quarta-feira, 24 de maio de 2017

Rima de Textura Azul

Grossa montagem de tinta
Da pincelada azul
Atroça a imagem
E pinta desencantada
Uma avulsa roça
De ramagem distinta
Congelada no sul

Se apossa da paisagem extinta
Tão desertificada quanto Cabul -
Engrossa selvagem,
Requinta azulada
E pulsa a nossa miragem
Sucinta, mas reavivada no soul.

sexta-feira, 19 de maio de 2017

A Curva da Trilha

(Si No Te Vas - Chavela Vargas)

Às vezes,
Pelo puro agrado de sofrer
Ou no acaso de trombar outra vez
Ou ainda porque a vida em déjà vu
Recria a linha já tecida
Na crueldade de que se acomete
Em sua insensatez...
Às vezes cutuco a casca
E a solidez onde me vi perdida
Para enfim me sentir remida
Da maciez da carne quente
Se derrete
E eu sou posta frente a frente
Com a realidade nua
Da tua falta vasta ainda intacta
Pois há dor que o tempo nunca cura
Só perdura crua
Recoberta em suas camadas
De ano sobre ano
Endurecendo escura
Na tristeza e na alegria
Para andar amortecida
Na trilha que me trilhou.

terça-feira, 16 de maio de 2017

Ventania

Todo dia
Todo santo dia
A melancolia
Mas pelo menos hoje
Ela é de céu azul e tarde fria
Pingando o céu como nuvens sem estalo
E sumindo no horizonte
Em busca de outra comoção
Não tão bonita
Na leve ventania.

Rímica

Uma rima que mima o rimador
Tão mínima que mímica
- Quase etílica na base -
Mas rica e edílica
Atina recomplexa
A fina frase desconexa
Como se rimasse
Num passe de mágica
A clássica sem classe
De amor com dor.

segunda-feira, 15 de maio de 2017

Letra Nua

Os pensamentos saltam da minha língua
Sem controle ou filtro
E rasgam desaflitos o tecido
Da vida
Antes que o gume reflita o corte
E raspe a boca quando reembainha
Deixando o gosto de sangue amargar
No calar da noite.
As mãos trucidam a fibra
Sem que percebam sua pele
Arranhando gasta na fissura
Até que os calos e ranhuras abertas
Espelhados latejem a dor
Do pano destruído.
Eu desnudo tudo nas palavras
E elas no reflexo me desnudam
Até que o tempo remende as vestes
Da carne e do mundo
E das novas peças novamente eu me despeça
Clamando não querer ver tudo nu
Conforme arranco desmedido cada teco
E me repito em solidão dizendo "não"
Enquanto ao "sim" dou corpo em dupla negação.

E Tantos Outros Quanto Ainda Virão

Eu tenho vinte e tantos outros anos
E fazem tantos quanto
Que a folia dos louros dourados
Aconteceu.
A coroa com semblante empoeirado
Jaz distante enfurnada qual troféu
No vidro sujo de passado
Que eu reclamo meio torto
Relembrando a glória do escarcéu
Que era ter tão pouco o que chamar de meu
E tanto mundo posto pra conquista.
Eu olho meio afoito a arredia juventude
Andando solta por aí
E o meu desgosto pelo fim da correria sem seu próprio fim
Reflete em irritação com quem ainda
Não chegou na minha estação de museu.
Eu olho aqui de cima da construção
De vinte e muito
Sem que a torre pare de crescer
E jogar as tranças não parece mais ser chance
De princesa retroceder ao chão
E olhar novamente o céu
Querendo explorá-lo
Sem constructo me prender.

sábado, 13 de maio de 2017

Constelação

Certa vez um cancioneiro me cantou o seguinte:
Amar é estrela -
Cada qual uma diferente,
Brilhando, piscando e estando
Todas à sua forma no seu pedaço de céu,
Mas se você olhar bem
Tem umas bem parecidas
E, se tiverem a sorte de estourarem juntas,
Lado a lado na imensidão,
Elas se entenderão
E explodirão quase eternas
Conversando mesmo à distância e no silêncio
Trocando aventuras na constelação
Sabendo que em meio ao caos frenético do Universo
Pelo menos nessa relação
Algo se entende mais fundo
E mesmo no vazio do tudo
Vão se completar na mútua compreensão.

sexta-feira, 12 de maio de 2017

Mousse de limão

Vou tirar um descanso na abraçadeira
Pra reclamar de homem
E comer mousse de limão
Aproveitando que no meio da vida
A parteira ainda teve tempo de encontrar
A minha irmã gêmea.

quarta-feira, 10 de maio de 2017

Poema do Erro

Eu tenho andado com uma mania
De, olhando para fora da minha egolatria
E das riquezas que já acumulei naquelas mentes
Tão vadias quanto a minha,
Esnobar as cascas vazias que circulam por aí.
Eu sei: provavelmente elas têm conteúdo -
Se não todas, ao menos algumas.
Mas que importa?
Importar mais alguns bens
Não vale o esforço de rodar em meio
A tantas mil quinquilharias.
Tenho a sensação que quem valer a pena
Aparecerá brilhando nos meus olhos
E todo o resto mais ainda perecerá.
E daí que é errado?
A maior parte da vida
É nos erros ver o que se encontrará.

segunda-feira, 8 de maio de 2017

A Hora do Lobo

A hora do lobo
É o despertar -
Não do corpo;
É o raiar
Não do sol;
É o nascer não
Do amor
Já que já morreu;
É o romper não
Do ateu
Já que já deus;
É que eu vi alvorecer na escuridão
A aura do sol que ainda não chegou
E o breu, mesmo ainda absoluto,
Não venceu.