam sentido.
Por toda a minha vida
Deixaram de ser caminhos
Para se tornarem pairação
Em meio a um inferno escuro sem direção.
Por toda a minha vida
Houveram infernos espalhados no tempo
Marcados na carne a ferro quente
Cicatrizando em marcas que não me deixaram.
Por toda a minha vida
Cicatrizei esquisito uma pele escamada
Até meus olhos virarem olhos de lagarto
E eu ficar acoplado numa árvore
Buscando com meu olhar morto
Por toda a minha vida.

terça-feira, 3 de janeiro de 2017

Mantra

(Shanti/Ashtangi - Madonna)

Mantra de sobrevida
Manta sobre o camelo
Cavalgada noturna no deserto
Plena estatura na tempestade de vento
Hominídeo do espaço no templo
Sol na barriga, lua na mente
A cobra sai pela boca e derrete na areia
Antram os espíritos da paz
Antram de volta as borboletas
Homam os oráculos em pingente na testa
Om